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Supremo | Sessão

STF suspende análise de legalidade de revista íntima em presídio

Ministro André Mendonça pediu vista da ação.

Da Redação

quinta-feira, 27 de março de 2025

Atualizado às 15:54

Nesta quinta-feira, 27, após debates em sessão plenária, o STF voltou a suspender o julgamento sobre a legalidade da utilização de provas obtidas por meio de revista íntima em visitantes de presídios.

O relator da ação, ministro Edson Fachin, apresentou uma nova proposta de tese na tarde de hoje. Contudo, os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino fizeram sugestões para o aperfeiçoamento do enunciado, o que levou o ministro André Mendonça a pedir vista do processo.

 (Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress)

STF suspendeu julgamento da validade de provas obtidas após revista íntima em cadeia.(Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress)

Caso

O caso concreto que motivou o recurso envolve o MP/RS, que contestou decisão do Tribunal de Justiça estadual. 

O tribunal absolveu uma mulher acusada de tráfico de drogas ao entender que a prova foi obtida de forma ilícita, já que ela foi submetida à revista vexatória ao tentar entrar no Presídio Central de Porto Alegre com 96 gramas de maconha no corpo para entregar ao irmão detido.

Voto do relator

Ministro Edson Fachin, havia reiterado, em 6/2, voto proferido em plenário virtual, pela proibição da revista íntima vexatória em visitantes de presídios, considerando-a uma violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais à integridade, intimidade e honra. 

Nesta quinta-feira, 27, o ministro, ao se manifestar, fez novas observações.

Para o relator, práticas como o desnudamento forçado, agachamentos, saltos, exposição de cavidades íntimas e toques corporais sob vigilância de agentes prisionais violam diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana.

Fachin observou que a aplicação generalizada e sem critérios dessas práticas, inclusive a adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e demais visitantes cadastrados, configura "discriminação prévia dos familiares de presos", sem que haja uma justificativa legítima por parte do poder público para restringir direitos fundamentais.

Contrariando a posição do Ministério Público, o ministro afirmou que o debate não gira em torno da atribuição de um caráter absoluto à dignidade humana, mas sim do reconhecimento de que a proteção à convivência familiar de pessoas presas exige "estratégias mais adequadas nos protocolos das unidades prisionais".

Ao analisar os votos dos demais ministros, Fachin destacou que os pontos centrais da controvérsia estão na diferenciação entre revista pessoal, revista íntima e revista vexatória; na validade do consentimento do visitante submetido à revista manual; e nos efeitos processuais da declaração de ilicitude da prova obtida por meio dessas práticas.

Com base na resolução 28/22 do CNCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Fachin esclareceu que a revista pessoal inclui tanto o uso de equipamentos eletrônicos como detectores de metais e scanners corporais quanto, em casos excepcionais, a revista manual.

Esta última, porém, deve seguir critérios rígidos: o visitante deve permanecer com as roupas íntimas; a revista deve ser feita por agente do mesmo sexo; e, no caso de travestis, transexuais ou intersexuais, é assegurado o direito de escolha do gênero do agente.

A resolução também veda expressamente práticas como o desnudamento, toques íntimos, introdução de objetos nas cavidades corporais, uso de animais farejadores e exigência de agachamentos ou saltos.

Para Fachin, a adoção dessas diretrizes é essencial para que o Estado exerça seu poder de fiscalização dentro dos limites da proporcionalidade, com reforço do ônus de justificação por parte dos agentes públicos.

O ministro também citou precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos referente ao Complexo Penitenciário do Curado, em Recife, que, ao aplicar as Regras de Mandela e outras normas internacionais, reforçou a vedação a revistas humilhantes e degradantes. A Corte alertou que "a existência formal de normas não é por si só suficiente para assegurar a eliminação dessa prática", sendo necessário que as autoridades se abstenham de realizar tais revistas e promovam ações concretas para impedir sua naturalização como rotina prisional.

Ao final, propôs nova tese:

"1. Em visitas sociais nos presídios ou estabelecimentos de segregação é inadmissível a revista íntima com o desnudamento de visitantes ou a inspeção de suas cavidades corporais. A prova obtida por esse tipo de revista é ilícita, ressalvando-se as decisões proferidas e transitadas em julgado até a data deste julgamento.

2. A autoridade administrativa, de forma fundamentada e por escrito, tem o poder de não permitir a visita, diante da presença de indício robusto, de ser a pessoa visitante e portadora de qualquer item corporal oculto ou sonegado, especialmente de material proibido, como produtos ilegais, drogas ou objetos perigosos. São considerados robustos indícios embasados em elementos tangíveis e verificáveis, como informações prévias de inteligência, denúncias fundamentadas, comportamentos suspeitos detectados por sistemas de monitoramento ou até mesmo a detecção inicial por equipamentos de triagem.

