A serpente, o STF e o livre arbítrio
Entre a narrativa bíblica de Gênesis e os desafios da era digital há muito mais do que sonha a vã filosofia.
Da Redação
quinta-feira, 28 de novembro de 2024
Atualizado às 09:16
Abaixo, apresentamos uma alegoria que relaciona o relato bíblico da queda no Jardim do Éden aos desafios éticos e legais da internet. Assim como o Éden, a internet muitas vezes se mostra um espaço cativante, mas que exige responsabilidade e respeito às regras para evitar danos, como a desinformação e as fake news.
Neste exercício, buscamos (se com sucesso ou não, deixamos ao leitor avaliar) destacar o papel da vigilância preventiva na proteção dos limites éticos e na preservação do bem-estar coletivo, traçando paralelos entre a tentação no Éden e os perigos do "novo mundo" digital.
É uma reflexão espirituosa, destinada a quem aprecia a integração de perspectivas bíblicas com dilemas contemporâneos. Reconhecemos, porém, que se trata de uma abordagem simplificada, e que os desafios digitais exigem análises técnicas mais profundas - algo que buscamos oferecer diariamente por meio de matérias e artigos especializados. Aqui, no entanto, o objetivo é explorar a conexão entre princípios antigos e problemas modernos.
Feita a introdução, passemos ao texto:
Toda a Escritura é inspirada por Deus e proveitosa para ensinar, para repreender, para endireitar as coisas, para disciplinar em justiça [.] (2 Timóteo 3:16)
Por ser uma intrincada rede que conecta bilhões de pessoas em espaço digital, permitindo novos contornos às formas de interação, a internet é frequentemente apontada como um "novo mundo".
Porém, as questões que seu desenvolvimento nos coloca hoje - em torno da liberdade de expressão, a responsabilidade dos mediadores da comunicação, a proporcionalidade nas formas de punição e a necessidade de vigilância preventiva - são bastante semelhantes às que se apresentaram logo que este "velho mundo" foi estabelecido.
Guardadas as devidas proporções, vale a pena considerar o que as Escrituras Sagradas nos contam sobre o início da história da humanidade e tirar lições para o nosso tempo.
Primeiro, a lei
Gênesis 2:15-17
15 Deus tomou o homem e o estabeleceu no jardim do Éden, para que o cultivasse e tomasse conta dele.
16 [.] Deus deu também esta ordem ao homem: "De toda árvore do jardim, você pode comer à vontade.
17 Mas, quanto à árvore do conhecimento do que é bom e do que é mau, não coma dela, porque, no dia em que dela comer, você certamente morrerá.
Depois de ter sido estabelecido em um território agradável e propício para o seu desenvolvimento, era responsabilidade do ser humano cuidar daquele ambiente. A única restrição estava sobre uma árvore disposta bem no meio do jardim - a disposição espacial (que aparece na citação a seguir) não parecer ser uma referência fortuita, mas indicativa de um tema central para o bem-estar humano, que dependia do respeito à lei. Se o homem comesse de seu fruto ou apenas tocasse nele, morreria.
Também encontramos na internet uma construção que objetiva ser cativante e favorável aos empreendimentos do ser humano. Mas é preciso que os indivíduos que o habitam zelem por esse território. Em vista das possibilidades de atuação, as restrições existentes são bem poucas e são fundamentais para o bem-estar das pessoas. E visto que não há crime sem lei que o defina previamente, é preciso estabelecer de antemão o que é errado.
A serpente como meio e a restrição de liberdade como estratégia
Gênesis 3:1
"A serpente era o mais cauteloso de todos os animais selvagens"[.]
Gênesis 3:1-5
1 [.] Assim, ela disse à mulher: "Foi isso mesmo que Deus disse, que vocês não devem comer de toda árvore do jardim?"
2 Então a mulher disse à serpente: "Podemos comer do fruto das árvores do jardim.
3 Mas, sobre o fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: 'Não comam dele, não, nem toquem nele; do contrário, vocês morrerão''.
4 Então a serpente disse à mulher: "Vocês certamente não morrerão.
5 Pois Deus sabe que, no mesmo dia em que comerem dele, seus olhos se abrirão e vocês serão como Deus [.]
Escondido na figura de uma serpente, uma criatura espiritual em oposição ao Criador interpelou Eva. Ao fazer com que uma serpente parecesse falar - como se faz na ventriloquia - ele ocultou tanto sua identidade como seus objetivos ambiciosos. O termo "cauteloso" usado no texto bíblico também é vertido como "astuto", "ardiloso", expondo as qualidades manipuladas pela criatura por trás da serpente. Na abordagem, o primeiro gesto é lançar dúvidas distorcendo a lei. Depois, a mentira categórica sobre a punição. E, por fim, a acusação de que aquele que estabeleceu a lei o fez com objetivos escusos, retendo do sujeito algo bom. E, portanto, restringindo desnecessariamente a sua liberdade.
