STF: Para Dino, lei que impõe bíblias em bibliotecas públicas é válida
Ministro considerou válida, com ressalvas, lei do Rio Grande do Norte que exige exemplares da bíblia em bibliotecas estaduais.
Da Redação
terça-feira, 8 de abril de 2025
Atualizado às 19:11
O ministro do STF Flávio Dino apresentou nesta quarta-feira, 8, seu voto após pedido de vista no julgamento da ADIn 5.255, que questiona a constitucionalidade da lei estadual 8.415/03 do Rio Grande do Norte, a qual obriga bibliotecas públicas estaduais a manterem ao menos dez exemplares da bíblia, sendo quatro em linguagem braile.
Dino divergiu do relator, ministro Nunes Marques, ao considerar constitucional a norma desde que respeitada a inclusão de outras obras religiosas e observada a razoabilidade na fixação de exemplares.
O caso
A ação foi ajuizada pela PGR, que sustenta que a lei potiguar viola os princípios constitucionais da liberdade religiosa, igualdade e laicidade do Estado, ao privilegiar uma tradição religiosa específica com recursos públicos.
A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, por sua vez, defende a constitucionalidade da norma, argumentando que a medida não impõe práticas religiosas, mas apenas garante acesso a um conteúdo de relevância histórica e cultural.
Laicidade
O relator da ação, ministro Nunes Marques, votou pela inconstitucionalidade da norma, sob o argumento de que ela favorece desproporcionalmente os adeptos de religiões fundamentadas na bíblia, utilizando recursos públicos. Segundo o relator, a CF adota modelo de laicidade colaborativa, que reconhece a importância da religião, mas exige neutralidade do Estado diante das diversas crenças.
"Ao Estado não compete privilegiar, interferir ou curvar-se aos dogmas de nenhuma denominação, mas, antes, franquear a todas, indistintamente, livre atuação. A colaboração entre Estado e Igreja é, inclusive, desejável, desde que em favor do interesse público."
Para Marques, a imposição legal da aquisição da bíblia configura um "incentivo estatal injustificável a valores religiosos específicos", e fere também o princípio da isonomia, ao excluir outras tradições religiosas e os não religiosos.
Pluralidade
Em voto apresentado após pedido de vista, o ministro Flávio Dino divergiu do relator, entendendo que a presença de exemplares da bíblia em bibliotecas públicas não configura favorecimento inconstitucional a determinada crença, desde que respeitado o caráter plural do acervo.
Dino destacou que a lei estadual não proíbe a presença de outras obras religiosas nem impõe qualquer tipo de leitura obrigatória.
"Não se tem, em absoluto, na lei estadual comando excludente da disponibilização de obras sagradas diversas nos acervos das bibliotecas públicas do Estado do Rio Grande do Norte, bem como imposição da leitura da bíblia, ou de qualquer conteúdo, seja ele de cunho religioso ou não."
Segundo o ministro, a disponibilização da bíblia nas bibliotecas públicas, inclusive em versão acessível a pessoas com deficiência visual, respeita os princípios da laicidade, da impessoalidade e da não discriminação.
Nesse sentido, citou precedente do STF no Tema 1.086, em que a Corte considerou constitucional a presença de símbolos religiosos em repartições públicas, desde que associada à tradição cultural da sociedade brasileira.
"Em tal julgamento, assentei o entendimento de que, embora o Brasil seja um Estado laico, a Constituição reconhece e valoriza a dimensão religiosa do ser humano, considerando-a essencial para o bem comum. Essa valorização - constante desde o Preâmbulo, que invoca 'a proteção de Deus' - está evidenciada em diversas normas constitucionais que incentivam a liberdade religiosa e o respeito às manifestações de fé. Por isso, o Estado brasileiro não deve ser indiferente ou contrário à religião, mas sim respeitar e promover um ambiente onde a expressão religiosa possa coexistir de forma harmoniosa com o pluralismo."
Apesar da concordância com a essência da lei estadual, Dino considerou inconstitucional a fixação pela lei de número mínimo de exemplares, dez, sendo quatro em Braile. Para o ministro, essa imposição interfere na discricionariedade administrativa e pode não refletir a real necessidade das bibliotecas, além de não levar em conta as limitações orçamentárias.
Então propôs que cada biblioteca tenha, ao menos, dois exemplares da bíblia, sendo um em braile, e que a inclusão de outras obras religiosas seja incentivada.
O ministro Alexandre de Moraes seguiu entendimento do relator. O caso voltará a ser julgado em plenário virtual entre os dias 25/04/2025 a 06/05/2025.
- Processo: ADIn 5.255
Leia o voto do relator.