MIGALHAS QUENTES

  1. Home >
  2. Quentes >
  3. Com espaço para aprimoramento, arbitragem cresce no Brasil
Alternativa

Com espaço para aprimoramento, arbitragem cresce no Brasil

Método alternativo de resolução de disputas pode ser opção em casos de grande complexidade.

Da Redação

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Atualizado às 08:34

A arbitragem, regulada pela lei 9.307/96, é um método alternativo de resolução de conflitos que vem ganhando destaque no Brasil, principalmente por sua capacidade de aliviar o sobrecarregado sistema Judiciário.  Entre seus principais benefícios estão a celeridade, a confidencialidade e a especialização na condução de disputas. Apesar desses avanços, o instituto ainda pode ser aprimorado.

No STF, tramita uma ação que discute o dever de revelação dos árbitros, enquanto no Legislativo está em análise um projeto de lei voltado a reforçar a transparência e a imparcialidade na arbitragem.

Histórico

A história da arbitragem no Brasil reflete uma trajetória de superação de resistências iniciais e consolidação como um importante meio de resolução de controvérsias. Por muito tempo, o instituto enfrentou barreiras decorrentes da falta de tradição em seu uso e de entraves impostos pelos dispositivos legais.

De acordo com o professor Carlos Alberto Carmona, em sua obra "Arbitragem e Processo. Um comentário à lei 9.307/96", desde o CC de 1916, passando pelo CPC de 1939, a arbitragem era tratada de forma limitada, com exigências burocráticas que dificultavam sua aplicação prática.

O CPC de 1973, ainda que considerado um marco jurídico, também não trouxe inovações substanciais nesse campo, exigindo, por exemplo, a homologação judicial dos laudos arbitrais pelo Judiciário tradicional. Isso resultava em atrasos e retirava algumas das principais vantagens da arbitragem, como a celeridade e a confidencialidade.

Na década de 1980, diante do aumento das críticas sobre a lentidão e a sobrecarga do Judiciário, surgiram as primeiras tentativas de modernização legislativa.

O primeiro anteprojeto de lei sobre arbitragem, publicado em 1981, buscava equiparar a cláusula arbitral ao compromisso arbitral e dispensar a necessidade de homologação judicial dos laudos.

Importante esclarecer que a cláusula arbitral é um pacto anterior à existência do conflito, já o compromisso arbitral surge tendo sido o conflito instaurado. No entanto, apesar das boas intenções, o texto do anteprojeto apresentava imprecisões técnicas e acabou sendo abandonado.

Tentativas subsequentes em 1986 e 1988 enfrentaram problemas semelhantes. O anteprojeto de 1988, por exemplo, propunha que laudos arbitrais estivessem sujeitos a recurso de apelação, o que contrariava a essência da arbitragem como um meio célere e final de resolução de conflitos.

A virada decisiva ocorreu com a Operação Arbiter, uma iniciativa liderada pelo Instituto Liberal de Pernambuco, em 1991. Esse movimento reuniu diversas entidades, como a Associação Comercial de São Paulo e a Fiesp, além de acadêmicos, advogados e representantes do setor jurídico, para discutir e elaborar um novo anteprojeto de lei.

Em 1996, o presidente da Comissão de Arbitragem da ACRJ, Cláudio Vianna de Lima, em artigo no Jornal do Commercio, elogiou a iniciativa da Operação Arbiter. Ele afirmou que o projeto colocou o instituto da arbitragem nos eixos corretos, e que o Brasil estava, até então, tratando a arbitragem como "se fosse a Gata Borralheira, sem acesso à Fada Madrinha". 

 (Imagem: Jornal do Commercio)

Em artigo no "Jornal do Commercio", Cláudio Vianna de Lima elogiou o projeto da lei de arbitragem.(Imagem: Jornal do Commercio)

O texto resultante foi amplamente debatido e refinado, sendo apresentado em seminários e recebendo contribuições de diversos setores da sociedade. Esse esforço resultou na criação da lei 9.307/96, que representou uma revolução na forma como a arbitragem era tratada no Brasil.

A Lei de Arbitragem trouxe inovações fundamentais. Ela conferiu maior eficácia à cláusula compromissória, permitindo que disputas fossem resolvidas diretamente por tribunais arbitrais sem a necessidade de compromisso arbitral posterior. Além disso, eliminou a exigência de homologação judicial para a execução de laudos arbitrais, preservando a confidencialidade e a celeridade do processo.

A nova legislação também incorporou práticas internacionais, alinhando-se à Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial da Uncitral e às convenções de Nova Iorque (1958) e do Panamá (1975), fortalecendo o papel da arbitragem internacional no país.

