STF julgará se lei da anistia vale para ocultação de cadáver
Maioria dos ministros reconheceu repercussão geral no julgamento. Relator, Flávio Dino, citou filme "Ainda estou aqui" em seu voto.
Da Redação
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
Atualizado às 09:31
A maioria dos ministros do STF entende que a Corte deve analisar se é constitucional a aplicação da lei de anistia (lei 6.683/79) a crimes permanentes, como o de ocultação de cadáver (Tema 1.369).
O objeto da discussão é a possibilidade, ou não, de reconhecimento de anistia a crime de ocultação de cadáver, cujo início da execução ocorreu antes da vigência da lei da anistia, mas continuou de modo ininterrupto a ser executado após a sua vigência, à luz da EC 26/85 e da lei 6.683/79.
O relator, ministro Flávio Dino, ressaltou que o tema exige atenção por sua complexidade jurídica e relevância histórica, e propôs que seja tratado sob a sistemática de repercussão geral.
Os ministros, agora, analisam em plenário virtual, se há constitucional e repercussão geral no recurso.
Até o momento, Fux, Barroso, Cármen Lúcia, Moraes e Fachin acompanharam Dino pela análise do tema.
A discussão envolve denúncia apresentada em 2015 pelo MPF contra os militares do Exército Lício Augusto Ribeiro Maciel e Sebastião Curió Rodrigues de Moura (morto) pelas acusações de ocultação de cadáver e homicídio cometidos na Guerrilha do Araguaia.
Na 1ª instância, a denúncia do MPF foi rejeitada com base na lei da anistia. O TRF da 1ª região manteve a decisão, levando o caso ao STF.
Crime permanente
Ao manifestar-se pela repercussão geral, ministro Dino enfatizou que a ocultação de cadáver, por exemplo, continua acontecendo enquanto o paradeiro da vítima permanece desconhecido. "A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante."
A lei da anistia, promulgada em 1979, concedeu perdão a crimes políticos e conexos ocorridos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. O relator esclareceu que a proposta não revisa a decisão do STF na ADPF 153, que reconheceu a constitucionalidade da lei da anistia. A questão que se coloca agora é se delitos como a ocultação de cadáver, que se prolongam após 1979, podem ser punidos.
Dino detalhou que, por ser um crime permanente, a ocultação de cadáver tem sua ação prolongada no tempo."A aplicação da lei de anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à lei da anistia."
Para ilustrar o impacto humano desse tipo de crime, Dino mencionou o filme "Ainda Estou Aqui", inspirado no livro de Marcelo Rubens Paiva, que relata o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva.
"A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos."
- Processo: ARE 1.501.674