Proclamação da República: a origem da promessa democrática e do STF
Após instauração da República e promulgada a Constituição de 1891, STF foi instituído como Corte responsável pelo controle de constitucionalidade do país.
Da Redação
quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Atualizado em 13 de novembro de 2024 19:35
Em 15 de novembro de 1889, o Brasil vivenciou um marco fundamental em sua história: a Proclamação da República. Caía por terra a forma de governo monárquica e levantava-se outra, cuja essência e promessa estavam na democracia - a soberania do povo, com voz e representação por meio de um sistema eleitoral.
Nesse contexto também nascia o Supremo Tribunal Federal, instituído pela primeira Constituição republicana e que, então, seria o grande responsável pelo controle de constitucionalidade nacional.
Da proclamação...
Na manhã de 15 de novembro de 1889, marechal Deodoro da Fonseca reuniu tropas no centro do Rio de Janeiro e depôs o gabinete monárquico, declarando o fim do Império.
Sem resistência por parte da monarquia e com Dom Pedro II e sua família sendo exilados para a Europa, foi proclamada a República dos Estados Unidos do Brasil, estabelecendo-se um governo provisório chefiado pelo próprio Deodoro.
Então, diversos decretos foram publicados a fim de determinar juridicamente a organização política do novo regime.
...à Constituição
Entre eles, o decreto de 3 de dezembro de 1889, que nomeou comissão responsável por elaborar anteprojeto de Constituição. Ele serviria de base aos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte - a qual formularia projeto alinhado ao modelo norte-americano de República presidencial federalista.
A eleição para a Assembleia foi definida para 15 de setembro de 1890 e sua instalação se deu em 15 de novembro daquele ano, integrada por 205 deputados e 63 senadores, de perfil heterogêneo, representando as diferentes forças políticas que trabalharam em prol da instauração da República.
O texto da nova Constituição - a primeira do regime republicano - foi promulgado em 24 de fevereiro de 1891, após três meses de trabalho.
Segundo a historiadora Dilma Cabral, em pesquisa do Arquivo Nacional, a "Constituição promulgada em 1891 não apenas conformou a modelagem político-institucional do governo que se instaurou com o fim da Monarquia, como teve papel fundamental na garantia da estabilidade necessária à consolidação do regime republicano".
A publicação da nova Carta e dos eventos ocorridos na sessão solene do Congresso naquela ocasião memorável pelos jornais, a exemplo d' O Estado de S. Paulo, reflete o sentimento nacional em torno do feito e de sua importância para o novo regime:
"O SR. PRESIDENTE (levantando-se e com elle toda a mesa, todo o congresso e todos os espectadores). 'Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em congresso constituinte para organizar um regímen livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte constituição'. (Segue-se a leitura da constituição)
[...] Está promulgada a constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (muito bem) e a nossa pátria, após 15 mezes de um governo revolucionario, entra desde este momento no regímen da legalidade (muito bem). É força confessar que, graças aos esforços e a dedicação d'este congresso, legítimo representante da nação (apoiados, aliás recebido como desfavor e prevenção pela opinião, que conseguiu vencer, e que terminou os seus trabalhos rodeado da estima e consideração públicas, o Brasil, a nossa pátria de hoje em diante, tem uma constituição livre e democrática com o regímen da mais larga federação (muito bem, muito bem), único capaz de mantê-la unida, de fazer com que possa desenvolver-se, prosperar e corresponder na América do Sul ao seu modelo da América do Norte. (Muito bem, muito bem).
Saudamos, meus concidadãos, ao Brazil nossa pátria, e á República Brasileira. Viva a Nação Brasileira! (Applausos prolongados do recinto, das tribunas e das galerias)[...]
O SR. SERZEDELLO (Pela ordem)
Eu não podia, não devia mesmo, como o mais humilde dos membros deste congresso, interromper a solenidade d'este acto; mas, sr. Presidente, eu julgo que nos achamos no momento mais extraordinário, mais solene da nossa pátria.
