Ator é despejado de mansão que alega ser único bem; houve ilegalidade?
Especialista em Direito Imobiliário, o advogado André Abelha esclarece questões como bem de família e preço vil.
Da Redação
terça-feira, 17 de setembro de 2024
Atualizado às 19:09
O ator Mário Gomes, de 71 anos, publicou um vídeo nas redes sociais afirmando que foi despejado da casa onde morava com a família, no Rio de Janeiro. A casa era habitada pela família desde 2002, mas a mansão foi leiloada para pagar dívidas trabalhistas.
De acordo com o jornal Extra, o imóvel, que tem vista para o mar e acesso a uma praia, teria sido avaliado em R$ 20 milhões, mas foi arrematado por R$ 720 mil.
Em vídeo publicado nas redes sociais, o galã dos anos 70 afirmou que a medida judicial é "inconstitucional", já que a casa seria seu único bem, e escreveu na parede: "não vou sair".
A situação põe em debate questões jurídicas. Sendo o único imóvel do ator, como ele alega, a medida judicial seria ilegal? E quanto ao preço de venda do imóvel, que seria muito inferior ao valor pelo qual o bem foi supostamente avaliado?
Para entender melhor questões envolvendo a penhorabilidade de bens, entrevistamos o advogado e especialista em Direito Imobiliário André Abelha.
Longo processo
Acerca do imbróglio envolvendo o ator, vale observar que a batalha judicial que culminou no despejo já dura quase 20 anos (começou em 2005) e é formada por um emaranhado de processos relacionados a uma dívida trabalhista de uma antiga confecção que o ator tinha no Paraná.
Naquela época, o ator se desfez da empresa e ficou devendo salários a 84 funcionárias. A dívida, na ocasião, seria de R$ 923 mil. Para que quitasse a quantia devida, a Justiça do Trabalho determinou em 2011 que o imóvel fosse para leilão. Além disso, o ator também acumulava dívida de IPTU, que já ultrapassava R$ 100 mil.
Levantam-se, aí, duas principais questões ligadas ao leilão do imóvel: a questão do preço vil (o imóvel teria sido vendido por valor abaixo do que valia), e a questão da penhora do bem de família.
Preço vil?
Quanto ao primeiro item, o advogado André Abelha esclarece que, de acordo com o processo, a penhora do bem ocorreu 16 anos atrás (em 2008), quando havia, no terreno, uma construção iniciada e paralisada. Há 14 anos, a avaliação do bem, que considerava apenas a obra inacabada, era de R$ 1,5 milhão.
O leilão ocorreu em 2011, ou seja, 13 anos atrás, e a arrematação, ocorrida em segunda praça, foi feita por R$ 720 mil (48% da avaliação).
André Abelha explica que, à época, vigorava o CPC/73, que não estabelecia o atual piso de 50% (previsto no CPC/15), e o edital dizia que, no segundo leilão, o bem seria vendido para "quem der mais".
Então, seja porque à época a lei não trazia o requisito dos 50%, seja porque a diferença é de apenas 2% do percentual exigido, o advogado avalia que não há que se falar em nulidade em razão do preço vil.
Bem de família?
Quanto à alegação do ator de que se trata de "único bem", e que portanto seria considerado um bem de família impenhorável, o advogado observou que, no processo, ficou provado que, na época da penhora, em 2008, o ator não residia no imóvel e possuía outra casa. "Assim, não sendo o imóvel sua residência, nem seu único bem, não havia impedimento à penhora", explicou André Abelha.
Se, na época da penhora (2008) e da avaliação (2010), a casa ainda estava em obras, e se o leilão aconteceu já no ano seguinte (2011), fica claro que as obras prosseguiram e foram concluídas com a ciência da penhora e da avaliação, e possivelmente até mesmo após o leilão.
"Seja como for, era um contexto de alto risco, que o Sr. Mario na época acabou assumindo, não se sabe com que grau de consciência, mas o fato é que, sob o aspecto legal, a despeito de toda a angústia pela qual a família possa hoje estar passando, não me parece ter havido ilegalidade na condução do processo."
André Abelha também pontua que a arrematante, uma associação de servidores, desembolsou os R$ 720 mil 13 anos atrás, e nunca conseguiu a imissão na posse.
Impenhorabilidade do bem
Sobre o bem de família, o advogado ainda ressalta os seguintes pontos:
- o art. 1º da lei 8.009/90 estabelece que "o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável";
- o art. 5º complementa, ao considerar como residência "um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente", e que existindo "vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis"
O advogado esclarece que isso significa duas coisas: em primeiro lugar, é equivocada a interpretação, não rara na jurisprudência, e ocorrida no caso do Sr. Mario, pela qual a impenhorabilidade é automaticamente afastada se o devedor é proprietário de mais de um imóvel. "Isso é simplesmente absurdo. A lei não prevê o requisito de imóvel único, somente diz que apenas um será impenhorável. Então, você pode ter vários imóveis, todos penhoráveis, mas não a sua residência, com a exceção a seguir."
Se, porém, mais de um dos seus imóveis é utilizado como residência, neste caso, somente a residência de menor valor será impenhorável. Ou seja, se sua residência principal vale mais, e você quer evitar risco de penhora, é necessário instituir o bem de família voluntário (art. 1.711 do CC) e registrá-lo na matrícula do imóvel. E isso somente será possível se o valor do imóvel não ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido ao tempo da instituição.