STJ anula condenação de tráfico devido a confissão sob coação policial
A 6ª turma ressaltou a ilegalidade da violência policial e que provas obtidas de forma irregular não podem ser utilizadas para embasar condenações.
Da Redação
quinta-feira, 20 de março de 2025
Atualizado às 18:19
A 6ª turma do STJ, por unanimidade, anulou condenação por tráfico de drogas devido à ilicitude da prova obtida pela polícia, que coagiu o acusado a confissar o crime. O relator, ministro Rogerio Schietti, verificou a filmagem gravada pelos policiais, evidenciando a vulnerabilidade do acusado no momento da confissão, e laudo que constatou fratura no dedo do réu.
Segundo o ministro, "a verdade não pode servir a legitimar uma perigosa subcultura da ilegalidade na investigação policial e judicial. Tal limite ético à busca da verdade é essencial à preservação da integridade e legitimidade da atuação estatal. A verdade importa, mas não a qualquer custo".
O caso
O acusado foi abordado pela polícia na rua, e nada foi encontrado com ele. No entanto, os agentes alegaram que ele confessou, espontaneamente, possuir drogas na residência da namorada. Com base nessa suposta confissão, os policiais foram ao local, apreenderam os entorpecentes, e ele foi condenado.
Diande disso, a defesa impetrou habeas corpus alegando ilicitude das provas, sustentando que a confissão foi obtida mediante violência policial.
Prova questionável
Em seu voto, o relator, ministro Rogerio Schietti asseverou que "cabe ao Estado o ônus de provar que atuou dentro dos contornos da legalidade", e questionou a seletividade da gravação feita pela polícia, que registrou apenas a confissão e não os momentos anteriores.
"Se houve, por parte da polícia, a preocupação de registrar por vídeo essa confissão, por que não houve idêntica preocupação em se registrar já a abordagem, o momento em que os policiais chegam até o rapaz, de registrar também o ingresso domiciliar mediante uma suposta autorização do morador e ainda registrar o encontro das drogas na residência."
O relator também criticou a aceitação irrestrita da confissão pelo juiz de 1ª instância, mesmo sem demais indícios materiais prévios. Ressaltou que a decisão judicial presumiu, sem analisar corretamente as filmagens apresentadas, que o acusado, sem pressão ou constrangimento, teria conduzido voluntariamente os policiais até a droga, "num gesto de extremo desprendimento e colaboração com o Estado".
"O que as imagens que foram gravadas pela própria Polícia Militar dão conta é de uma cena, no mínimo, duvidosa, que exibe um cidadão em situação de vulnerabilidade, porque estava detido ali pelos policiais, armados, evidentemente, em local escuro, um ambiente, portanto, que não é o adequado para se obter uma confissão livre e voluntária."
Para Schietti, a confissão obtida nessas circunstâncias é ilícita, assim como as provas derivadas dela. Além disso, considerou o laudo que comprovou lesão no dedo do réu, e a declaração de que foi torturado para confessar o crime.
Estado de direito
Nesse sentido, o ministro reforçou que o local adequado para confissão é diante de juiz ou, no mínimo, perante autoridade policial, em auto de prisão em flagrante ou depoimento formal na delegacia.
Além disso, reforçou que "as instituições responsáveis pela segurança pública, especialmente as polícias, o Ministério Público e o próprio Judiciário, quando julgam essas causas penais, redobrem seus esforços para que sejam produzidas provas inquestionáveis ou provas que permitam condenar culpados e não submeter a risco de condenação inocentes ou a ultrapassar regras éticas que consagram direitos de todos, inclusive daqueles que violam a lei".
Assim, concluiu afirmando que ações como as ocorrida no caso em análise contradizem o Estado de Direito, e que: "a verdade não pode servir a legitimar uma perigosa subcultura da ilegalidade na investigação policial e judicial. Tal limite ético à busca da verdade é essencial à preservação da integridade e legitimidade da atuação estatal. A verdade importa, mas não a qualquer custo."
Violência policial
O ministro Og Fernandes acompanhou o voto do relator e criticou a violência policial, observando que o "Estado é tão forte, mas tão forte, na sua relação com o cidadão na área penal, que ele não precisa usar de violência para exercer seu uso, exceto, obviamente, nos casos em que há legítima defesa própria ou de terceiro, salvaguarda da vida própria, sua ou de outra".
O ministro ainda destacou a crise do sistema penitenciário brasileiro e a necessidade de se garantir a dignidade humana no processo penal.
"Nós temos duas grandes crises a enfrentar na área de segurança pública, ao meu ver. A primeira é a contenção de uma violência inexigível no combate à criminalidade. A outra é a grande crise brasileira do sistema penitenciário, que não é de hoje, é de sempre, que gerou a manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o estado de coisas inconstitucional que é o sistema penitenciário brasileiro. E nós não pudemos aqui, enquanto juízes, magistrados, ministros, desembargadores, deixar de considerar situações desse porte como lamentável."
Repetir o óbvio
O ministro Sebastião Reis também expressou preocupação com a frequência de casos semelhantes no STJ, e que é "assustador" que a Corte precise reiterar o óbvio: o que é ilegal e abusivo não deve ser tolerado.
Destacou que, no caso, "teve a atuação policial, teve o endosso do Ministério Público, teve o endosso do juiz e teve o endosso do Tribunal de Justiça. Então, eu acho que isso é assustador. Ou seja, é o Superior Tribunal de Justiça ter que debruçar sobre esse tipo de coisa flagrantemente abusiva e ilegal, sendo que não é uma questão nova".
S.Exa., por fim, criticou a falta de controle na utilização de gravações feitas pela polícia, sugerindo que todos os inquéritos deveriam ser acompanhados de vídeos completos das diligências, evitando a manipulação seletiva das provas.
Assim, por unanimidade, o STJ concedeu habeas corpus, absolvendo o réu, tendo em vista a ilegalidade da provas para sua condenação.
- Processo: HC 915.025