Desconhecimento sobre sistemas de busca atrasa execuções, diz advogado
Defasagem dos sistemas de busca patrimonial e custos também dificultam satisfação do crédito do vencedor da ação.
Da Redação
quinta-feira, 30 de janeiro de 2025
Atualizado em 31 de janeiro de 2025 12:40
A fase de execução continua sendo um dos maiores gargalos do Judiciário brasileiro. Vencer a batalha judicial é apenas o primeiro desafio; superar a etapa da execução e garantir o direito conquistado é uma tarefa ainda mais complexa.
Dados do CNJ, de 2024, apontam que mais da metade dos 78 milhões de processos judiciais de 1ª instância estão estagnados nessa fase, evidenciando a ineficácia do sistema na satisfação de créditos.
Em entrevista, o advogado José Andrade, que atuou como magistrado por mais de 20 anos, destacou que a falta de conhecimento dos operadores do Direito, os altos custos envolvidos e a defasagem dos sistemas de busca patrimonial são os principais entraves à execução.
Veja a entrevista:
Desconhecimento e defasagem
Os sistemas de busca de bens são ferramentas essenciais do Judiciário para localizar patrimônios e ativos de devedores em processos judiciais.
Segundo José Andrade, embora existam diversos mecanismos disponíveis, muitos profissionais desconhecem seu funcionamento e enfrentam desafios devido à defasagem dos sistemas em relação à evolução patrimonial da sociedade.
O Sisbajud permite que magistrados solicitem ao Banco Central informações sobre contas bancárias e realizem bloqueios de valores. De acordo com Andrade, o sistema só pode ser acessado pelos juízes, pois a CF protege o sigilo bancário. No entanto, ele ressalta que, atualmente, os advogados não encontram grandes dificuldades com sua utilização.
O RenaJud possibilita a restrição de veículos registrados em nome do devedor. O advogado aponta que, hoje, há caminhos alternativos para obter essas informações sem necessidade de intervenção judicial, já que empresas privadas fornecem esses dados a advogados a custos reduzidos.
Outro sistema, o InfoJUD viabiliza o acesso a dados da Receita Federal, como declarações de imposto de renda. Segundo Andrade, trata-se de outro sistema exclusivo para magistrados, em razão da proteção constitucional do sigilo fiscal.
Além desses, o SREI permite pesquisas de bens imóveis vinculados a um CPF ou CNPJ nos registros de imóveis. O Sniper cruza dados de diferentes bases para identificar vínculos e bens ocultos. O Simba auxilia na identificação de movimentações financeiras relevantes para investigações. Já o SerpJud aprimora a comunicação entre o Judiciário e instituições financeiras, ampliando a efetividade na busca e bloqueio de bens para garantir o cumprimento de decisões judiciais.
Apesar da diversidade de ferramentas, Andrade destaca que muitos juízes e advogados não sabem disso, o que compromete a efetividade das execuções.
"O juiz acessa mais de 13 sistemas para buscar bens, e eu garanto que 99% dos magistrados não sabe disso. Em paralelo, existem mais de 40 sistemas que os advogados podem utilizar, mas a maioria desconhece."
Ele faz um alerta, inclusive, para a defasagem na formação dos juízes também. "Eu fui juiz durante vinte e um anos, e o juiz não é treinado sobre essas novas ferramentas", ressalta. Também diz que os juízes, "quando muito, recebem um ofício do CNJ, mas não são obrigados a fazer treinamentos".
Andrade observa, ainda, que há defasagem nos sistemas existentes, pois não abarcam bens que surgiram com a evolução da sociedade.
Cita como exemplo os aluguéis recebidos por plataformas digitais, como o Airbnb, que não podem ser acessados sem ordem judicial. "O juiz precisa mandar um ofício para a plataforma para que o valor seja bloqueado e depositado no processo", explica.
Outro problema está na crescente facilidade para abrir contas internacionais. "O Sisbajud só fala com as instituições financeiras nacionais, ou seja, você pode se livrar do Sisbajud transferindo seu dinheiro para uma conta internacional aberta em minutos", alerta.
Indeferimentos e custas
A evolução tecnológica também permitiu que advogados tivessem acesso direto a sistemas de busca patrimonial, como o Portal Registradores sem necessidade de intervenção judicial.
"Muitos advogados têm obtido o indeferimento porque ele não precisa da ajuda do juiz para isso", esclarece Andrade.
Porém, Andrade aponta que o alto custo para consultas patrimoniais desse gênero é outro entrave encontrado pelas partes. "Se eu tiver que buscar imóveis de um devedor só no estado de Minas Gerais, vai me custar mais de seis mil reais", exemplifica. No caso de uma busca nacional, o valor pode ultrapassar 50 mil reais. "Ou seja, ninguém mais consegue receber porque ninguém vai queimar dinheiro bom com aquela dívida que não sabe se vai ser quitada", concluiu.
Para os casos de Justiça Gratuita, o causídico ressalta que o caminho correto é solicitar ao magistrado a utilização do sistema SerpJud, para que a busca seja realizada sem custos.
Ganham... mas não levam
Por fim, Andrade lembra que o grande gargalo da Justiça nacional é, realmente, a fase de execução, pois "52%, 53% dos casos estão parados na fase de execução, ou seja, as pessoas ganham, mas não levam".
Para ele, a ideia de que a Justiça é acessível é uma "meia verdade", pois muitos credores terminam os processos sem receber o que é devido. "Ninguém quer entrar com um processo para sair de mãos abanando", concluiu.