Infelizmente, as plataformas digitais também constituem meios hodiernos para a atuação perversa de agentes que ocultam o que são em figuras diversas, espalhando desinformação, incitando o que é contra a lei e investindo contra o sistema estabelecido.
O público, o delito, a consequência e a sentença
Gênesis 3:6
6 Assim, a mulher viu que a árvore era boa para alimento e que era desejável aos olhos, sim, a árvore era agradável de contemplar. Então ela pegou do seu fruto e começou a comê-lo. Depois deu também do fruto ao seu marido, quando ele estava com ela, e ele começou a comê-lo.
Por ter sido criada depois de Adão, Eva era a mais inexperiente criatura inteligente sobre a Terra até então. A criatura espiritual maligna por trás da serpente tratou de atrair e prender sua atenção. A mulher conhecia os elementos que compunham o seu entorno.
Sabia que serpentes não falam. Mas o fantástico despertou sua curiosidade, de modo que Eva deu ouvidos a um ser estranho que trabalhava por fazer com que ela se concentrasse na única coisa que lhe era proibida em todo o espaço em que vivia - e desejar fazer o que não lhe era permitido.
Será que Eva havia concluído que aquela criatura havia provado do fruto e por conta disso conseguia falar? Que vantagens, então, ela própria poderia ter ao infringir a lei? Não sabemos o que se passou na mente da mulher.
Mas sabemos que a trama apenas se concretizou porque o egoísmo do primeiro casal humano foi maior do que seu amor pelo Deus que havia criado tudo o que eles tinham ao seu dispor e a eles próprios. Nossa atribulada trajetória até aqui, em gerações que envelhecem e morrem, mostra quão danosa foi a primeira mentira no mundo. E como são, claro, todas as mentiras. Nos termos de agora, fake news.
Muitos flertam com o perigo de infringir as leis nesse "novo mundo" da internet. Alguns por inexperiência, outros por se deixarem influenciar por pessoas próximas. E, sem observar bem a fonte da informação, deixam-se levar por conversas extravagantes e promessas enganosas vindas, não raras vezes, de entidades que não conhecem bem.
E, por motivos egoístas - não sabemos o que se passa em suas mentes - colocam em risco o sistema que lhes permite ter toda a liberdade que têm e serem cidadãos do mundo. As consequências, sabemos, recaem sobre si próprios e sobre as gerações que vêm.
No desenrolar dos eventos descritos no texto bíblico, todos os envolvidos na infração da lei foram punidos - a serpente, a criatura espiritual maligna, Adão e Eva. Porém, em graus diferentes (Gênesis 3: 14-17, 23). Se isso acontecerá também no "novo mundo" da internet é o que veremos a partir desta semana nas discussões e julgamentos do STF.
A vigilância preventiva
Gênesis 3:23
23 [.] Deus expulsou o homem, e colocou ao leste do jardim do Éden os querubins e a lâmina chamejante de uma espada que girava continuamente, guardando o caminho para a árvore da vida.
Ocorrido o caso, querubins com uma espada chamejante foram dispostos à entrada do território ajardinado em que viveram Adão e Eva. O objetivo de tal vigilância era impedir que os danos colhidos pelo primeiro casal humano ao infringir a lei - e estendido aos seus descendentes como uma doença congênita, a saber, o pecado - não se estendessem para sempre caso eles se apoderassem também do fruto de outra árvore disposta igualmente no meio do jardim, nomeada árvore da vida. Isso seria muito prejudicial, pois lhes confeririam uma vida imperfeita para sempre.
Mas, os vigilantes querubins não permitiriam que isso ocorresse. O pecado e os males decorrentes dele poderiam ter fim. Havia uma promessa e uma esperança. O mal feito seria reparado. E, num futuro breve, a Terra poderia voltar a ser um paraíso, habitado por uma nova sociedade justa. Um novo mundo, como costumam descrever as Escrituras Sagradas.
E o que dizer do "novo mundo" da internet? Para que o mal possa ser reparado e haja esperança, também precisamos de vigilância.