STF analisa se multa de 150% aplicada pela Receita é confiscatória
Ministro Dias Toffoli, relator, propôs reduzir a multa para 100% do débito tributário.
Da Redação
quinta-feira, 5 de setembro de 2024
Atualizado às 18:21
Nesta quinta-feira, 5, STF começou a analisar se multa fiscal de 150% aplicada pela Receita Federal por sonegação, fraude ou conluio, tem caráter confiscatório.
Antes do pedido de destaque feito pelo ministro Flávio Dino, o relator, ministro Dias Toffoli havia proferido voto no plenário virtual. S. Exa. havia sido acompanhada pelo ministro Alexandre de Moraes.
Toffoli havia se manifestado pelo provimento do RE para reduzir a multa qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio para 100% do débito tributário, e entendeu que devem ser restabelecidos os ônus sucumbenciais fixados na sentença.
Nesta tarde, os ministros ouviram sustentação oral da Fazenda Nacional e manifestações de amici curiae.
Caso
O processo discute o caso de um posto de combustível localizado em Camboriú/SC, multado pela Receita no percentual de 150% sob o entendimento de que ele compunha grupo econômico com outras empresas e postos.
Segundo o entendimento do Fisco, quando a separação de estruturas não passa de formalismo para não pagar tributos, há configuração de fato tendente à sonegação fiscal, aplicando-se a multa.
O recurso questiona decisão do TRF da 4ª região que entendeu válida a multa no percentual de 150%, nos termos da lei 9.430/96. O posto alega que o acórdão violou o art. 150, IV, da CF, que veda a utilização de tributo com efeito de confisco.
Fazenda
A procuradora da Fazenda Nacional, Luciana Miranda Moreira, em sustentação oral, afirmou que a nova legislação do CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais restringe a aplicação da multa qualificada por sonegação, conluio ou fraude ao patamar de 100%. Assim, a penalidade de 150% fica reservada apenas a casos de reincidência.
Segundo a procuradora, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional entende que há retroatividade deste novo limite e ultratividade no que se refere à multa de 150% nos casos de reincidência.
Assim, todos os julgamentos pendentes sobre a multa de 150% serão ajustados automaticamente para 100%, sendo que a penalidade mais elevada só se aplicará a reincidências ocorridas após a entrada em vigor da lei de 2023.
No caso específico discutido, o RE busca reduzir a multa de 150% para 30%, mas a retroatividade já aplicada limita o debate ao intervalo entre 30% e 100%.
A procuradora mencionou que o STF já possui precedentes que sustentam a constitucionalidade da multa de 100%, citando a referência feita pelo ministro Alexandre de Moraes no tema 816.
Luciana Miranda Moreira ainda ressaltou a importância de um juízo de proporcionalidade entre a multa aplicada e a gravidade da infração, sob pena de se perder a capacidade de inibição dessas condutas.
Afirmou que quanto maior a reprovabilidade, maior deve ser o percentual da multa. Para ela, infrações como sonegação, conluio e fraude são as mais graves e causam danos não só ao fisco, mas também aos contribuintes que cumprem suas obrigações, gerando uma distorção na aplicação equitativa do direito.
Por fim, a procuradora reforçou que a União defende uma resposta estatal vigorosa e efetiva, de forma a desestimular economicamente condutas ilícitas, garantindo que o risco da infração não valha a pena.
Proporcionalidade
Representando o amicus curiae Abag - Associação Brasileira do Agronegócio, a advogada Fernanda Ramos Pazello, da banca TozziniFreire Advogados, defendeu a inconstitucionalidade da multa de 150% sobre o valor do tributo supostamente devido em casos de sonegação, fraude ou conluio.
Segundo a advogada, cabe ao STF avaliar se há efeitos confiscatórios de forma abstrata, ressaltando que a jurisprudência da Corte já vem analisando esse tipo de situação, como na ADIn 1.075, em que foi suspensa a aplicação de uma multa punitiva de 300%.
A advogada destacou que o próprio reconhecimento de repercussão geral em temas relacionados a multas fiscais demonstra a preocupação com o impacto dessas penalidades.
Ela questionou a constitucionalidade das multas fiscais elevadas, afirmando que o contribuinte se pergunta se é justo que a multa seja superior ao tributo devido e quais são as balizas constitucionais para evitar que o Estado se aproprie indevidamente de valores.
Fernanda Pazello citou o art. 150, IV, da CF, que proíbe a utilização de tributos com efeito de confisco, e ressaltou que esse princípio também se aplica a multas fiscais, conforme o disposto no art. 113 do CTN. Ela mencionou precedentes do STF, como na ADIn 551 e nos recursos extraordinários 833.106 e 754.554, que reafirmam que multas não podem exceder o valor do tributo principal.
A advogada argumentou que a multa deve ser proporcional à infração, para não ser tão branda a ponto de enfraquecer a eficácia da norma, mas também não pode ser excessivamente severa, comprometendo a Justiça.
Segundo ela, o critério da razoabilidade e da proporcionalidade deve ser analisado sob três aspectos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Ademais, ressaltou que a multa de 150% é desproporcional, pois infrações como sonegação, fraude e conluio já configuram crimes, punidos severamente pelas leis 4.729/65 e 8.137/90, que tratam de crimes contra a ordem tributária.
