Se solto em 2028, Maníaco do Parque voltará a matar, alerta promotor do caso
Segundo Edilson Mougenot Bonfim, a periculosidade de Francisco de Assis Pereira é incorrigível.
Da Redação
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Atualizado às 17:06
Francisco de Assis Pereira, o "Maníaco do Parque", foi condenado a quase 285 anos de prisão por crimes cometidos no fim dos anos 90, quando assassinou sete mulheres e violentou outras nove em São Paulo. Devido à legislação brasileira vigente na época, que limitava o tempo máximo de cumprimento de pena a 30 anos, há expectativa de que ele seja solto em 2028. Esse possível cenário trouxe à tona discussões sobre a periculosidade do réu e a capacidade do sistema penal em lidar com casos extremos como esse. Em entrevista ao Migalhas, o promotor Edilson Mougenot Bonfim, responsável pela acusação no Tribunal do Júri, expôs suas reflexões sobre o caso e a legislação penal brasileira.
Mougenot Bonfim é autor de "O julgamento de um serial killer: o caso do Maníaco do Parque" e fundador da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais. Para o promotor, a natureza da psicopatia de Assis revela uma incapacidade de reabilitação. "Não sou eu com opinião pessoal, é a ciência que diz isso; é unânime na psiquiatria mundial que pessoas que sofram desse transtorno de personalidade antissocial, no mais alto grau, como o dele, que torna ele um serial killer, são incorrigíveis, incapazes de aprender pelo exemplo, incapazes de um juízo autocrítico, sincero e, portanto, incapazes de correção."
O promotor ressalta que a periculosidade de Assis só está contida enquanto ele estiver encarcerado. "Hoje ele não apresenta uma periculosidade porque o homem é ele e suas circunstâncias, e ele está preso com todo o policiamento ostensivo, está recluso, mas a partir do momento que, eventualmente, viesse a ganhar a liberdade, a personalidade dele seria a mesma, com o mesmo transtorno, e logo ali estaria presente o mesmo perigo e o mesmo risco", declarou Bonfim.
A legislação penal brasileira e o tratamento de seriais killers
Na visão de Bonfim, o atual sistema penal brasileiro não oferece medidas eficazes para impedir que criminosos de alta periculosidade retornem à sociedade. Ele considera que as mudanças no Código Penal de 1984 foram um "erro gravíssimo", pois substituíram o "sistema duplo binário" - que permitia que o condenado cumprisse uma pena e, caso mantivesse a periculosidade, fosse submetido a uma medida de segurança - pelo "sistema vicariante", onde a escolha é feita entre a pena ou a medida de segurança.
"Em 1984, houve um erro gravíssimo a pretexto de humanizar-se as leis penais brasileiras", comentou o promotor, afirmando que esse erro impediu o Brasil de proteger adequadamente a sociedade. Bonfim citou outros países, como França e Estados Unidos, onde criminosos de alta periculosidade podem ser submetidos a períodos de detenção prolongados ou mesmo perpétuos, dependendo do grau de ameaça que representam.
Ele defende que a prisão perpétua seria uma solução mais eficaz para criminosos como Assis, que, segundo Bonfim, não apresentam condições para a reintegração. "A prisão perpétua, neste caso, seria inclusive um respeito ao princípio da dignidade humana em favor dele... cedo ou tarde ele fará danuras ou, e provável que isso possa vir a acontecer, alguém o mate", argumentou. Ele relembrou o caso do "Bandido da Luz Vermelha", que foi assassinado após ser solto, como um exemplo das consequências de deixar criminosos de alto risco fora do cárcere.
Desafios e a atuação no Tribunal do Júri
O promotor Bonfim enfrentou diversos desafios ao acusar Assis no Tribunal do Júri, incluindo a necessidade de esclarecer o conceito de "serial killer", até então pouco conhecido no Brasil. Para embasar sua atuação, Bonfim se dedicou a estudos internacionais sobre o tema, realizando pesquisas fora do país e se debruçando sobre a literatura psiquiátrica estrangeira. "Eu precisei viajar para vários países e comecei paulatinamente a me imergir numa doutrina e numa literatura que o Brasil desconhecia", relatou.
Outra dificuldade foi corrigir um equívoco linguístico amplamente disseminado pela mídia, que atribuía a Assis o termo "maníaco". "Ao se dizer que alguém é maníaco, leva-se à população leiga a ideia de que alguém é doente e, portanto, isento de pena." Bonfim destacou que o transtorno de personalidade antissocial, apesar de grave, não configura uma doença mental isentadora de pena, segundo o Código Internacional de Doenças.
"Maníaco do Parque" no cinema e a realidade dos fatos
O caso ganhou repercussão recentemente com o lançamento do filme "Maníaco do Parque", no qual o ator Silvero Pereira interpreta o serial killer. Embora Bonfim reconheça o valor do filme para manter a discussão pública sobre o tema, ele considera que a obra é insuficiente para ilustrar a gravidade dos crimes e a complexidade do trabalho de investigação e julgamento.
Bonfim mencionou que, enquanto o longa se foca em personagens fictícios, a realidade dos crimes de Assis e o trabalho de investigação realizados à época eram muito mais impactantes. Contudo, ele reconheceu que o filme desperta um debate importante: a necessidade de repensar medidas legislativas para casos de extrema periculosidade, como o de Assis, onde o promotor vê a prisão perpétua como uma solução mais segura e justa tanto para o réu quanto para a sociedade.
Assista ao trailer do filme: