STF reafirma competência concorrente do MP em investigações criminais
O Supremo, em plenário virtual, julgou parcialmente inconstitucional artigo de lei cuja interpretação sugeria exclusividade de delegados em investigações criminais.
Da Redação
sábado, 29 de março de 2025
Atualizado às 12:14
A condução de investigações criminais não é prerrogativa exclusiva do delegado de polícia, reafirmou o STF em julgamento em plenário virtual sobre a constitucionalidade do § 1º do art. 2º da lei 12.830/13.
O Supremo reforçou a competência concorrentes de outros órgão, como o MP, reconhecida pela Constituição. A decisão foi unânime, seguindo o voto do relator Dias Toffoli.
Entenda o caso
A ADIn foi ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o § 1º do art. 2º da lei 12.830/13. O dispositivo estabelece que cabe ao delegado de polícia, como autoridade policial, a condução de investigações criminais.
A PGR questionou a interpretação da norma, sustentando que a redação do dispositivo pode induzir ao entendimento de que apenas os delegados têm competência para investigar crimes, em afronta ao art. 129 da CF, que confere ao parquet poderes investigatórios.
Além disso, invoca tratados internacionais de direitos humanos para reforçar a ideia de que o dever de investigar é uma consequência lógica do dever estatal de proteger.
Manifestações
A Presidência da República, o Congresso Nacional e a AGU defenderam a improcedência do pedido, sustentando que o dispositivo apenas reconhece a atuação dos delegados, sem interferir na competência de outras instituições.
Segundo a AGU, "o dispositivo impugnado não comporta interpretação que prive ou impeça o Ministério Público de exercer plenamente eventuais competências que lhe tenham sido conferidas".
Entidades como a Adepol - Associação dos Delegados de Polícia do Brasil e a Fendepol - Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal foram admitidas como amici curiae e também defenderam a improcedência da ação.
Já a Fenapef - Federação Nacional dos Policiais Federais apoiou a procedência do pedido, pleiteando inclusive o reconhecimento de que todos os integrantes da carreira policial federal sejam considerados autoridades policiais.
Interpretação equivocada
Em seu voto, o relator, ministro Dias Toffoli, observou que a redação da norma, por si só, não exclui expressamente a atuação de outros órgãos. Porém reconheceu que pode gerar interpretação equivocada sobre a exclusividade da investigação criminal pelos delegados.
"Pelo que se verifica, de fato, a norma não proíbe, expressa ou implicitamente, a realização da investigação criminal pelo Ministério Público ou por outras autoridades administrativas, limitando-se a prescrever que a investigação criminal a cargo do delegado de polícia materializa-se por inquérito (ou por outro procedimento previsto em lei), cuja finalidade é a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. Possui a norma, pois, teor afirmativo-descritivo apenas."
Toffoli ainda ressaltou que a Constituição não confere exclusividade à polícia no exercício da função investigativa, destacando o art. 129, que assegura ao parquet funções como promover a ação penal pública, requisitar informações e documentos para instruir seus procedimentos, e exercer outras atribuições compatíveis com sua finalidade institucional - o que inclui a possibilidade de investigar.
Precedentes
O relator também citou precedentes relevantes, com destaque para o tema 184 do STF, em que o Supremo reconheceu que o MP pode conduzir investigações penais por autoridade própria. O relator citou, ainda, julgamentos mais recentes, como os das ADIns 2.943, 3.309 e 3.318, nos quais se reafirmou que a atividade investigativa não é monopólio da polícia.
Por fim, frisou que, conforme reiterado em julgamentos recentes do STF, a exclusividade da Polícia Civil limita-se à função de polícia judiciária, e não se estende à totalidade da atividade investigativa criminal, que pode ser exercida de forma concorrente por outros órgãos, como o MP.
"Isso significa que a Polícia Civil não detém exclusividade sobre as investigações criminais, mas tão somente sobre a condução do inquérito policial, havendo outros órgãos e entidades dotados de poderes investigatórios, pela lei ou pela Constituição, como é o caso das comissões parlamentares de inquérito e do Ministério Público. "
Competência concorrente
Toffoli reforçou que a investigação criminal não está restrita às polícias civis e federal, sendo também prerrogativa de outros entes públicos, desde que legalmente autorizados, como o caso das CPIs.
"Ou seja, a CPI faz a investigação e, concluindo haver indícios de alguma infração penal, encaminha ao MP, órgão incumbido de promover a responsabilização penal dos infratores perante o Poder Judiciário. Essa atividade é de todo análoga à atividade policial de investigação."
O ministro também mencionou exemplos de órgãos administrativos com funções investigativas - como Receita Federal, COAF, Banco Central, CVM e TCU - e lembra que o CPP prevê, no parágrafo único do art. 4º, que a competência da polícia judiciária não exclui a de outras autoridades administrativas autorizadas por lei.
"Portanto, segundo a jurisprudência do STF, a atividade de investigação criminal não é exclusiva ou privativa da polícia, sob direção dos delegados de polícia, tendo em vista (i) a ausência de norma constitucional que estabeleça essa exclusividade; (ii) a atribuição expressa de competências investigativas às comissões parlamentares de inquérito e (iii) a atribuição de competências investigativas ao Ministério Público."
Assim, por unanimidade, o STF declarou a inconstitucionalidade parcial da norma, sem redução de texto, para afastar qualquer interpretação que atribua exclusividade ao delegado de polícia na condução de investigações criminais.
- Processo: ADIn 5.043