Ela concluiu que a imposição de uma multa nesse patamar representa dupla punição ao contribuinte, que paga uma multa superior ao tributo devido e ainda se sujeita à punição na esfera criminal.
Por fim, a advogada pediu o provimento do recurso e a fixação de uma tese que considere os limites impostos pela legislação complementar, respeitando os princípios do não confisco, da proporcionalidade e da razoabilidade, sem modulação de efeitos, dado o entendimento já consolidado de que o limite da multa não pode exceder o valor do tributo.
Bons e maus contribuintes
Representando o amicus curiae Abradt - Associação Brasileira de Advocacia Tributária, o advogado Breno Ferreira Martins Vasconcelos criticou a postura das administrações tributárias no Brasil, que, segundo ele, ainda apostam na punição, em contraste com países democráticos que têm adotado uma abordagem baseada na confiança e orientação dos contribuintes, conforme apontado pelo ministro Dias Toffoli.
Apresentou dados de um relatório da FGV que mostram a aplicação de multas qualificadas em âmbito Federal, destacando que, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2021, 49,7% dos casos julgados pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, última instância administrativa Federal, resultaram no cancelamento da multa qualificada.
Ele também ressaltou o aumento expressivo dessas multas nos últimos anos. Em quase uma década, a quantidade de multas qualificadas cresceu 70% e o valor total aumentou 112%, enquanto as multas de ofício comuns cresceram apenas 10% em quantidade e 23% em valor.
Para Vasconcelos, as multas qualificadas passaram a ser a regra no Brasil, sendo frequentemente aplicadas em situações de divergência de interpretação de leis em um sistema tributário extremamente complexo. Ele enfatizou que a associação não defende sonegadores, mas que é preciso distinguir entre bons e maus contribuintes, algo que o sistema atual ainda não consegue fazer adequadamente.
O advogado mencionou que o projeto de lei sobre devedores contumazes, que visa criar instrumentos para separar contribuintes de boa-fé dos sonegadores, está em tramitação no Congresso Nacional. Além disso, criticou a ideia de Estados e municípios se valerem da legislação Federal sem a publicação de uma LC de caráter nacional, como sugerido por Toffoli, apontando que isso seria ilegal e uma violação ao princípio da legalidade.
Vasconcelos também sugeriu que, caso prevaleça a possibilidade de tomar de empréstimo a legislação Federal, que se aplique o § 1º, c, do art. 44 da lei 9.430/96, que prevê a qualificação da multa somente quando houver conduta dolosa configurada e individualizada. Por fim, defendeu que, em relação à modulação dos efeitos, os fatos geradores não autuados estejam previstos como ressalva.
Jurisprudência consolidada
Representando o amicus curiae Abia - Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, o advogado Bruno Rodrigues Teixeira de Lima, da banca TozziniFreire Advogados, destacou a continuidade da jurisprudência do STF, que, desde 1998, entende necessário limite às multas punitivas.
Ele mencionou o primeiro caso relevante, a ADIn 1.075, relatada pelo ministro Celso de Mello (atualmente aposentado), que afastou a aplicação de uma multa de 300% do crédito tributário prevista na lei 8.846/94, que tratava da não emissão de nota fiscal, considerada sonegação. No entanto, ressaltou que embora a norma tenha sido afastada, não foi estabelecido um limite para as multas.
Também lembrou a ADIn 551, na qual o STF afastou dispositivos dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias do Estado do Rio de Janeiro que permitiam ao Executivo impor multas punitivas de 200% em casos não envolvendo sonegação, e de até 500% em casos de crime tributário.
O advogado reforçou a necessidade de o STF fixar limite definitivo para multas punitivas, mencionando nota técnica do FMI - Fundo Monetário Internacional que sugere limitação de 75% para multas em casos comuns, e de 25% adicionais para reincidência, inclusive em situações de sonegação.
Para o causídico é essencial que a Corte estabeleça e mantenha esse limite, mesmo que o Congresso Nacional venha a editar LC, a fim de preservar a jurisprudência e evitar novos debates sobre o tema.
Além disso, ele alertou que a modulação dos efeitos das decisões não seria recomendada nesse contexto, já que a questão envolve jurisprudência consolidada, não sendo viável a limitação de efeitos retroativos.
Voto do relator
Ministro Dias Toffoli, relator, manifestou-se pelo provimento do recurso extraordinário para reduzir a multa qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio para 100% do débito tributário, e entendeu que devem ser restabelecidos os ônus sucumbenciais fixados na sentença.
Para fins de repercussão geral, foi proposta a seguinte tese:
"Até que seja editada lei complementar federal sobre a matéria, a multa tributária qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio limita-se a 100% (cem por cento) do débito tributário, podendo ser de até 150% (cento e cinquenta por cento) do débito tributário caso se verifique a reincidência definida no art. 44, § 1-A, da lei 9.430/96, incluído pela lei 14.689/23."
Ele ainda propôs a modulação dos efeitos da decisão para passarem a valer daqui para frente, a partir da data da publicação da ata do julgamento de mérito, sem prejuízo de cada ente dispor de forma diversa, desde que de maneira mais favorável ao sujeito passivo.
- Veja a íntegra do voto.
O voto de Toffoli foi acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes.
- Processo: RE 736.090