Após maioria formada, STF reiniciará em plenário físico caso de revista íntima em prisão
Colegiado tinha maioria de 6 a 4, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vista, reiniciando o julgando e mandando para plenário físico.
Da Redação
sexta-feira, 18 de outubro de 2024
Atualizado às 17:55
O STF tinha maioria de 6 a 5, pela inadmissibilidade da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos prisionais, vedando, sob qualquer forma ou modo, o desnudamento de visitantes e a inspeção de suas cavidades corporais.
O caso parecia resolvido, mas o ministro Alexandre de Moraes pediu destaque, mandando o caso para plenário físico. Quando isso acontece, o caso é reiniciado no julgamento presencial, mantendo os votos dos ministros aposentados. Neste caso, apenas o voto de Rosa Weber pela impossibilidade da revista vexatória será mantido.
Entenda
A questão é objeto do ARE 959.620, com repercussão geral (Tema 998), e servirá de base para a resolução de, pelo menos, 14 casos semelhantes sobrestados em outras instâncias.
O recurso foi interposto pelo MP/RS contra decisão do TJ/RS, que absolveu da acusação de tráfico de drogas uma mulher que levava 96 gramas de maconha no corpo para entregar ao irmão, preso no Presídio Central de Porto Alegre.
Segundo o Tribunal gaúcho, a prova foi produzida de forma ilícita, em desrespeito às garantias constitucionais da vida privada, da honra e da imagem, pois a visitante foi submetida ao procedimento de revista vexatória no momento em que ingressava no sistema para realizar visita ao familiar detido.
Ofensa à dignidade humana
Em seu voto antes do pedido de destaque, o ministro Fachin assinalou que as provas obtidas a partir de práticas vexatórias, como o desnudamento de pessoas, agachamento e busca em cavidades íntimas, por exemplo, devem ser qualificadas como ilícitas, por violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais à integridade, à intimidade e à honra.
O ministro observou que, de acordo com a lei 10.792/03, que alterou a lei de execução penal (lei 7.210/84) e o CPP, o controle de entrada nas prisões deve ser feito com o uso de equipamentos eletrônicos como detectores de metais, scanners corporais, raquetes e aparelhos de raios-X. A ausência desses equipamentos, para o ministro, não justifica a revista íntima.
Fachin considera que as revistas pessoais são legítimas para viabilizar a segurança e evitar a entrada de equipamentos e substâncias proibidas nas unidades prisionais. No entanto, é inaceitável que agentes estatais ordenem a retirada de roupas para revistar cavidades corporais, ainda que haja suspeita fundada.
De acordo com o relator, a busca pessoal, sem práticas vexatórias ou invasivas, só deve ser realizada se, após o uso de equipamentos eletrônicos, ainda houver elementos concretos ou documentos que justifiquem a suspeita do porte de substâncias ou objetos ilícitos ou proibidos. Segundo ele, isso é necessário para permitir o controle judicial e a responsabilização civil, penal e administrativa nas hipóteses de eventuais arbitrariedades.
S. Exa. salientou que, na maioria dos Estados, as revistas íntimas para ingresso em unidades prisionais foram abolidas, inclusive com regulamentação local. Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, colhidos de 2010 a 2013, ficou constatada a reduzida quantidade de itens proibidos apreendidos em procedimentos de revista íntima, em comparação com o material ilícito recolhido na fiscalização das celas. Segundo a secretaria, em apenas 0,03% das revistas foram encontrados objetos ilícitos.
Provas ilícitas
Em relação à licitude da prova, o ministro votou pela manutenção do acórdão do TJ/RS, que anulou a condenação da mulher. Ele observou que a revista foi realizada após "denúncia anônima", fórmula usual para justificar a realização do procedimento.
Os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber (aposentada), Gilmar Mendes e Cármen Lúcia acompanharam o relator.
- Leia o voto do relator.
O ministro Fachin ainda incorporou ao seu voto sugestão de modulação do ministro Gilmar Mendes. Assim, considerou que a prova obtida a partir da revista é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos, ressalvando-se as decisões proferidas e transitadas em julgado até a data do julgamento. Ainda, conferiu o prazo de 24 meses, a contar da data do julgamento, para aquisição e instalação de equipamentos como scanners corporais, esteiras de raio X e portais detectores de metais.
O ministro Cristiano Zanin também acompanhou o relator, com a ressalva de que, até que os estabelecimentos adquiram os equipamentos, é permitida a revista não vexatória.
Ficou proposta, então, a seguinte tese de repercussão geral:
"É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais. A prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos, ressalvando-se as decisões proferidas e transitadas em julgado até a data deste julgamento. Confere-se o prazo de 24 meses, a contar da data deste julgamento, para aquisição e instalação de equipamentos como scanners corporais, esteiras de raio X e portais detectores de metais."
Divergência
Ministro Alexandre de Moraes, antes de pedir destaque, divergiu do relator, ao entender que nem toda revista íntima pode ser automaticamente considerada abusiva, vexatória ou degradante. Segundo ele, em casos excepcionais, essa revista, embora invasiva, pode ser realizada, desde que em situações específicas e que os agentes do Estado sigam um protocolo rigoroso, para não impor o visitante a situações degradantes.
O ministro também entendeu que as provas obtidas não são automaticamente ilícitas, e devem ser analisadas caso a caso pelo juiz, para verificar se houve excesso.
Segundo o ministro, o procedimento não deve ser realizado de forma generalizada. A revista deve ser feita por pessoas do mesmo gênero e, caso haja necessidade de contato físico invasivo, por médicos. De acordo com Moraes, não pode haver compulsoriedade, mas a administração penitenciária pode vedar a entrada do visitante que não concordar em ser revistado.
No caso concreto, o ministro votou pela manutenção da decisão do TJ/RS, mas por outro fundamento: o fato de o interrogatório da ré ter sido realizado antes da oitiva das testemunhas de acusação.
Por fim, propôs a seguinte tese:
"A revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, devidamente motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada com protocolos preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos, nas hipóteses de exames invasivos. O excesso ou abuso na realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita."
Seguiram o voto divergente os ministros Nunes Marques, Dias Toffoli e André Mendonça.
- Leia o voto de Moraes.
Após maioria formada, o ministro pediu destaque, reiniciando o julgamento.
- Processo: ARE 959.620