3. Confere-se o prazo de 24 meses, a contar da data deste julgamento, para aquisição e instalação de equipamentos, como scanners corporais, esteiras de raio-x e portais detectores de metais em todos os estabelecimentos penais.

4. Fica determinado ao ministério da Justiça e da Segurança Pública que, por meio dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional e do Fundo Nacional de Segurança Pública, promover a aquisição ou locação e distribuição de scanners corporais para as unidades prisionais, em conformidade com sua atribuição de coordenação nacional da política penitenciária, assegurando a proteção dos servidores, a integridade dos detentos e a dignidade dos visitantes, prevenindo práticas abusivas e ilícitas, sem interferir na autonomia dos entes federativos e garantindo a aplicação uniforme das diretrizes de segurança penitenciária no país.

5. Devem os entes federados, no âmbito de suas atribuições, garantir que a aquisição ou locação de scanners corporais para as unidades prisionais esteja contemplada no respectivo planejamento administrativo e orçamento, com total prioridade na aplicação dos recursos.

6. Em regime de transição, excepcionalmente na impossibilidade de utilização do scanner corporal, esteira de raio-x, portais e detectores de metais, a revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais, diante de indícios robustos de suspeita, deverá ser motivada para cada caso específico e dependerá da plena concordância do visitante. Vedada em qualquer circunstância a execução da revista como forma de humilhação e disposição vexatória. Deve ser realizada em local adequado, exclusivo para tal verificação e apenas em pessoas maiores e que possam emitir consentimento válido, de acordo com protocolos gerais e nacionais pré-estabelecido e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicas ou médicos nas hipóteses de exames invasivos.

6.1 O excesso ou abuso da realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou do profissional de saúde habilitado e ilicitude de eventual prova obtida.

6.2 Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá, de forma fundamentada e por escrito, impedir a realização da visita. 

6.3 O procedimento de revista em criança, adolescente ou pessoa com deficiência intelectual que não possa emitir consentimento válido, será substituído pela revista invertida direcionada à pessoa a ser visitada.

6.4 Após esse período de transição, fica vedada a revista íntima com o desnudamento de visitantes ou a inspeção de suas cavidades corporais, restando somente permitida a revista pessoal, desde que não vexatória."

Divergência

Em 6/2, ministro Alexandre de Moraes havia discordado do relator, argumentando que nem toda revista íntima deve ser automaticamente considerada abusiva ou degradante. Para ele, em casos excepcionais, esse procedimento pode ser realizado, desde que haja justificativa específica e protocolos rigorosos, evitando constrangimentos.

Moraes sustentou que as provas obtidas por meio da revista não devem ser automaticamente ilícitas, devendo ser analisadas pelo juiz, caso a caso, para verificar eventuais abusos. Ressaltou que o procedimento não pode ser generalizado e deve seguir critérios, como:

  • Ser realizado por profissionais do mesmo gênero do visitante;
  • Em caso de contato físico invasivo, ser conduzido por médicos;
  • O visitante não pode ser obrigado a se submeter à revista, mas, se recusar, a administração penitenciária pode impedir a visita.
  • No caso concreto, concordou com a manutenção da decisão do TJ/RS, mas por um fundamento distinto: o interrogatório da ré ocorreu antes da oitiva das testemunhas de acusação.

Propôs a seguinte tese:

"I - Excepcionalmente, na impossibilidade da utilização de scanners corporais, esteiras de raio-x e portais detectores de metais, a revista intima para ingresso em estabelecimentos prisionais deverá ser motivada para cada caso específico, e dependerá da concordância do visitante ou da visitante.

II - Somente podendo ser realizada de acordo com protocolos pré-estabelecidos e por pessoas do mesmo gênero e, obrigatoriamente, médicos, nas hipóteses de exames invasivos.

III - O excesso ou abuso na realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público, ou do médico e ilicitude da eventual prova obtida.

IV - Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita."

No virtual

No plenário virtual, o caso já contava com cinco votos favoráveis à proibição da prática, sob o argumento de que viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à intimidade, honra e imagem.

O relator, ministro Edson Fachin, foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber (atualmente aposentada). Ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator com ressalvas.

A divergência foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, que votou pela legalidade do procedimento. Seu entendimento foi seguido pelos ministros Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli.

Com o pedido de destaque formulado por Moraes, o julgamento foi interrompido e transferido para o plenário físico, onde foi reiniciado.

Veja o placar formado no plenário virtual: