STF: Para maioria, militar com HIV faz jus a reforma se tem incapacidade definitiva
Ministros acompanham voto de Dino que fixa exigência de laudo para reforma de militar com HIV.
Da Redação
sexta-feira, 28 de março de 2025
Atualizado às 17:22
O STF formou maioria para negar pedido da União e reconhecer direito à reforma ex officio de militar portador do vírus HIV, desde que demonstrada a incapacidade definitiva para o serviço. O entendimento é de que basta a homologação, por Junta Superior de Saúde, do laudo médico que ateste a condição de incapacidade.
Os ministros André Mendonça, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Edson Fachin e Luiz Fux acompanharam a divergência aberta pelo ministro Flávio Dino, que divergiu quanto ao desfecho do recurso da União e propôs tese em sentido convergente.
Até o momento, ficaram vencidos o relator, ministro Alexandre de Moraes, e o ministro Cristiano Zanin.
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou a tese proposta pelo relator quanto, mas divergiu no tocante à posição da União no processo. Os demais ministros ainda não se manifestaram.
O julgamento ocorre no plenário virtual do STF, com início na última sexta-feira, 21, e término previsto para esta sexta-feira, 28.
O caso
Militar temporário acionou a Justiça visando anular o ato que determinou seu licenciamento do Exército. Na ação, além da nulidade do desligamento, pleiteou a concessão de reforma por incapacidade, com pagamento de proventos calculados com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao ocupado na ativa. Requereu ainda o recebimento de auxílio-invalidez a partir da data do requerimento administrativo.
O juízo de 1º grau negou pedido de militar temporário portador do HIV, por entender que a condição assintomática não implica incapacidade.
Já o TRF da 4ª região reformou parcialmente a decisão para reconhecer o direito à reforma com proventos no mesmo grau da ativa, afirmando que a condição garante o benefício, independentemente da evolução da doença.
O militar recorreu ao STJ buscando a concessão dos proventos com base no posto imediatamente superior.
Ao analisar o recurso especial, a 1ª seção do STJ afetou o caso como representativo da controvérsia no Tema Repetitivo 1.088. A tese fixada estabeleceu que o militar, de carreira ou temporário - neste último caso, antes da alteração da lei 13.954/19 -, diagnosticado como portador do HIV, tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva, ainda que assintomático.
Contudo, a remuneração deve ser calculada com base no soldo do posto ocupado na ativa, salvo se demonstrada a impossibilidade total e permanente para qualquer atividade, conforme o art. 110, §1º, da lei 6.880/80.
A União interpôs recurso extraordinário contra acórdão do STJ que negou provimento ao REsp, sustentando ofensa à Constituição e defendendo que a reforma de militar exige comprovação de incapacidade efetiva. Alegou também divergência com precedente do STF que entendeu não ser o HIV assintomático causa automática de incapacidade.
Voto do relator
Ao analisar o caso, o relator, ministro Alexandre de Moraes, ressaltou que o regime jurídico dos militares é distinto do regime dos servidores públicos civis, especialmente no que tange a questões relacionadas à reforma por incapacidade.
Entretanto, o ministro observou a importância dos princípios da isonomia, igualdade e não discriminação, considerando o avanço no tratamento do HIV e a melhoria na expectativa de vida dos portadores do vírus com o uso de antirretrovirais.
Nesse contexto, Moraes não considerou a soropositividade por si só uma justificativa para a reforma ex officio, uma vez que a incapacidade deve ser comprovada de forma concreta.
O ministro afirmou que o STF não admite a criação de discriminação contra pessoas portadoras do HIV, e interdita qualquer tipo de discriminação que não seja baseada em critérios razoáveis.
Segundo ele, a jurisprudência da Corte tem repugnado tratamentos discriminatórios que restringem o exercício de direitos e que carecem de razoabilidade, além de violarem as normas internacionais de proteção ao trabalho.
"Ou seja, tanto a jurisprudência desta Corte, como as disposições constitucionais e legais que regulamentam o regime dos militares, além dos avanços da ciência que têm permitido aos portadores do vírus HIV um aumento da expectativa e da qualidade de vida não autorizam que se criem discriminação em relação a esses indivíduos em qualquer esfera social, em especial quando se trata da manutenção do trabalho."
Assim, propôs a seguinte tese:
"O militar, portador assintomático do vírus HIV, não pode ser reformado ex officio para o serviço ativo das Forças Armadas somente em razão de seu diagnóstico, mesmo antes da alteração legislativa promovida pela lei 13.954/19."
Dessa forma, votou pelo provimento do recurso extraordinário da União para reformar o acórdão do TRF da 4ª Região e, com isso, indeferir o pedido de reforma apresentado pelo autor.
Voto divergente
Em voto-vista divergente, o ministro Flávio Dino discordou parcialmente da tese proposta pelo relator, defendendo que a reforma ex officio de militar portador assintomático do HIV deve ocorrer apenas mediante demonstração de incapacidade definitiva, homologada por Junta Superior de Saúde, conforme previsão expressa da lei 6.880/80.
Dino, por sua vez, apontou que a União não interpôs recurso contra o acórdão do TRF da 4ª região que concedeu a reforma com proventos no grau ocupado na ativa, o que gera preclusão e coisa julgada parcial, impossibilitando nova discussão sobre esse ponto.
"Ora, bastava ao militar não ter interposto qualquer recurso da decisão do TRF-4 para que tivesse assegurado sua reforma por incapacidade com proventos no grau que ocupava na ativa, já que a União, repita-se, dessa condenação não recorreu. Assim, não se pode, nesse momento processual, discutir-se uma situação já consolidada."
O ministro ainda rebateu o argumento da União de que a controvérsia constitucional só teria surgido com a decisão do STJ, ressaltando que o tema já havia sido decidido pelo TRF da 4ª região, consolidando a impossibilidade de reapreciação da matéria.
Em sua análise normativa, Dino destacou que a legislação vigente exige a comprovação da incapacidade definitiva para a concessão da reforma, a ser validada por Junta Superior de Saúde, e que a jurisprudência do Supremo não respalda o afastamento desse requisito.
Assim, propôs a seguinte tese:
"O militar, portador do vírus HIV, tem direito à reforma ex officio com a demonstração da incapacidade definitiva mediante a homologação, por Junta Superior de Saúde, da inspeção de saúde que concluiu pela existência da citada incapacidade."
Portanto, o ministro Flávio Dino votou por negar provimento ao recurso da União.
- Processo: RE 1.447.945
Leia o voto do relator e o voto divergência.