STJ: Inércia em contestar reajuste abusivo não fere boa-fé objetiva
Colegiado considerou inválida a aplicação da supressio em favor da parte que cometeu abuso de direito.
Da Redação
terça-feira, 15 de outubro de 2024
Atualizado às 12:34
Para a 3ª turma do STJ, a inércia em contestar um reajuste abusivo de contrato não constitui, por si só, uma violação ao princípio da boa-fé objetiva, mesmo que muitos anos tenham se passado sem manifestação, e ainda que uma confissão de dívida tenha sido assinada.
Assim, não é possível validar o contrato com base em uma suposta supressio em favor da parte que inicialmente praticou abuso de direito.
Com esse entendimento, o colegiado acolheu o pedido de uma empresa alimentícia, reconhecendo que a fornecedora de gás natural cobrou valores ilegalmente, aplicando reajustes muito superiores ao índice oficial de variação de energia elétrica no Paraná.
O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso, afirmou que a supressio "exige que as circunstâncias subjacentes ao negócio jurídico sejam idôneas, de modo que a parte que violou inicialmente os limites da boa-fé objetiva não pode se beneficiar da subsequente inação da parte contrária por um certo período quanto ao exercício de um direito".
Comportamento contraditório da autora
Em ação revisional de contrato, com pedido de devolução de valores pagos indevidamente, o juízo de primeira instância deu razão à contratante e determinou que os preços fossem recalculados com base no reajuste anual de acordo com os índices do mercado cativo de energia elétrica. Além disso, ordenou a devolução dos valores pagos a mais durante o contrato.
O TJ/PR, no entanto, reformou a sentença, alegando que o cálculo usado seria compreensível e que o contrato foi mantido por mais de cinco anos sem reclamação, indicando um comportamento contraditório da contratante, o que ofenderia o princípio da boa-fé contratual.
Fornecedora de gás natural
Com base nas informações da sentença, Bellizze identificou que a cláusula de reajuste do contrato de fornecimento de gás não era clara, pois a fórmula utilizada não estava expressamente prevista, o que prejudicava a contratante.
Por essa razão, segundo o ministro, a fornecedora não pode alegar uma expectativa legítima de que o reajuste não seria questionado.
"Afinal, se até uma cláusula expressa no contrato pode ser contestada, podendo ser anulada por abusividade, quanto mais uma conduta prejudicial da contraparte, que, ao se valer de uma cláusula com conteúdo aberto, extrapolou os limites da sua discricionariedade, agindo apenas em benefício próprio", observou o relator.
Bellizze destacou que a fornecedora agiu contra a boa-fé objetiva ao adotar um critério unilateral de reajuste, claramente prejudicial à contratante.
"Portanto, não sendo idônea essa situação, é inaplicável a supressio à autora, que, apesar da inércia em buscar a correção antes, não perdeu o direito de impugnar a cobrança abusiva", concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial e restabelecer a sentença.
- Processo: REsp 2.030.882
Leia a decisão.
Com informações do STJ.