Acaba v. ex. de declarar que está promulgada pela soberania nacional, que está promulgada pelos representantes da nação a constituição que vai reger os destinos da República Brasileira.
Senhores, se essa constituição é o ponto da sabedoria, se essa constituição coordena, se ella cacterisa em si tudo que o espírito humano tem produzido de mais elevado e de mais prático na sciencia social, dil-o ha o futuro, dil-o-hão com certeza as gerações que nos sucederem.
Mas, boa ou má, a verdade é que hoje só nos cumpre um dever: - o de respeital-a, o de acatal-a, o de defendel-a à custa de nossa própria vida (Numerosos apoiados). Srs. do congresso, estou profundamente certo de que jamais esta constituição, que é obra d'este congresso, ha de ser violada. (Apoiados).
Estou certo, prontamente certo, por que seria isto com certeza um crime, seria a deshonra da revolução (apoiados) d'essa revolução que fez a imortalidade do soldado glorioso, que a encarasse e que a personificasse n'esses meses de ditadura. (apoiados).
Nessas condições, acredito interpretar os sentimentos d'este congresso, pedindo a v. ex: que sujeite á votação a indicação que ontem apresentei e que é a seguinte:
O congresso nacional, hoje unico poder soberano, porque cessou a revolução, porque tudo desappareceu diante da nação, aqui reunido, decreta que é um dia de festa nacional o dia de hoje, 24 de fevereiro, o mais extraordinário da nossa pátria. (Numerosos apoiados, muito bem)
O SR. ZAMA (pela ordem) usa da palavra para prometter por sua honra que há de defender a custo da própria vida a constituição que acaba de ser votada.
VOZES. - Todos nós.
Submettida a votos a indicação, é unanimemente aprovada.
O SR. PRESIDENTE - A ordem do dia de amanhan será: eleição do presidente e do vice-presidente."
A celebração em torno da Constituição republicana de 1891 ganha sentido quando comparada à publicação ocorrida cerca de 10 anos antes. Naquela ocasião, ao recordar o dia 25 de março de 1824, data em que a primeira Constituição do país entrou em vigor, a opinião pública expressava descontentamento com a concentração de poderes nas mãos de D. Pedro.
"Faz hoje annos a constituição d'este império. Não é má, podia ser melhor, mas também justiça se lhe faça: Ella ainda não serviu de estorvo nem ao bem nem ao mal. Pode dizer-se que ella é a varinha de condão do imperador. Com Ella, Elle tem feito tudo e tudo impedido, de sorte que afinal de contas a constituição é o imperador e o imperador é a constituição. No dia em que morrer a constituição, adeus imperador; no dia em que d. Pedro cerrar os olhos, adeus constituição."
É verdade que a constituição do Império estabeleceu, por influência dos ideais iluministas, a instalação de estruturas de governo com separação entre poderes - o Legislativo, o Executivo e o Judiciário - mas, sobre eles, pairava o Poder Moderador do próprio D. Pedro, que dava a palavra final sobre qualquer assunto.
Foi contra esse poder absoluto que a revolução republicana avançou, dispensando a soberania do imperador e colocando em seu lugar o que foi chamado de "soberania do povo".
Cabe, no entanto, colocar em perspectiva qual "povo" o levante do período representou. A Proclamação da República resultou de articulações entre membros das elites políticas, militares e intelectuais, insatisfeitos com o governo monárquico de Dom Pedro II.
Muitos desses grupos desejavam a reorganização do poder e a implementação de um modelo político que favorecesse seus interesses. As forças armadas, especialmente o Exército, desempenharam papel proeminente, lideradas pelo marechal Deodoro da Fonseca.
Segundo publicação no site do Senado, o jornalista republicano Aristides Lobo escreveu, em célebre artigo publicado no jornal Diário Popular, que "por hora a cor do governo é puramente militar e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada. Era um fenômeno digno de ver-se. O entusiasmo veio depois, veio lentamente, quebrando o enleio dos espíritos. Pude ver a sangue frio tudo aquilo".
