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Sessão | STF

STF: Ministros divergem quanto a ônus da prova em terceirização pública

No caso concreto, Estado de SP contesta decisão do TST que impôs responsabilidade subsidiária sobre dívida trabalhista.

Da Redação

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Atualizado às 21:23

Em sessão plenária nesta quarta-feira, 12, STF voltou a analisar a quem cabe o ônus da prova quanto a eventuais falhas na fiscalização das obrigações trabalhistas em terceirizações públicas - se à administração pública contratante ou ao empregado terceirizado (tema 1.118).

O julgamento teve início no plenário virtual, mas foi interrompido após pedido de destaque do ministro Edson Fachin, sendo retomado, nesta tarde, no plenário físico.

Na sessão, o relator, ministro Nunes Marques, votou no sentido de que cabe ao empregado comprovar a ausência de fiscalização. S. Exa. foi acompanhada pelos ministros Luís Roberto Barroso e Flávio Dino - que, além de concordar com o entendimento, sugeriu aprimoramentos na tese - e pela ministra Cármen Lúcia.

Por outro lado, ministro Edson Fachin abriu divergência, defendendo que o ônus da prova deve recair sobre a administração pública.

Ministro Luiz Fux está impedido de participar do julgamento.

Devido ao avançado da hora, a sessão foi suspensa e a análise do caso será retomada na quinta-feira, 13.

Caso

O Estado de São Paulo argumenta que a condenação do poder público sem a devida comprovação, baseada unicamente em presunção, contraria entendimentos do STF e representa declaração implícita de inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da lei de licitações.  

No recurso, o Estado sustenta que a interpretação adotada pelo TST tem gerado impacto financeiro aos cofres públicos, mesmo sem a comprovação de qualquer conduta culposa do ente na fiscalização dos contratos de prestação de serviços.  

Além disso, defende que, por exigir um processo licitatório, a contratação pública afasta qualquer presunção de responsabilidade por culpa na escolha da empresa contratada.  

Por fim, ressalta que as decisões das instâncias ordinárias não identificam, de forma concreta, qualquer conduta específica de agente da administração que possa ser caracterizada como culposa.

Estado

O procurador do Estado de São Paulo, Celso Alves de Resende Junior criticou decisões recentes da Justiça do Trabalho que, segundo ele, contrariam entendimentos vinculantes do STF.

Sustentou que, ao transferir automaticamente a responsabilidade ao ente público, a Justiça do Trabalho estabelece presunção de culpa sem respaldo legal ou jurisprudencial.

Afirmou que não cabe ao ente público provar a inexistência de circunstâncias que, pela ordem jurídica, já possuem presunções de existência e veracidade.

Se, hipoteticamente, a administração pública agir de forma negligente, caberia, portanto, ao autor da ação trabalhista comprovar essa omissão de maneira efetiva.

Salientou que a administração pública não pode ser penalizada de forma indiscriminada, sem prova concreta da falha na fiscalização, produzida por quem de direito, e sem base legal para a inversão do ônus da prova.

O procurador sugeriu a seguinte tese para nortear o entendimento do tema:

"É ônus do reclamante comprovar a falha da administração na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas pelas empresas contratadas, bem como o nexo causal entre a falha apontada e o inadimplemento de seus direitos, pressupostos inarredáveis para que se autorize a excepcional condenação subsidiária da administração ao pagamento das referidas obrigações."

Amicus curiae

O advogado Felipe Gomes da Silva Vasconcellos, da banca LBS Advogadas e Advogados, ao representar a ABRAT - Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista argumentou que a falta de pagamento de verbas rescisórias a trabalhadores terceirizados configura uma violação sistemática de Direitos Humanos, em desacordo com precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A entidade sustenta que a responsabilidade do Estado é positiva, cabendo-lhe garantir o cumprimento das obrigações trabalhistas das empresas contratadas.

Como referência, citou o caso Ximenes Lopes x Brasil, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no qual se reconheceu que, ainda que seja possível delegar serviços públicos, a titularidade permanece com o Estado, que deve fiscalizar para assegurar o respeito aos direitos humanos.

Em 2021, a Corte Interamericana reafirmou a responsabilidade dos Estados na fiscalização e controle das atividades empresariais, incluindo multinacionais, sob pena de violação ao direito a condições justas e equitativas de trabalho.

A ABRAT propôs a seguinte tese:

"É ônus da administração pública comprovar a boa escolha e fiscalização dos contratos que realiza em todas as etapas de execução, inclusive em relação às verbas rescisórias."

Voto do relator

O relator, ministro Nunes Marques, no plenário virtual, havia dado provimento ao recurso para afastar a responsabilidade da Administração Pública.

Nesta tarde, o ministro reafirmou seu posicionamento de que a responsabilização da administração pública por encargos trabalhistas de empresas terceirizadas deve estar fundamentada em provas concretas.

Para o relator, atos administrativos são presumidamente legítimos e só podem ser questionados mediante comprovação idônea de irregularidade.

"A presunção de conformidade ao direito dos atos da administração pública redunda no ônus do interessado em provar atuação culposa para responsabilização subsidiária", afirmou.