Em 1999, a CACB - Confederação das Associações Comerciais do Brasil assinou um convênio milionário com o BID - Banco Nacional de Desenvolvimento visando estimular a arbitragem e a mediação entre o setor privado nacional. A verba foi utilizada para divulgar a arbitragem e formar árbitros.

À época, o então presidente da Confederação, Joaquim Fonseca Júnior, afirmou que o convênio seria importante para criar a "cultura da arbitragem" no Brasil.

"[...] a criação de novas câmaras de arbitragem, ao contrário do que muitos pensam, ajuda a aperfeiçoar o Judiciário, na medida em que evita que muitas ações que podem ser resolvidas por intermédio do entendimento entre as partes chegue até lá", afirmou.

 (Imagem: O Estado de S. Paulo )

Em entrevista ao Migalhas, o vice-presidente do CBMA - Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, Antônio César Siqueira, compartilhou sua avaliação a respeito do impacto da lei e os desafios enfrentados pelo instituto da arbitragem no país. 

Segundo ele, a lei enfrentou resistência inicial do Poder Judiciário, que via a arbitragem como uma "intromissão no próprio exercício da jurisdição estatal". Esse cenário mudou com a decisão do STF, em 2001 (SE 5.206), que declarou a validade da lei, destacando que a arbitragem "é um método alternativo de solução de disputas absolutamente compatível com a Constituição".

Desde então, o instituto cresceu exponencialmente, com o apoio do Judiciário reafirmando a autonomia da arbitragem e respeitando suas decisões.

Advogados começaram a incorporar cláusulas compromissórias em contratos comerciais e societários, e surgiram diversas câmaras de arbitragem, algumas de destaque internacional. A arbitragem passou a ser reconhecida como uma ferramenta complementar ao Poder Judiciário, adequada para lidar com disputas complexas e de alto valor econômico.

Antônio destacou que a arbitragem tem atraído crescente aceitação no Brasil devido a suas características, como celeridade, especialidade dos tribunais arbitrais e sigilo. "Hoje o Brasil é um dos países mais importantes no mundo com relação à arbitragem", afirmou.

Um comparativo entre dados constantes da "Pesquisa Arbitragem em Números" de 2020/2021 e de 2021/2022 provam a informação.

Em 2022, o número de arbitragens em andamento no país bateu recorde e atingiu a marca de 1.116 casos, um aumento de 6,6% em relação ao ano anterior, quando foram contabilizados 1.047 processos arbitrais. Em 2020, foram 996 casos e em 2019, 967. Ou seja, de 2019 a 2022 houve um aumento de aproximadamente 15%

 (Imagem: Arte Migalhas)

De 2019 a 2022, número de arbitragens em andamento no país subiu 15%.(Imagem: Arte Migalhas)

Vantagens da arbitragem

As câmaras de arbitragem podem ser privadas ou vinculadas a entidades públicas, oferecem processos mais rápidos, confidenciais e especializados, atraindo especialmente o setor empresarial.

Por meio da arbitragem, as partes em disputa escolhem árbitros imparciais para decidir o caso com força de sentença judicial, o que torna a decisão vinculativa e definitiva, sem possibilidade de recurso.

Entre os principais atrativos da arbitragem estão a confidencialidade, especialmente útil para empresas que lidam com informações sensíveis, e a flexibilidade, já que as partes podem escolher as regras e os árbitros que melhor atendem às suas necessidades.

De acordo com a "Pesquisa Arbitragem em Números" de 2021/2022 as áreas mais comuns de aplicação incluem conflitos societários, construção civil e energia e questões trabalhistas.

 (Imagem: Arte Migalhas)

Societário lidera o pódio de assuntos tratados em arbitragens em 2021 e 2022.(Imagem: Arte Migalhas)

O modelo também oferece vantagens significativas, como a celeridade, com processos que geralmente se resolvem em meses, e a especialização dos árbitros e mediadores, que possuem expertise nas áreas envolvidas.

Para Antonio Siqueira, a especialização dos árbitros e a celeridade, derivada da ausência de recursos, são os dois pontos que mais tornam a arbitragem vantajosa. 

"Os peritos que funcionam nos procedimentos arbitrais são peritos com expertise muito aprofundada naquela matéria em que ele é designado. Ao passo que no Poder Judiciário os peritos são mais ou menos generalistas também", afirma.

No entanto, há desafios a serem superados, como os custos iniciais elevados, que podem ser proibitivos para pequenos negócios ou pessoas físicas. O vice-presidenta do CBMA considera que o alto custo da arbitragem é justificável e que a alternativa não deve ser estendida a muitas atividades.

"[...] o procedimento arbitral é mais caro que procedimento judicial. Mas por outro lado ele traz uma economia de tempo que nas relações comerciais é muito importante. Quer dizer, você ficar durante 10, 12 anos sem resolver uma questão que é crucial para o seu negócio praticamente pode inviabilizar a sua atividade. [...] Eu acho que não é um instituto que deva ser popular, que deva ser estendido para muitas atividades."

