Ministros do STF divergem sobre novo Júri em absolvição por clemência
Julgamento será retomado na próxima sessão de quarta-feira, 2 de outubro.
Da Redação
quinta-feira, 26 de setembro de 2024
Atualizado em 27 de setembro de 2024 08:15
O STF voltou a julgar, nesta quinta-feira, 26, se uma corte de segunda instância pode determinar um novo julgamento pelo tribunal do Júri (Júri popular), mesmo após a absolvição do réu com base em quesito genérico, sem fundamentação clara, motivada por razões como clemência, piedade ou compaixão, e em possível contrariedade às provas apresentadas.
O ministro Gilmar Mendes votou pela soberania plena dos jurados, incluindo a absolvição por clemência.
Já o ministro Edson Fachin, abrindo divergência, entendeu que esse poder deve ser limitado quando confrontado com crimes hediondos, que possuem tratamento constitucional mais rigoroso.
O ministro Alexandre de Moraes seguiu o voto de Fachin.
Julgamento será retomado na próxima sessão de quarta-feira, 2 de outubro.
Por meio da ARE 1.225.185, a matéria possui repercussão geral reconhecida (tema 1.087). A tese estabelecida deverá orientar decisões em tribunais de todo o país.
O julgamento já tinha iniciado no plenário virtual e foi reiniciado no plenário presencial em razão de pedido de destaque.
Quesito genérico
O CPP determina que os jurados respondam a três perguntas: se houve o crime, quem foi o autor e se o réu deve ser absolvido. A absolvição com quesito genérico ocorre quando o Júri responde afirmativamente à terceira pergunta, sem justificativa específica e contra as provas apresentadas, mesmo reconhecendo o crime e sua autoria.
Essa decisão pode ser influenciada por compaixão ou piedade.
Caso concreto
No caso analisado, o Conselho de Sentença (jurados responsáveis pela decisão) reconheceu que um homem tentou cometer homicídio, mas o absolveu, considerando que a vítima havia assassinado o enteado do réu. O TJ/MG negou o recurso interposto pelo Ministério Público estadual.
Segundo o TJ/MG, o princípio da soberania do Júri só permite revisão quando houver erro evidente ou grave discrepância. O tribunal também destacou que a absolvição por quesito genérico é compatível com o sistema de íntima convicção usado pelo Júri popular.
O MP/MG recorreu ao STF, argumentando que a decisão do Júri contraria as provas. Sustenta que absolvições motivadas por clemência são ilegais e incentivam a vingança e a justiça pelas próprias mãos.
Manifestações da parte
Representantes do Ministério Público de Minas Gerais, São Paulo e da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público manifestaram-se contra limitar a reforma de decisões do Júri nesses casos. Para eles, a soberania do Júri não pode se sobrepor a princípios constitucionais como o direito à vida.
Por outro lado, o Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais, o Movimento de Defesa da Advocacia e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa defendem que rever absolvições baseadas em quesito genérico viola a soberania do Júri.
Confira os detalhes das manifestações aqui da última sessão.
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, representando a ABGLT - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais e GADvS - Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, argumentou que permitir absolvições sem critérios claros, baseadas em clemência, legitima preconceitos e crimes de ódio contra minorias.
O causídico destacou que essa prática pode naturalizar a violência, como no caso do feminicídio, e ressaltou a importância de que as decisões do júri sejam fundamentadas com base nas provas apresentadas.
Já a defensora pública da União, Tatiana Mendes Soares Bachega, defendeu a soberania do Tribunal do Júri, afirmando que ele representa a participação democrática e que suas decisões, mesmo sem justificativa, devem ser respeitadas.
Argumentou que a absolvição por clemência faz parte do sistema e não viola tratados internacionais, pois o direito ao recurso é garantido ao acusado, não ao órgão acusador.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, defendeu que a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri deve ser respeitada, mas ressaltou que as decisões precisam estar conforme as provas dos autos.
Gonet afirmou que, após o júri reconhecer a ocorrência do fato e a autoria, uma absolvição só pode ser aceita se tiver fundamento nos elementos apresentados no processo, como a legítima defesa.
O procurador alertou que permitir absolvições sem conexão com as provas abriria brechas para fraudes, especialmente em casos graves, como feminicídios e crimes cometidos por facções criminosas.
Voto do relator
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, em seu voto, defendeu a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri, afirmando que, conforme o art. 483 do CPP, o júri pode absolver o réu sem necessidade de justificativa detalhada.
Para ele, o sistema foi estruturado dessa forma pela legislação e não há violação do contraditório ou da paridade de armas.
Gilmar ressaltou que "não se pode admitir recurso da apelação por decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos", quando a absolvição se baseia no quesito genérico.
"Não há, por conseguinte, como se perquirir manifesta contrariedade à prova dos autos em decisão não necessariamente orientada por fatos e provas, razão pela qual a absolvição fundada no terceiro quesito não pode ser objeto de recurso de apelação".
O ministro afirmou que, embora o sistema permita a absolvição por clemência, essa liberdade não significa que o júri possa desconsiderar completamente as provas, mas a decisão dos jurados deve prevalecer quando há uma mínima conexão com os fatos do processo.
Veja parte do voto do relator:
No caso concreto, o ministro afirmou que a absolvição dos jurados baseada no quesito genérico não pode ser revista por apelação, mantendo assim a decisão do TJ/MG.
Por fim, o relator fixou a seguinte tese:
"Viola a soberania dos veredictos a determinação, por Tribunal de 2º grau, de novo júri, em julgamento de recurso interposto contra absolvição assentada no quesito genérico, ante suposta contrariedade à prova dos autos (art. 593, III, d, CPP), de modo que, nessa hipótese, não é cabível apelação acusatória com base em tal fundamento. Ficam ressalvadas as hipóteses de absolvição em casos de feminicídio, quando, de algum modo, seja constatado que a conclusão dos jurados se deu a partir da tese da legítima defesa da honra (ADPF 779)".
Na sessão virtual, o ministro Celso de Mello (aposentado) havia acompanhado o relator.
Voto divergente
Já o ministro Edson Fachin, divergiu do relator, argumentando que a soberania dos veredictos do júri não é absoluta e que deve haver controle judicial mínimo sobre as decisões, especialmente em casos de crimes hediondos.
Fachin destacou que, embora o júri tenha a prerrogativa de absolver o réu com base em clemência, essa decisão não pode contrariar princípios constitucionais, como no caso de crimes hediondos, que são insuscetíveis de graça, anistia ou perdão.
"O controle mínimo de racionalidade é necessário para evitar que a participação democrática do júri se transforme em arbítrio."
Segundo ele, a concessão de clemência pelo júri em crimes hediondos, como o homicídio qualificado, não encontra respaldo constitucional, uma vez que esses crimes não podem ser beneficiados por atos de perdão, nem mesmo pelo Tribunal do Júri.
Já sobre o caso concreto, Fachin defendeu que a absolvição do réu deveria ser revista e que o réu deveria ser submetido a um novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
Por fim, propôs a tese:
"É compatível com a garantia da soberania dos vereditos do Tribunal do Júri a decisão do Tribunal de Justiça que anula a absolvição fundada em quesito genérico, desde que inexistam provas que corroborem a tese da defesa ou desde que seja concedida clemência a casos que, por ordem constitucional, são insuscetíveis de graça ou anistia."
O ministro Alexandre de Moraes seguiu o voto de Fachin, com pequena divergência na tese.
- Processo: ARE 1.225.185