Para Nunes Marques, a administração deve cumprir seu papel fiscalizador, mas cabe ao autor da ação demonstrar falhas efetivas nesse processo.

O ministro ressaltou que a responsabilização subsidiária do ente público exige "objetiva e cabal comprovação de que ele deixou de observar normas referentes à validade do contrato firmado ou descumpriu o dever de fiscalizar sua execução".

Além disso, destacou que a imputação dessa responsabilidade depende da "prova taxativa do nexo de causalidade entre a conduta daquele e o dano sofrido pelo trabalhador".

Reforçou que a responsabilização subsidiária da administração pública deve ser excepcional e não pode se basear em mera presunção.

"Descabe transferir para a administração pública, por presunção de culpa, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos trabalhistas, fiscais e previdenciários devidos a empregado em empresa terceirizada", pontuou.

Por fim, o ministro afirmou que a inversão do ônus da prova para atribuir responsabilidade ao ente público é inadmissível. Para S. Exa., a responsabilização só se justifica quando houver "prova inequívoca de conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos, de modo que é imprescindível comprovar tanto o conhecimento da situação de ilegalidade como a inércia em adotar providência para saná-la".

Ao final, sugeriu a seguinte tese:

"1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ele invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público.

2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, notadamente o pagamento, enviada pelo trabalhador, sindicato, ministério do Trabalho, ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo.

3. Constitui responsabilidade da administração pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º da lei 6.019/74

4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da lei  6.019/74; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da lei 14.133/21, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior."

Ainda, que as questões previdenciárias que não são objeto do julgamento serão regidas pela legislação própria.

Veja trecho do voto:

Ressalvas acolhidas

Ministro Nunes Marques também acolheu, na tese reafirmada durante a sessão presencial, sugestões apresentadas pelo ministro Flávio Dino.

Ao seguir o relator, Dino propôs exclusão de termo para evitar que a tese limite a notificação apenas ao não pagamento de salários, permitindo que qualquer descumprimento trabalhista, como questões previdenciárias e FGTS, seja comunicado.

Ademais, quanto à legitimidade para notificação, enquanto o relator restringia essa prerrogativa ao MPT, Dino defendeu que o MP como um todo, incluindo o estadual, também pudesse notificar a administração pública, considerando sua capilaridade e a possibilidade de envolvimento de questões como improbidade administrativa.

Dino sugeriu também que a tese reconheça expressamente a responsabilidade do poder público pelo cumprimento das normas de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores terceirizados.

Citou o art. 5º-A, § 3º, da lei 6.019/74, com redação dada pela reforma trabalhista de 2017, que estabelece essa obrigação para o tomador do serviço. "Se houver algum dano ao trabalhador derivado do inadimplemento de obrigações concernentes à segurança, higiene e salubridade, a responsabilidade é do tomador do serviço, é do contratante e não do contratado", afirmou.

Ainda, propôs que fosse destacado o dever da administração pública de garantir o adimplemento das obrigações previdenciárias, nos termos do art. 31 da lei 8.212/91.

Ao fim,  sugeriu substituir o uso do termo "parte autora", tornando a redação mais abrangente e recomendou a exclusão da palavra "fundamentada" na hipótese de denúncia, argumentando que tal exigência poderia dificultar a formalização por parte de pessoa hipossuficiente, especialmente em casos de reclamações apresentadas por meio da ouvidoria.

Hipertrofia da terceirização

Ao votar, ministro Edson Fachin inaugurou divergência. Para S. Exa., o ônus da prova quanto à fiscalização dos contratos de trabalho de empregados terceirizados recai sobre a administração pública. 

O ministro reforçou o devido caráter protetivo da Justiça do Trabalho de impedir que os trabalhadores sejam responsabilizados pela comprovação da fiscalização.

De acordo com o entendimento manifestado, a administração pública, ao terceirizar o serviço, busca também transferir o encargo de provar sua própria fiscalização. "É a hipertrofia superlativada da terceirização", destacou Fachin, enfatizando que exigir tal prova dos trabalhadores é desconsiderar sua impossibilidade de satisfazer esse encargo.

Ressaltou que, sempre que a Justiça do Trabalho reconhecer que o tomador do serviço não se desvinculou desse dever probatório, mantém-se a condenação subsidiária. "É sim dever do ente tomador de serviço provar que fiscalizou. Se não o fizer, responde", pontuou.

Assim, para Fachin, se a Justiça do Trabalho, especializada no tema, concluiu que há culpa do ente público por falta de fiscalização, a administração pública deve ser responsabilizada pelos débitos trabalhistas.

Veja trecho do voto:

Ao final, votou por negar provimento ao recurso e sugeriu a seguinte tese:

"É da administração publica o ônus de comprovar que se desincumbiu de todas as medidas legais exigidas para fim de se eximir da responsabilidade por ter faltado com o dever de bem contratar e de bem fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa prestadora de serviços contratada."

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Escritório de advocacia Empresarial, Flávia Thaís De Genaro Sociedade Individual de Advocacia atua nas áreas Civil, Tributária e Trabalhista. Presta consultoria em diversos segmentos da Legislação Brasileira, tais como: Escrita Fiscal, Processo Civil e Alterações do Novo Código de 2002, Falências,...