Juiz anula parecer de banca e professora cotista seguirá no cargo
Magistrado criticou a falta de motivação do parecer da comissão de heteroidentificação, ressaltando que a justificativa apresentada era genérica e não considerava as evidências que apoiavam a inclusão da docente nas cotas.
Da Redação
sexta-feira, 28 de março de 2025
Atualizado às 11:42
O juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª vara da Fazenda Pública de São Paulo, anulou parecer de comissão de heteroidentificação que excluiu candidata cotista de concurso público para professora de educação infantil, realizado pela prefeitura de São Paulo em 2015. O magistrado reconheceu que a docente, autodeclarada parda, foi indevidamente retirada da lista de reserva destinada às cotas raciais.
No caso, a mulher se inscreveu no concurso, concorrendo à reserva de vagas para pessoas negras ou afrodescendentes, conforme a lei municipal 15.939/13 e o decreto 54.949/14, os quais, à época, exigiam apenas a autodeclaração como critério de elegibilidade para as cotas.
Contudo, em 2022, mais de sete anos após o edital, a candidata foi convocada pela CAPPC - Comissão de Acompanhamento da Política de Cotas para procedimento de heteroidentificação nos termos do decreto 57.557/16, superveniente ao edital. Após avaliação fenotípica, a comissão entendeu que a candidata não era destinatária da política de cotas, mas sem apresentar motivação específica.
O magistrado entendeu que as provas apresentadas pela autora desqualificaram o parecer da CAPPC, uma vez "demonstrado que ostenta a parte autora diversos traços fenotípicos que permitem concluir ter sido lídima sua inscrição no certame para nele concorrer na condição de pessoa parda, o que coloca em xeque a decisão administrativa que não reconheceu a parte autora como destinatária da política pública".
O juiz ainda analisou a certidão de nascimento da professora e seu cadastro na Rede Estadual de Ensino. Em ambos os documentos, a cor apontada foi a parda. "É impossível afirmar que a autora é pessoa branca. Trata-se de fato de constatação evidente".
Também mereceu críticas do juiz o parecer emitido pelo CAPPC após o procedimento de heteroidentificação. O magistrado declarou que os relatórios apresentados foram vagos, genéricos e padronizados, o que viola o princípio da motivação dos atos administrativos.
"A expertise técnica e isonomia perdem espaço face à arbitrariedade de uma decisão sem motivação, que silencia ante relevantes elementos indicativos de que faria a parte autora jus à política pública. Não é aceitável do ponto de vista jurídico, tampouco compatível com o interesse público, o indeferimento da inscrição da parte autora, sem qualquer explicação do porquê disso no sistema de concorrência destinado aos candidatos pretos e pardos", finalizou.
Responsável pela ação, o advogado Israel Mattozo, do escritório Mattozo & Freitas, destacou a veemência com que o juiz avaliou o procedimento do CAPPC.
"O que a comissão paulistana fez é uma repetição do que vem ocorrendo em todo o Brasil por comissões de heteroidentificação de centenas de concursos. Esse comportamento autoritário precisa acabar. Não é possível seguirem reprovando candidatos, quase sempre candidatos pardos, sem motivar as decisões, sem permitir, de fato, a ampla defesa e o contraditório. Sem explicar porque estão invalidando não apenas a autoleitura racial dessas pessoas, mas seu próprio sentimento de pertencimento racial. Felizmente, a Justiça tem sido atenta a esses desmandos e agido para corrigir essas falhas", ressaltou.
- Processo: 1056646-48.2023.8.26.0053
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