Fábio Medina Osório aborda Direito Administrativo Sancionador e seus desafios
"O país tem o potencial de se tornar um polo global no estudo do Direito Administrativo Sancionador, desde que mantenha sua doutrina alinhada com os princípios do Estado Democrático de Direito."
Da Redação
segunda-feira, 17 de março de 2025
Atualizado às 22:09
A evolução do Direito Administrativo Sancionador no Brasil foi tema de entrevista concedida pelo advogado Fábio Medina Osório ao Migalhas.
O ex-AGU abordou sua visão sobre os desafios contemporâneos da área, como a regulamentação das redes sociais e o protagonismo do STF no cenário político. Falou, também, sobre a influência da tecnologia e a importância da segurança jurídica.
Além disso, comenta como esses aspectos aparecem na recém-lançada 10ª edição de sua obra Direito Administrativo Sancionador.
Confira a entrevista na íntegra:
Migalhas: O que a nova edição de sua obra traz de relevante para o Direito brasileiro?
Fábio Medina Osório: A 10ª edição celebra 25 anos da obra, pioneira ao consolidar o Direito Administrativo Sancionador no Brasil. Foram incluídas novas teorias, como a proibição do retrocesso na tutela de direitos fundamentais e a responsabilidade da pessoa jurídica, além de aprofundar a relação entre Direito Administrativo e Penal. Também há uma análise mais detalhada sobre a aplicação da responsabilidade objetiva, que se conecta ao Direito Administrativo Sancionador no contexto dos atos golpistas de 8 de janeiro. Além disso, o livro trata da teoria da sanção, seu histórico e desenvolvimento, bem como do conceito material de sanção administrativa e do devido processo legal, considerando a jurisprudência da Suprema Corte americana. Ou seja, a obra foi significativamente aprimorada, com novas vertentes teóricas exploradas a partir de recentes jurisprudências e doutrinas.
Migalhas: Como essa disciplina se relaciona com outras áreas do Direito?
Fábio Medina Osório: O Direito Administrativo Sancionador abrange setores como ambiental, tributário, mercado financeiro e consumidores. Também se aplica à improbidade administrativa e à lei anticorrupção, permitindo que sanções sejam impostas tanto pela Administração quanto pelo Judiciário.
Sua importância tem levado universidades a considerarem sua inclusão nos cursos de Direito, e a OAB já reconheceu sua relevância ao criar a Comissão Nacional Especial de Direito Administrativo Sancionador, que presidi por dois mandatos.
Migalhas: Quais são os principais desafios atuais do Direito Administrativo Sancionador?
Fábio Medina Osório: A tecnologia acelerou a produção normativa, tornando essencial equilibrar segurança jurídica e pragmatismo. O Direito precisa incorporar novas abordagens interpretativas, como o consequencialismo jurídico, sem comprometer a previsibilidade das decisões e a liberdade acadêmica.
Minha obra reflete essa preocupação, ao analisar a jurisprudência do STF e a influência política do Judiciário, bem como os desafios da liberdade de crítica no meio acadêmico brasileiro.
Migalhas: Como o Brasil tem lidado com a regulamentação das redes sociais?
Fábio Medina Osório: O Marco Civil da Internet não cobre todas as lacunas, e decisões judiciais acabam suprindo esse vácuo. Nas últimas eleições, restrições à liberdade de expressão foram aplicadas sem base legal clara, comprometendo a transparência democrática. É necessário um consenso regulatório equilibrado para garantir segurança jurídica e proteção da liberdade de expressão.
O problema não é apenas o conteúdo das opiniões, mas a definição arbitrária do que pode ou não ser debatido. Essa censura excessiva pode gerar um efeito contrário, incentivando desconfiança nas instituições. O protagonismo político do STF se intensificou, ampliando sua influência sobre o processo eleitoral e a definição dos limites da liberdade de expressão. Essa atuação pode comprometer o equilíbrio entre os Poderes e precisa ser debatida com mais profundidade.
O Brasil precisa encontrar um consenso suprapartidário para regular as redes sociais de forma clara e transparente, protegendo tanto a liberdade de expressão quanto a segurança jurídica. Afinal, precedentes criados hoje podem ter consequências imprevisíveis no futuro.
Migalhas: Como avalia o protagonismo do STF no cenário político?
Fábio Medina Osório: O STF ampliou sua influência na política e no processo eleitoral, fenômeno consolidado desde a Lava Jato.
Um exemplo marcante foi a inelegibilidade do ex-presidente Lula. Não foi o então juiz Sergio Moro quem o retirou da disputa eleitoral, mas sim o STF. Da mesma forma, nas eleições seguintes, Bolsonaro não enfrentou uma fraude eleitoral, mas sim um ambiente jurídico em que o candidato Lula contou com uma assessoria jurídica mais eficiente e com um cenário institucional mais favorável.
O Judiciário tem atuado de maneira cada vez mais ativa na regulação da política e da liberdade de expressão, muitas vezes por meio de normas infralegais, sem o devido respaldo constitucional. Essa postura pode gerar desequilíbrios entre os Poderes e comprometer a segurança jurídica. É importante que a classe política perceba a necessidade de um reequilíbrio institucional.
Migalhas: O conceito de fake news tem sido amplamente debatido. Como vê essa questão?
Fábio Medina Osório: A falta de precisão jurídica no conceito de fake news tem levado a restrições à liberdade de expressão.
Recentemente, a PGR apresentou uma denúncia que envolve acusações relacionadas a fake news e ataques ao sistema eleitoral. O procurador-Geral da República, Paulo Gonet, é um constitucionalista de grande reputação, mas a denúncia levanta questões importantes sobre os limites da repressão ao discurso público.
A Lei dos Crimes Contra o Estado Democrático de Direito, utilizada como fundamento para algumas dessas acusações, foi aprovada durante o governo Bolsonaro. Isso demonstra que a regulação da liberdade de expressão deve ser pensada de forma cuidadosa, pois normas genéricas podem ser aplicadas de maneira imprecisa e acabar comprometendo garantias fundamentais.
Sempre defendi a segurança das urnas eletrônicas, mas quando se cria um ambiente de censura e de falta de transparência sobre determinados temas, a população tende a desconfiar ainda mais das instituições. A solução não está na repressão indiscriminada ao discurso, mas sim no fortalecimento da transparência e no estímulo ao debate público responsável.
Migalhas: Qual o futuro do Direito Administrativo Sancionador?
Fábio Medina Osório: O caminho ideal é um modelo garantista. O Direito Administrativo Sancionador não pode ser um espaço para abusos do poder punitivo do Estado. Ele deve respeitar os princípios penais e processuais, garantindo previsibilidade e segurança jurídica.
A disciplina tem crescido a ponto de se tornar uma área autônoma nos cursos de Direito. O Instituto Brasileiro de Direito Administrativo Sancionador, do qual participamos, tem desempenhado um papel fundamental nessa consolidação, promovendo debates acadêmicos e impulsionando a evolução desse campo no Brasil.
O país tem o potencial de se tornar um polo global no estudo do Direito Administrativo Sancionador, desde que mantenha sua doutrina alinhada com os princípios do Estado Democrático de Direito.