STJ julga se banco responde por golpe do motoboy em vítima com câncer
Ministros discutem hipervulnerabilidade de consumidora e segurança bancária perante fraudes.
Da Redação
sexta-feira, 31 de janeiro de 2025
Atualizado às 18:02
Em sessão de julgamentos, ministros da 3ª turma do STJ divergiram a respeito da responsabilidade objetiva de banco perante golpe aplicado em cliente e a hipervulnerabilidade da consumidora durante tratamento contra o câncer. Com o impasse, o caso será decidido pelo ministro Antônio Carlos Ferreira.
No caso, o golpista, passando-se por funcionário do banco, chegou à residência da vítima de moto. Ele a induziu a baixar o aplicativo "AnyDesk", o qual conferiu acesso remoto ao celular da vítima. Depois, pediu a senha do banco para concluir o golpe.
A consumidora ajuizou ação contra o banco bucando ressarcimento dos prejuízos. No entanto, o TJ/MG afastou a responsabilidade da instituição financeira, o que motivou a interposição de REsp no STJ.
Voto da relatora
A relatora, ministra Nancy Andrighi, votou pelo provimento do recurso.
A ministra reconheceu a hipervulnerabilidade da vítima, que estava em tratamento contra o câncer, tendo iniciado a quimioterapia poucos dias antes do ocorrido.
Durante a sessão, argumentou não ser possível excluir a responsabilidade do banco, "mesmo se tratando de fraude perpetrada por terceiro, por causa do estado de hipervulnerabilidade da consumidora, acometida de grave doença". Além disso, considerou que houve falha de segurança bancária, atraindo responsabilização objetiva do banco, conforme súmula 479 e tema 466 do STJ.
Divergência
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva divergiu, entendendo que não houve vazamentos de dados que pudessem configurar o fortuito interno do banco. Reforçou que o golpista não tinha os dados cadastrais da cliente, valendo-se da boa-fé da vítima para aplicar o golpe.
Com relação à vulnerabilidade da consumidora, o ministro argumentou que "embora a cliente estivesse enfrentando câncer, tal estado não é suficiente para comprometer sua capacidade para os atos da vida civil", ou que "possa ser considerado de modo a mitigar sua responsabilidade pelo compartilhamento de dados bancários sigilosos".
Nesse sentido, pontuou que a culpa do consumidor somente pode ser relevada quando se trata de comprovado estado hipervulnerável, mediante previsão legal, como no caso do estatuto do idoso.
Sensibilidade
Nancy discordou de Cueva, dizendo que o "golpe do moto somente funciona por haver vazamento dos dados dos clientes", apontando para o comércio ilegal de dados que deveriam sigilosos. Segundo a ministra, "é irrelevante que o cartão da vítima tenha sido entregue, e senha tenha sido informada pela vítima, pois o banco já falhou antes disso", e acrescentou que é razoável presumir a diminuição da capacidade cognitiva vítima, reforçando que "só quem faz quimioterapia sabe o que ela gera".
Ainda ressaltou que a 3ª turma "tem demonstrado sensibilidade diante desses casos", citando o precedente "Cogumelo do Sol", em que o Cueva havia reconhecido a hipervulnerabilidade de consumidores decorrente da ligação próxima ao enfermo, "ou seja, uma situação ainda mais difícil", segunda a ministra. O ministro rebateu dizendo que, nesse caso, a razão de decidir era outra.
Segurança bancária
Os ministros concordaram que a vulnerabilidade do consumidor e a segurança bancária são questões importantes, especialmente diante do surgimento constante de novas modalidades de golpes e que os alertas das instituições financeiras "nem sempre são suficientes para que os clientes tenham a devida cautela", conforme destacou Cueva.
Nancy, por fim, asseverou que o Judiciário precisa proteger o consumidor inclusive para que haja um "incentivo aos bancos para melhorarem seu sistema de segurança".
Empate
Ministro Humberto Martins acompanhou o voto de Nancy, e o ministro Moura Ribeiro, que havia pedido vista, acompanhou a divergência de Cueva.
Com o empate, o caso depende do voto do ministro Antônio Carlos Ferreira, da 4ª Turma do STJ.
- Processo: REsp 2.155.065