Constituição de 1824 previa ação popular contra juízes por corrupção
A primeira Constituição do Brasil completa hoje 201 anos.
Da Redação
terça-feira, 25 de março de 2025
Atualizado às 07:24
A Constituição de 1824, primeira do Brasil, completa hoje 201 anos. Outorgada por Dom Pedro I após a dissolução da Assembleia Constituinte de 1823, a Carta marcou o início do constitucionalismo brasileiro sob um modelo monárquico e centralizador. Entre os dispositivos do texto, um aspecto chama atenção até hoje por seu caráter singular: a previsão de ação popular contra magistrados e oficiais de justiça por condutas tipificadas como corrupção.
O artigo 157 da Constituição estabelecia que, nos casos de suborno, peculato, peita ou concussão, qualquer cidadão poderia propor ação popular no prazo de um ano e um dia. A norma previa também a observância do processo legal estabelecido por legislação específica.
Complementarmente, o artigo 156 previa a responsabilidade dos juízes de Direito e oficiais de justiça por abusos de poder e prevaricação no exercício de suas funções.
Previsão constitucional
O texto original da Constituição de 1824 dispõe:
Art. 156 - Todos os Juizes de Direito, e os Officiaes de Justiça são responsaveis pelos abusos de poder, e prevaricações, que commetterem no exercicio de seus Empregos; esta responsabilidade se fará effectiva por Lei regulamentar.
Art. 157 - Por suborno, peita, peculato, e concussão haverá contra elles acção popular, que poderá ser intentada dentro de anno, e dia pelo proprio queixoso, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo estabelecida na Lei.
A redação conferia legitimidade ativa a qualquer integrante do povo, independentemente de ter sido diretamente prejudicado, para acionar judicialmente juízes e oficiais de justiça por práticas ilícitas específicas. A iniciativa poderia ser tomada também pelo próprio "queixoso", ou seja, pela pessoa diretamente lesada.
Participação cidadã e responsabilização judicial
Embora a atual Constituição de 1988 também preveja a ação popular - no artigo 5º, inciso LXXIII -, seu escopo é diferente: trata da defesa do patrimônio público, do meio ambiente, da moralidade administrativa e de outros bens difusos. Já a previsão da Constituição de 1824 era direcionada à responsabilização de agentes do Judiciário por atos de corrupção funcional.
Na época, a previsão apresentava um caminho de controle social e jurídico sobre magistrados e oficiais públicos. O Judiciário ainda não era estruturado de forma independente como se conhece hoje. Os juízes eram nomeados pelo imperador e podiam acumular funções administrativas e judicantes. Ainda assim, o texto de 1824 estabeleceu parâmetros de responsabilização e mecanismos de iniciativa popular.
O prazo de "um ano e um dia" previsto no artigo 157 indicava a necessidade de atuação célere por parte do cidadão, dentro de uma janela temporal limitada para o exercício desse direito. A eficácia prática da norma dependia, contudo, de regulamentação por legislação infraconstitucional, que deveria disciplinar o rito e as condições do processo.
Legado institucional
A Constituição de 1824 teve vigência por 67 anos, até ser substituída pela Constituição Republicana de 1891. Nesse período, o Brasil passou pela abdicação de Dom Pedro I, pelo governo regencial, pelo Segundo Reinado e pela transição do Império para a República. Ao longo de sua vigência, sofreu emendas pontuais, como o Ato Adicional de 1834, mas manteve sua estrutura monárquica e a centralização do poder.
Mesmo com as limitações políticas da época, o dispositivo da ação popular contra juízes revela uma tentativa de incluir o cidadão no controle da conduta de autoridades públicas, incluindo os integrantes do Poder Judiciário. Essa previsão - rara entre as constituições da primeira metade do século XIX - antecipa discussões modernas sobre controle externo do Judiciário, transparência e participação popular.