Rodrigo Pacheco lança livro sobre a reforma do Código Civil
O evento reuniu parlamentares, juristas, acadêmicos e autoridades do meio jurídico.
Da Redação
quarta-feira, 2 de abril de 2025
Atualizado às 07:16
O senador Rodrigo Pacheco lançou, nesta terça-feira, 1º, no Salão Negro do Congresso Nacional, em Brasília, o livro "A Reforma do Código Civil - Artigos sobre a atualização da Lei nº 10.406/2002". A obra reúne artigos de especialistas que analisam os principais desafios da legislação civil brasileira e defendem sua modernização frente às transformações sociais, tecnológicas e jurídicas do século XXI.
O lançamento da publicação reforça a importância da atualização do Código Civil, em vigor desde 2002. O tema ganha ainda mais relevância com a apresentação do PL 4/25, de autoria de Pacheco, que propõe a revisão dos 897 artigos atualmente vigentes, além da inclusão de cerca de 300 novos dispositivos. O objetivo é tornar o texto legal mais claro, acessível e eficaz na regulação das relações civis.
A introdução da obra é assinada pelo ministro do STJ Luis Felipe Salomão, que também discursou durante a cerimônia de lançamento. Em sua fala, o ministro elogiou a iniciativa de Pacheco e destacou a urgência da reforma.
"O senador Rodrigo Pacheco é visionário ao afirmar que o Código Civil é como uma roupa que precisa crescer junto com o corpo que veste", afirmou Salomão. "Sua proposta chega em um momento oportuno, diante das profundas mudanças vivenciadas pela sociedade - desde novos modelos de negócios e contratos até o avanço tecnológico, a comunicação em tempo real e a diversidade das estruturas familiares. Tudo isso exige uma legislação mais atual, capaz de acompanhar essas transformações."
O evento reuniu parlamentares, juristas, acadêmicos e autoridades do meio jurídico.
Leia abaixo a íntegra do discurso do ministro Luis Felipe Salomão.
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MANIFESTAÇÃO DO MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (PRESIDENTE DA COMISSÃO DE JURISTAS):
Senhor Presidente do Senado Federal, Senador Davi Alcolumbre, em nome de quem saúdo todas as inúmeras autoridades presentes.
Uma das expressões mais importantes da Antiguidade, sobretudo do período helenístico, é a escultura que representa Laocoonte e seus filhos sendo atacados. A obra, admirada no Museu do Vaticano, foi objeto de estudo por vários historiadores da arte após sua redescoberta no século XVI. Laocoonte é um dos personagens que aparece na Eneida, de Virgílio, e na Ilíada, de Homero. Natural de Troia, era sacerdote e fez uma advertência aos compatriotas, "não aceitem o cavalo de madeira, presente dos gregos, ou seremos todos destruídos". Os sacerdotes e adivinhos são peças fundamentais na mitologia grega, pois estabelecem a relação entre passado, presente e futuro. No caso, com sua advertência, Laocoonte chegou perto de frustrar todo o plano do exército grego, mas acabou não sendo ouvido e depois foi castigado. A escultura denominada o "grupo de Laocoonte" simboliza a dor de quem tentou evitar uma tragédia, mas o destino acabou se voltando contra ele e seus filhos. A dor física que transparece na escultura e a grandeza do conjunto da obra estão distribuídas em igual medida por todo o corpo e parecem manter-se em equilíbrio.
O Presidente Rodrigo Pacheco é um visionário e fez a advertência: "...o Código Civil é como uma roupa que precisa crescer junto com o corpo que veste".
Daí porque sua iniciativa de propor a atualização do Código Civil brasileiro de 2002 veio em momento muito oportuno, pois as mudanças na sociedade experimentadas pelas mais diversas razões - novos modelos contratuais e negociais, avanço tecnológico digital, a comunicação de massa em tempo real, novos arranjos familiares - indicam a necessidade de modernizar uma lei definida por alguns como a "constituição do homem comum".