Segundo Antonio Siqueira, atualmente é necessário que se mantenha o foco em desenvolver uma arbitragem limpa, competente e equilibrada. 

Assista à entrevista:

Dever de revelação

Uma das etapas do processo da arbitragem é a escolha do árbitro que, a teor do art. 13 da lei de arbitragem, deve ter necessariamente a confiança das partes.

Segundo o próprio texto da lei, espera-se do árbitro a imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição. E, para que as partes possam avaliar se o indicado desfruta desses atributos, é necessário ter conhecimento de qualquer informação relevante para a avaliação acerca de sua imparcialidade e independência.

Daí decorre o famoso "dever de revelação" do árbitro, previsto no art. 14, § 1º da lei de arbitragem:

"Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.

§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência."

Em 2023, o partido União Brasil acionou o STF para que sejam estabelecidos critérios objetivos na aplicação da lei de arbitragem, especialmente quanto à imparcialidade e independência dos árbitros.

Desde a promulgação da lei, em 1996, o próprio sistema arbitral tem buscado autorregular lacunas deixadas pelo texto legal. Mecanismos foram criados para afastar ou recusar árbitros que não garantissem um mínimo de imparcialidade e independência, reforçando que a escolha de um árbitro por uma das partes não o torna representante exclusivo dessa parte.

Como resposta a essa preocupação, a Lei de Arbitragem instituiu o dever de revelação, um instrumento essencial para assegurar transparência e equidade nos procedimentos arbitrais. Esse dever exige que o árbitro informe qualquer fato que possa comprometer sua imparcialidade.

No entanto, segundo o União Brasil, esse mecanismo tem sido flexibilizado. O partido aponta que árbitros frequentemente omitem informações relevantes, criando uma "perigosa promiscuidade" entre suas funções e o papel de advogados das partes envolvidas.

Diante desses questionamentos, a legenda defende que cabe ao STF estabelecer parâmetros constitucionais claros para reforçar a integridade do sistema. A ADPF foi distribuída ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso.

A complexidade e a recorrência desses problemas indicam a necessidade de o Supremo se debruçar sobre o tema, garantindo mais segurança e credibilidade à arbitragem no Brasil.

No legislativo

Em 2021 foi apresentado na Câmara o PL 3.293, de iniciativa da deputada Margarete Coelho, que visa alterar a prática da arbitragem no Brasil. 

O texto altera a lei de arbitragem para "disciplinar a atuação do árbitro, aprimorar o dever de revelação, estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do procedimento arbitral e a publicidade das ações anulatórias", entre outras providências.

Entre as mudanças propostas, destaca-se a restrição ao número de arbitragens simultâneas para um máximo de dez por árbitro, além da proibição de tribunais arbitrais compostos por membros idênticos, parcial ou integralmente.

Também propõe que o árbitro informe previamente e durante o processo o número de arbitragens em que atua, bem como qualquer situação que possa levantar dúvidas sobre sua imparcialidade ou independência.

Outra inovação é a vedação de que integrantes da secretaria ou diretoria executiva de câmaras arbitrais atuem como árbitros ou representantes em procedimentos administrados por essas instituições, prevenindo potenciais conflitos de interesse.

O projeto também reforça a transparência no sistema arbitral, determinando que a composição do tribunal e o valor envolvido na controvérsia sejam divulgados no site da instituição, bem como a publicação integral da sentença arbitral ao final do processo, com exceções confidenciais solicitadas pelas partes.

Em relação às demandas anulatórias de sentenças arbitrais, estabelece que elas respeitem o princípio da publicidade e sejam propostas no prazo de 90 dias.

Atualmente, o texto aguarda parecer do relator na CCJC - Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.

Patrocínio

Patrocínio Migalhas
Flávia Thaís De Genaro Sociedade Individual de Advocacia

Escritório de advocacia Empresarial, Flávia Thaís De Genaro Sociedade Individual de Advocacia atua nas áreas Civil, Tributária e Trabalhista. Presta consultoria em diversos segmentos da Legislação Brasileira, tais como: Escrita Fiscal, Processo Civil e Alterações do Novo Código de 2002, Falências,...

NIVIA PITZER SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA
NIVIA PITZER SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA

NIVIA PITZER SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA

instagram
ADRIANA MARTINS SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA
ADRIANA MARTINS SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA

Nosso escritório é formado por uma equipe de advogados especializados, nas áreas mais demandas do direito, como direito civil, trabalhista, previdenciário e família. Assim, produzimos serviços advocatícios e de consultoria jurídica de qualidade, com muito conhecimento técnico e jurídico. A...