Júri é suspenso após promotor relatar ameaça de "surra" por advogado
Após desentendimento com promotor, advogados deixaram o plenário, o que foi interpretado pela juíza como abandono injustificado. Foi aplicada aos causídicos multa por litigância de má-fé.
Da Redação
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Atualizado às 15:37
O julgamento de um caso de homicídio no Tribunal do Júri de Pirapozinho, interior de São Paulo, foi suspenso na última sexta-feira, 8, após advogados de defesa deixarem o plenário em meio a desentendimentos com o promotor de Justiça.
A controvérsia teve início quando, segundo relatos que constam de ata, o advogado Caio Percival teria comentado informalmente com seu assistente que daria uma "surra" no promotor Yago Lage Belchior, que atuava na acusação do caso. O comentário foi ouvido pela juíza e pelo próprio promotor, que questionou a situação.
Após discussões, a magistrada suspendeu a sessão para que os envolvidos se acalmassem, e chegou a pedir reforço policial para continuação do julgamento.
Mas, posteriormente, a juíza recebeu informação de que um dos jurados estava se sentindo ameaçado pela presença de familiares dos réus.
Diante da situação, o advogado Caio Percival anunciou que abandonaria o plenário sob justificativa de que o promotor de Justiça estaria "jogando com cartas marcadas". Percival também teria dito que, diante da notícia de que jurados estavam se sentindo intimidados, não seria mais possível continuar, "em vista da perda da imparcialidade do júri", argumentando que a continuidade da sessão comprometeria o direito de defesa do réu.
De acordo com termo de audiência, os demais advogados acompanharam Percival.
A juíza Renata Esser de Souza, responsável pela sessão, interpretou a saída como abandono injustificado por parte dos advogados, e determinou a aplicação de multa por litigância de má-fé a seis causídicos, fixada em 20 salários-mínimos para cada um, com o objetivo de ressarcir o custo processual gerado pela interrupção.
Em resposta ao episódio, o procurador-Geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, emitiu nota de apoio ao promotor, classificando a declaração como uma afronta à civilidade esperada entre membros do sistema de Justiça.
Em nota pública, o escritório de advocacia Percival e Advogados Associados, que representa a defesa, afirmou que o comentário feito por Caio Percival foi distorcido e utilizado para justificar o que chamaram de "reação desproporcional" por parte do promotor.
Segundo o escritório, o promotor teria adotado, desde o início do julgamento, uma postura considerada xenofóbica, insinuando aos jurados locais que os advogados, que vieram de Curitiba, não seriam confiáveis.
A defesa também alegou parcialidade na composição do júri, mencionando que a lista de jurados não estaria sendo renovada conforme a legislação, e informou ter solicitado a intervenção da OAB para que uma auditoria seja realizada.
Leia a nota do MP/SP:
NOTA PÚBLICA
Em defesa de atuação do promotor do Júri Yago Lage Belchior
Mais uma vez, esta Procuradoria-Geral de Justiça vê-se impelida a externar o seu repúdio ao comportamento de patronos de réus levados às barras do Tribunal do Júri para responder pelo crime de homicídio. Nesta sexta-feira (8/11), um advogado, conversando com seu assistente, disse em plenário que daria uma "surra" no promotor de Justiça Yago Lage Belchior. O comentário afrontoso e pseudo-intimidador foi ouvido pela juíza que dirigia os trabalhos, que acabou multando os defensores por litigância de má-fé. Isso após eles se retirarem de plenário e impedir o prosseguimento do julgamento. O comentário caracteriza-se como afrontoso na medida em que joga por terra os princípios da civilidade e lhaneza que devem imperar entre aqueles que integram o sistema de Justiça. E caracteriza-se como pseudo-intimidador na medida em que o seu efeito sobre o intimorato membro do MPSP é nulo. Assim, deve ficar claro que o promotor da comarca de Pirapozinho, como seus colegas das outras comarcas do Estado, não vai retroceder um só milímetro na sua missão de proteger o bem jurídico mais valioso que existe: a vida. E para tanto todos eles contam com o irrestrito apoio do subscritor desta nota!
São Paulo, 8 de novembro de 2024
PAULO SÉRGIO DE OLIVEIRA E COSTA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
Leia a nota do escritório:
Diante das graves acusações e da conduta inadequada do promotor de Justiça, o escritório Percival e Advogados Associados vem a público esclarecer os fatos ocorridos no Fórum de Pirapozinho no dia 08 de novembro de 2024.
O comentário atribuído ao advogado, feito em tom informal e privado, foi utilizado de forma distorcida para justificar uma reação desproporcional do promotor, que, desde o começo do julgamento, buscava de modo xenofóbico colocar os jurados de Pirapozinho contra os Advogados que eram de Curitiba. O discurso do outro, do estrangeiro, do diferente, do forasteiro, em qualquer circunstância, deflagra o ódio divisor dos homens, devendo ser prontamente repelido.
Noutro giro, a afirmação do promotor em plenário de que o julgamento já era seu e que todos os jurados estavam com ele, aliada às informações privilegiadas sobre o relacionamento próximo entre o promotor e alguns jurados, levanta sérias dúvidas sobre a lisura do processo, sobretudo porque a lista geral de jurados não vem sendo atualizada anualmente como determina a lei. Neste ponto, a OAB paulistana já foi acionada para realizar a devida auditoria no fórum para impedir julgamentos parciais pelos mesmos jurados.
Já sobre a decisão da juíza de aplicar uma multa por litigância de má-fé, sem considerar as evidências de parcialidade, demonstra uma clara violação ao direito de defesa e ao devido processo legal. A busca por justiça exige que todos os envolvidos em um processo judicial atuem de modo livre e imparcial.
No caso, a defesa teve que pedir a dissolução do conselho de sentença após uma das juradas reportar à Magistrada Presidente da sessão que queria reforço policial por medo, o que por certo maculava sua livre apreciação dos autos. Não restou outra alternativa à defesa senão abandonar o plenário em busca da preservação dos direitos do acusado.