A proposta da Comissão de Juristas, que agora tramita como projeto de lei nesta Casa do Parlamento (PL n. 4, de 2025), está baseada na jurisprudência consolidada do STJ e do STF, nos enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Conselho da Justiça Federal - CJF, nas posições doutrinárias já sedimentadas, de modo a que o resultado reflete soluções práticas para as pessoas que precisam lidar hoje com a transição da vida analógica para a digital.
Alguns outros vetores orientaram as propostas de atualização: a) assegurar maior autonomia de vontade das pessoas; b) promover a desjudicialização de vários atos e procedimentos; c) estímulo ao empreendedorismo e facilitação do ambiente de negócios d) garantir as alterações necessárias para atualização do texto, mas observado sempre o princípio da segurança jurídica.
O livro que ora se apresenta é fruto das reflexões daqueles que trabalharam na elaboração do anteprojeto.
É um testemunho coletivo dos maiores pensadores do direito civil no Brasil.
Os artigos reunidos, com assinaturas de Ministros, Desembargadores, Juízes, representantes do MP e da Defensoria, Advogados, renomados professores de direito, enfim, toda a comunidade jurídica, abordam as diversas facetas do projeto: a parte geral, passando por obrigações e contratos, responsabilidade civil, direito de empresa, direitos reais, família e sucessões, até chegar ao novo livro de direito digital.
Há ainda um interessante posfácio apresentado pelos assessores do Senado que trabalharam com os juristas, transmitindo os bastidores da Comissão.
São 39 artigos escritos por 45 autores, um passeio pelos temas mais relevantes do direito civil da atualidade.
A livraria do Senado já disponibilizou o livro em seu sítio eletrônico: https://livraria.senado.leg.br/a-reforma-do-codigo-civil.
Importante notar, com alguns pouquíssimos exemplos, o alcance e a profundidade das propostas:
- PROTEÇÃO DA PESSOA FÍSICA: A proteção conferida à identidade pessoal passa a incorporar "os aspectos que envolvam orientação ou expressão de gênero, sexual, religiosa, cultural e outros aspectos que lhe sejam inerentes" (art. 17, § 1º). A fim de facilitar o conhecimento das origens ancestrais, biológicas, étnicas, culturais e sociais, é assegurado amplo acesso às informações constantes em arquivos de interesse público (art. 18).
- DIREITO DE FAMÍLIA: Uma das propostas acatadas pela Comissão e aplicada ao longo do anteprojeto foi atualizar o termo adotado para aqueles que se encontram em união estável - de "companheiro(s)" para "convivente(s)", sendo também importante referir que houve o reconhecimento - ao lado da família constituída pelo casamento e união estável - da constituição de família parental (art. 1.511-B), assim entendida aquela "composta por, pelo menos, um ascendente e seu descendente, qualquer que seja a natureza da filiação, bem como a que resulta do convívio entre parentes colaterais que vivam sob o mesmo teto com compartilhamento de responsabilidades familiares pessoais e patrimoniais" (§ 1º).
- VALIDADE DE ASSINATURA DIGITAL: O novo Livro de Direito Digital passa a disciplinar a assinatura digital no direito civil, amplamente utilizada em outros ramos do direito. Por exemplo, o credor poderá dar quitação por instrumento particular assinado digitalmente, como se vê na nova redação proposta para o art. 320. Essa regra garantirá segurança e praticidade nas relações negociais do nosso cotidiano, tais como compra e venda, aluguel, dentre outros.
- DIREITO ANIMAL: Além de afirmar que os animais "são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial", a proposta também buscou conferir tratamento adequado ao compartilhamento da companhia e as despesas com os pets, a ser observado por ex-cônjuges e ex-conviventes (art. 1.566, § 3º) - tema recorrente na justiça brasileira.
- ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO E REDUÇÃO DA CLÁSULA PENAL: O art. 475-A introduz a possibilidade de o devedor opor ao credor o adimplemento substancial do contrato, a fim de evitar a resolução, sem prejuízo da pretensão do credor pela reparação por perdas e danos. Tal regra criará o estímulo à manutenção do contrato entre as partes, permitindo, em algumas situações, que o comprador que tenha adimplido a maioria das prestações de um veículo ou um imóvel seja mantido na posse do bem com a devida compensação ao credor. Quanto a cláusula penal, a proposta apresenta ressalva de que, "[e]m contratos paritários e simétricos, o juiz não poderá reduzir o valor da cláusula penal sob o fundamento de ser manifestamente excessiva, mas as partes, contudo, podem estabelecer critérios para a redução da cláusula penal".
