"Da cadeia se sai, do cemitério não", diz advogado dos familiares da Kiss
Defensor comentou decisão do ministro Dias Toffoli que validou o Júri da boate Kiss anulado pelo TJ/RS em agosto de 2022.
Da Redação
terça-feira, 10 de setembro de 2024
Atualizado às 07:27
Após anos de uma batalha judicial que parece interminável, a recente decisão do ministro Dias Toffoli, que validou o Júri que julgou os responsáveis pela tragédia da Boate Kiss reacendeu o debate sobre a Justiça no Brasil.
Paulo Carvalho, pai de uma das 242 vítimas do incêndio ocorrido em Santa Maria/RS, afirmou que o caso se tornou um símbolo de impunidade e ineficácia judicial, em que, mesmo com evidências claras, os responsáveis ainda não foram devidamente punidos.
"Entendemos que a tragédia, uma das maiores do mundo, a 3ª em número de vítimas em ambientes estruturais (edificáveis), foi o único país dessas grandes tragédias a não responsabilizar seus autores. Até então."
Com a recente validação do Júri, Carvalho afirmou que a decisão de Toffoli dá um norte para a luta das famílias. Porém, ele se diz indignado diante das declarações de causídicos que consideram o caso "complexo".
"Ler de advogados que o caso é complexo é algo inadmissível. Mostra o quanto não conhecem o caso e o quanto não têm o entendimento do significado de casos emblemáticos. Não existe nenhuma justificativa para as mortes secundárias de familiares. Esse, que deveria ser o exemplo para que outras tragédias não se sucedam, se tornou o péssimo exemplo."
Defesa das famílias
Segundo o advogado da AVTSM - Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Pedro Barcellos Jr., a decisão do ministro do STF, que reafirmou a soberania do Júri de 2021, foi recebida com satisfação, porém sem comemoração, dado o contexto doloroso do caso.
"A decisão que veio semana passada no STF, exarada pelo ministro Dias Toffoli, foi bem-vista pelos olhos da associação. Essa era a nossa ideia: que o julgamento ocorrido em Porto Alegre, em 2021, fosse mantido. Sempre foi essa a ideia, e que após a manutenção deste Júri, seguissem os próximos passos, que seria o julgamento das apelações", afirmou Barcellos.
O advogado explicou que a defesa dos réus alegou nulidades no processo, como a reunião do magistrado com os jurados e questões relacionadas ao sorteio destes, mas que o STF afastou essas alegações por preclusão.
"A gente entende os defensores, que estão no direito deles de resguardar as garantias dos defendidos, mas também entendemos que, como um dos princípios basilares do Júri é a soberania dos vereditos, sempre acreditamos que deveria ser mantido."
Ele destacou que, embora os réus tenham o direito de recorrer, a associação das famílias das vítimas sempre acreditou na validade do Júri e no julgamento de 2021. Para o advogado, a recente decisão do STF coloca o processo de volta nos trilhos, ainda que o sofrimento das famílias continue.
"Processo sempre foi triste desde o início. Processo de Júri é assim, ninguém ganha, todo mundo perde. Uns perdem a liberdade, outros perdem a vida", disse Barcellos, refletindo sobre os desafios enfrentados ao longo dos quase 12 anos de luta.
Segundo o causídico, todas as partes saem lesadas do tribunal.
"É complicado para a família deles demais, mas também do lado da associação, os pais perderam os filhos, irmãos perderam os irmãos, filhos perderam os pais. Porém, a gente entende que da cadeia se sai, do cemitério não."
Debates paralelos
Barcellos Jr. fez um apelo à mídia e à sociedade para que respeitem a dor das famílias, pedindo que o processo não seja debatido nas redes sociais de maneira irresponsável.
"Não machuquem mais os pais. Estou há quase dez anos com eles, com a associação, e vejo o quanto é triste perder um filho e o quanto é triste não ser compreendido ou ser julgado quando você deveria ser protegido, ser abraçado. Então é isso que eu peço: só respeitem os pais. Podem atacar a mim, atacar o advogado, não tem problema nenhum dizer que tudo está errado, mas respeitem eles. Só isso que eu peço."
Para ele, a prioridade agora é que o processo tenha um fim, tanto para os réus quanto para as famílias.
"Precisamos resolver. Essa é a palavra de agora. Precisamos resolver. A gente precisa dar um fim a esse processo."
Ele também mencionou que os réus, que atualmente estão presos, também aguardam uma definição.
"Os réus também precisam de uma definição. Tem que haver coerência num momento desses."
Agora, as famílias aguardam o retorno do processo à 1ª câmara Criminal de Porto Alegre para a continuidade do julgamento das apelações e, quem sabe, uma resolução definitiva.
Veja a entrevista: