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Anistia

TRF-3 nega anistia a agente da ditadura acusado de ocultação de cadáver

Tribunal acolheu argumento do MPF, segundo o qual a natureza permanente do crime impede que ele seja alcançado pela lei que concedeu o perdão.

Da Redação

domingo, 2 de março de 2025

Atualizado em 3 de março de 2025 08:37

O TRF da 3ª região decidiu que o ex-médico legista José Manella Netto deve continuar respondendo à denúncia do MPF por ocultação de cadáver. Decisão é da 4ª seção que, por maioria de votos, deu parcial provimento a embargos infringentes.

O colegiado concluiu que o crime narrado na denúncia, por sua natureza permanente, teve início em 1969 e continuou em curso posteriormente, não prescreveu e está fora do espectro da lei da anistia.  

"O crime de ocultação de cadáver narrado na denúncia, por sua natureza permanente, teve início em 1969; eclodiu por motivos político-ideológicos; foi praticado por grupos armados, civis e militares, que agiram em afronta à ordem constitucional então em vigor; está fora do alcance da Lei de Anistia, pois o crime continuou sendo praticado a partir de 1979; ainda em curso o referido delito, já sob a égide da Constituição de 1988. O crime de ocultação de cadáver, descrito na acusatória, não prescreveu e também está fora do espectro temporal da Lei de Anistia."

 (Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil.)

TRF-3 afasta anistia a ex-médico acusado de ocultação de cadáver durante a ditadura.(Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil.)

Integrante IML de São Paulo durante a ditadura militar, o ex-médico é acusado de forjar o laudo necroscópico do militante político Carlos Roberto Zanirato, omitindo que a vítima havia sido submetida a intensas sessões de tortura e a sua real identidade, o que contribuiu para a ocultação do cadáver da vítima, cujos restos mortais nunca mais foram encontrados.

Zanirato morreu em 29 de junho de 1969, quando estava sob custódia de agentes da repressão e foi empurrado contra um ônibus que trafegava na Avenida Celso Garcia, na zona leste da capital paulista. O laudo de Manella Netto, assinado em conjunto com o médico já falecido Orlando Brandão, corrobora a versão oficial de que o militante cometera suicídio ao saltar na frente do veículo.

Mas, segundo o MPF, o documento oculta uma série de lesões que não poderiam ter sido causadas pelo impacto, mas por agressões anteriores. Embora ainda estivesse com as algemas partidas nos punhos e seu nome completo constasse da requisição de exame, Zanirato foi considerado um "desconhecido" no relatório do IML e posteriormente enterrado como indigente, assim como diversos outros opositores do regime militar ao longo da ditadura.

Crime permanente

Em sua manifestação junto ao TRF-3, o MPF apontou que permanece "até o presente momento a violação do bem jurídico (sentimento de respeito aos mortos) provocada pela prática criminosa de ocultação de cadáver". Nesse sentido, a manifestação destaca que a consumação da violação "encontra-se prolongada no tempo, projetando-se até a atualidade". Com isso, o crime não seria alcançado pelos efeitos da lei da anistia (6.683/79), já que a conduta criminosa se estende para além das datas de seu alcance e continua até mesmo sob a égide da nova Constituição de 1988.

Em julgamento ocorrido no dia 21 de fevereiro, o Tribunal, acolhendo esse entendimento, apontou que o processo contra o ex-médico legista não viola a decisão do STF na ADPF 153, que considerou constitucional a lei da anistia. Isso porque, segundo o TRF, o crime de ocultação de cadáver só prescreve oito anos após a localização do corpo, o que não ocorreu até hoje. O Tribunal aponta, ainda, que nem mesmo a retificação do assento de óbito da vítima consegue fazer cessar a permanência do crime de ocultação.

Palavra do STF

O debate sobre a aplicação da lei de anistia será dirimido pelo STF. Em fevereiro, os ministros reconheceram repercussão geral e questão constitucional sobre o tema.

Ao manifestar-se pela repercussão geral, o relator do ARE 1.501.674, ministro Flávio Dino, enfatizou que a ocultação de cadáver continua acontecendo enquanto o paradeiro da vítima permanece desconhecido. "A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante."

O caso Zanirato

Zanirato era soldado em 1969, quando abandonou o Exército para integrar a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Após ser capturado pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, ele foi o primeiro militante sob custódia do Deops/SP - Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo a desaparecer.

Preso no dia 23 de junho, Zanirato sofreu torturas nos seis dias seguintes, até ser levado ao local onde teria um encontro com outro membro da VPR e acabou lançado contra o ônibus. Não houve perícia sobre o atropelamento nem fotos da ocorrência. Sequer um inquérito policial foi instaurado, como era obrigatório em casos como aquele.

Para o MPF, a entrada no IML com o nome verdadeiro e a saída como 'desconhecido' é prova incontestável de que houve conivência do denunciado, a fim de ocultar as marcas de tortura sofridas pela vítima, bem como a sua verdadeira identidade. "As marcas de tortura eram o motivo pelo qual os militares não queriam que o corpo fosse visto pelos familiares", afirmou o MPF na denúncia.

Manella Netto chegou a ter o exercício profissional cassado após responder a um processo disciplinar no Conselho Regional de Medicina de São Paulo, em 1994. Ao longo do procedimento, o ex-médico admitiu que o atropelamento não poderia ser apontado como a causa de alguns ferimentos presentes no corpo de Zanirato e reconheceu que a vítima apresentava sinais de agressões sofridas antes do choque com o veículo.

O IML de São Paulo foi um dos órgãos que mais colaboraram com a repressão para dissimular as circunstâncias em que os opositores ao regime eram exterminados. O MPF ressalta que não cabe prescrição nem anistia à conduta de Manella Netto, uma vez que o crime foi cometido em um contexto de ataque sistemático e generalizado do Estado brasileiro contra a população. E mesmo que a prescrição fosse cabível neste caso, a contagem do prazo sequer teria começado e só passaria a correr a partir do momento em que se encerrasse a ocultação do cadáver, um crime que permanece em prática até hoje e perdurará enquanto o corpo de Zanirato não for localizado.

Leia o acórdão.

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