- RESPONSABILIDADE CIVIL: No campo da responsabilidade civil, a proposta apresentada pela Comissão de Juristas leva em conta toda a evolução da doutrina nacional e estrangeira, especialmente em relação a prevenção do dano.
- COMUNICAÇÕES SOCIAIS POR MEIO ELETRÔNICO: Para conferir celeridade às comunicações sociais empresariais, foi acrescentado o inc. X no art. 997, a fim de estabelecer a validade e eficácia das comunicações eletrônicas da sociedade feitas por e-mail quando previstas no estatuto.
- AUTONOMIA DOS CONDOMÍNIOS PARA DECIDIR SOBRE O USO DO IMÓVEL PARA HOSPEDAGEM ATÍPICA: Mediante autorização expressa na convenção ou deliberação assemblear, fica permitida a utilização do imóvel residencial para fins de hospedagem atípica, seja por intermédio de plataformas digitais, seja por meio de outras formas de oferta, como ficou sugerido no § 1º do art. 1.336.
- DIREITO REAL DE LAJE: O direito real de laje também poderá ser objeto de garantia real, independentemente da construção-base (art. 1.510-A, § 7º), adquirido por usucapião (§ 8º), assegurada a autonomia desse direito real em relação à posse (art. 1.510-F). Trata-se de regramento que visa conferir segurança jurídica diante de uma realidade tão presente nos grandes centros urbanos, principalmente nas comunidades de baixa renda.
- DIREITO DAS SUCESSÕES: O art. 1.796 buscou prestigiar o inventário extrajudicial, com algumas ressalvas contidas nos parágrafos. Com efeito, será franqueado o inventário e partilha extrajudicial, amplamente utilizado no Brasil a partir da Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, mesmo se houver testamento e/ou herdeiro incapaz, ficando a eficácia do ato subordinada à anuência do Ministério Público. Discordando o parquet, a escritura não será lavrada (arts. 2.015, §§ 1º e 2º, e 2.016, §§ 3º e 4º).
- DIREITO DIGITAL: A proposta é de inserção de um Livro totalmente novo, moderno, com potencial de se tornar importante marco para a regulação dos direitos fundamentais no espaço cibernético, estando a integralidade dos dispositivos inseridos em um dos vetores que orientaram os trabalhos, qual seja o de adequar o atual Código Civil às novas tecnologias e ao ambiente digital. Além do mais, procurou-se elaborar uma sequência de dispositivos legais que "dialogam" com todos os outros Livros e disposições do Código, de modo a permitir constante atualização e adaptação das regras também ao mundo digital.
Deveras, o anteprojeto de atualização aprovado pelo relatório final da Comissão de Juristas intervém - inserindo, alterando ou revogando - em 1.122 artigos do Código Civil e em outras 10 relevantes leis federais, tais como a Lei de Registros Públicos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o CPC e o Código Penal.
O maior objetivo deste trabalho - como já acentuado - foi apresentar texto moderno, projetado para o futuro e, ao mesmo tempo, com todos os avanços técnicos e jurídicos, obtidos pelo consenso da doutrina, pela evolução da jurisprudência, pelos enunciados em jornadas e pelas sugestões recebidas ao longo do trabalho.
Por fim, convém registrar especial agradecimento ao Presidente do Senado Federal, Senador Davi Alcolumbre e ao Senador Rodrigo Pacheco, não apenas pela disposição de criar e apoiar a Comissão de Juristas, como também pela ideia de consolidar, neste volume, importantes reflexões sobre o anteprojeto de atualização e modernização do Código Civil de 2002, a ladear outras importantes obras históricas do Parlamento brasileiro.
Luis Felipe Salomão, Brasília, 01/04/2025