Estrutura
O texto da nova Constituição foi apresentada em cinco títulos, subdivididos em seções e, estas, em capítulos:
O Título I abordava a estrutura da Federação, detalhando a organização dos três Poderes.
A parte dedicada ao Poder Legislativo incluía capítulos sobre a Câmara dos Deputados e o Senado, as responsabilidades do Congresso, o processo de criação de leis e resoluções, além de disposições gerais.
A seção do Poder Executivo trazia capítulos sobre o presidente e o vice-presidente, incluindo informações eleitorais, as atribuições do Executivo, os ministros de Estado e a responsabilidade do presidente. Por fim, também havia uma seção voltada ao Poder Judiciário, definindo sua organização e função.
Os arts. 55 e 56 dispunham a respeito do STF. Determinavam a composição da Corte por quinze juízes, que deveriam ser nomeados pelo Presidente da República entre cidadãos de notável saber e reputação, elegíveis para o Senado.
Os Títulos II a IV abordavam, respectivamente, os Estados, os municípios e os direitos e deveres do cidadão brasileiro. O Título V concentrava-se nas disposições gerais e era seguido pelas disposições transitórias.
Entre outros temas, o documento assentava as bases de organização do país como Federação, a definição do povo como fonte de legitimidade do poder político, responsável por eleger seus representantes, e a separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, com harmonia e independência entre si.
A Constituição adotava a teoria da separação dos Poderes, inspirada em Montesquieu, mas, à semelhança do modelo norte-americano, não a aplicava de forma rígida.
Em vez disso, segundo Dilma Cabral, instituía um "sistema complexo de freios e contrapesos" onde cada órgão não detinha o controle exclusivo de suas funções, permitindo que interviessem nas atividades uns dos outros. Esse modelo visava assegurar a harmonia entre os Poderes e garantir a "independência recíproca" entre eles.
Apesar de limitada, a República vigente a partir da nova Constituição inaugurou dispositivos que foram replicados na Constituição de 1988, de valor democrático central, como a garantia de eleições diretas, a separação e a independência dos Poderes, o habeas corpus e o controle da constitucionalidade das leis pelo STF.
Supremo Tribunal Federal
Com a proclamação da República e o fortalecimento do princípio da separação de poderes, o Supremo Tribunal Federal foi instituído pela Constituição de 1891.
Sua primeira sessão plenária ocorreu em 28 de fevereiro daquele ano, sob a presidência interina do ministro Sayão Lobato, o Visconde de Sabará, que anteriormente presidia o Supremo Tribunal de Justiça, órgão máximo da Justiça durante o período imperial.
O Supremo Tribunal de Justiça, criado em 1828, foi o precursor do STF, embora não tivesse a atribuição de realizar o controle de constitucionalidade.
Durante essa sessão inaugural, foi eleito o primeiro presidente do STF, o ministro Freitas Henriques, marcando oficialmente o início das atividades do tribunal como guardião da nova Constituição republicana.
Desde então, o Supremo e seus ministros protagonizaram julgamentos históricos, sujeitando-se, muitas vezes, a duras críticas da opinião pública.
Quantas repúblicas o Brasil já teve?
O país já passou por cinco períodos republicanos, regidos por cartas ora democráticas, ora totalitárias, o que mostra que a caminhada para implementação e consolidação dos ideais republicanos foi bastante tumultuada e, por vezes, perigosa.
- Primeira República ou República Velha (1889-1930) - Constituição de 1891.
- A Era Vargas ou Segunda República (1930-1945) - Constituição de 1934 e de 1937.
- A República Nova ou Terceira República (1945-1964) - Constituição de 1946.
- Ditadura Militar (1964-1985)- Constituição de 1967.
- Nova República (1985 até hoje) - Constituição de 1888.
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ARQUIVO NACIONAL. Constituição de 1891. In: Dicionário da Primeira República. Mapa de Documentos da Primeira República. Disponível em: https://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-primeira-republica/938-constituicao-de-1891. Acesso em: 11 nov. 2024.