STF: Para maioria, empresas de energia devem ressarcir ICMS a clientes
Pares divergem, entretanto, quanto ao prazo de prescrição para a cobrança dos valores pelos consumidores.
Da Redação
quarta-feira, 4 de setembro de 2024
Atualizado às 17:54
Em sessão plenária, nesta quarta-feira, 4, STF formou maioria para validar lei que determina a devolução a consumidores, por distribuidoras de energia elétrica, de valores cobrados a mais com a inclusão indevida do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins.
O caso, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, seria julgado no plenário virtual, mas pedido de destaque do ministro Luiz Fux o remeteu ao físico.
No ambiente virtual, o relator havia proferido voto pela validade da lei. S. Exa. reafirmou seu posicionamento nesta tarde e foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Flávio Dino, Nunes Marques e Gilmar Mendes.
Prescrição
Os pares divergiram, no entanto, quanto ao prazo prescricional para a cobrança dos valores pelo consumidor.
Para Moraes, Zanin e Nunes Marques o prazo seria de 10 anos, conforme disposto no art. 205 do CC. Ministros Luiz Fux e André Mendonça entendem pelo prazo quinquenal. Já ministro Flávio Dino, com base no art. 189 do CC, entende que não há prazo prescricional, mas considerou aderir ao posicionamento de Moraes, se necessário.
Veja o placar até o momento:
O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
Caso
Na ação, a ABRADEE - Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica questiona determinação de devolução, pelas distribuidoras, aos consumidores, de valores de PIS/Cofins recolhidos a mais pela inclusão indevida do ICMS na base de cálculo das contribuições.
A ação é movida contra a lei 14.385/22, que alterou a lei 9.427/96, atribuindo à Aneel a responsabilidade de destinar aos consumidores os valores de tributos indevidamente recolhidos pelas distribuidoras de energia, como o ICMS que foi excluído da base de cálculo do PIS/COFINS.
Segundo a ABRADEE, a lei transfere indevidamente às distribuidoras a obrigação de repassar aos consumidores valores, constituindo expropriação sem o devido processo legal.
Defesa
Em sustentação oral realizada nesta tarde, a defesa argumentou contra a constitucionalidade da lei que obriga a Aneel a devolver valores referentes ao PIS/Cofins pagos pelas empresas de energia elétrica. Segundo o advogado, a devolução se dá por meio de descontos nas contas de luz dos consumidores, gerando um "caos tributário".
Destacou que a norma interfere diretamente na decisão do STF acerca do tema 69 de repercussão geral, que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. Ele apontou que a lei não deveria ser ordinária, mas complementar, já que altera balizas tributárias fixadas anteriormente pela Suprema Corte.
Outro ponto levantado pelo causídico foi a prescrição dos créditos, considerando que os consumidores, que não entraram com ação judicial, poderão se beneficiar de valores pagos há mais de 20 anos.
Isso, segundo ele, cria um "critério de ultratividade prescricional". Além disso, argumentou que a lei viola a segurança jurídica ao permitir que empresas que já compensaram os valores tributários recebam descontos nas tarifas futuras, gerando uma distorção no sistema.
Ao final, pediu que, de forma subsidiária, caso a manutenção da lei prevaleça, o STF module os efeitos temporais da decisão para evitar que consumidores recebam créditos retroativos de duas décadas, o que, segundo ele, resultaria em consequências imprevisíveis e injustas.
AGU
O advogado da União, Raphael Ramos Monteiro de Souza, em sustentação oral, defendeu a legitimidade da devolução de valores pagos a título de PIS/Cofins pelas empresas de energia elétrica, na forma de descontos nas contas de luz dos consumidores.
Afirmou que a atuação do Congresso Nacional foi essencial para evitar o enriquecimento sem causa das concessionárias de energia, uma vez que os valores, que foram cobrados indevidamente, deveriam ser devolvidos aos consumidores, como medida de justiça.
Ele afirmou que o consumidor é quem suporta o ônus desses tributos, e não as empresas, razão pela qual tem o direito de ser ressarcido, como reflexo da própria estrutura do ambiente regulatório.
O advogado argumentou que ADIn deveria ser rejeitada, pois não impugnou o "complexo normativo" em sua totalidade. Explicou que, embora a norma em questão regule prazos e formas de restituição, ela apenas normatiza uma necessidade já prevista desde 1995 na lei 8.987, sobre a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão.
Além disso, defendeu a compatibilidade da norma com a CF, destacando que ela representa uma atuação proporcional e adequada do Estado, em prol da equidade entre consumidores e concessionárias. Para ele, o reequilíbrio das tarifas é um direito do consumidor e a devolução dos valores pagos indevidamente reflete uma medida de justiça que assegura essa recomposição.
Amici curiae
O advogado Celso Caldas Martins Xavier, representando a Abegás - Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado, argumentou que o precedente em análise pode alterar de forma significativa o regime de repetição de indébito tributário, levantando questões de constitucionalidade e de segurança jurídica.
Segundo o causídico, a lei que determina a devolução de valores de PIS/Cofins apenas para o setor de energia elétrica viola o princípio constitucional da não discriminação, previsto no art. 150, II, da CF.
Ele destacou que a norma não tem aplicação abstrata e homogênea, pois beneficia exclusivamente um setor regulado, enquanto outros setores econômicos enfrentam situações idênticas, aguardando há anos uma decisão semelhante. Questionou a razão de a lei não estender a devolução a outros setores que, assim como o de energia elétrica, repassaram os tributos aos clientes.
Também destacou a violação à coisa julgada, uma vez que o tema 69 do STF modulou os efeitos da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins a partir de 2017, beneficiando apenas os contribuintes que ajuizaram ações ou procedimentos administrativos. No entanto, com a nova legislação, consumidores que não estavam incluídos nesse grupo passam a ser beneficiários, o que, segundo o advogado, adiciona novos sujeitos à decisão original, ferindo a coisa julgada.
Ademais, afirmou que as concessionárias de energia, e não os consumidores, são as beneficiárias do direito à isenção do ICMS, conforme definido pelo STF.
Outro ponto abordado foi a segurança jurídica. O advogado argumentou que a lei não regula de maneira prospectiva futuras repetições de indébito, criando um cenário de incerteza jurídica que pode impactar outros setores e prejudicar a previsibilidade do sistema tributário.
A advogada Renata Rocha Villela, da banca Tojal | Renault Advogados, representando a Abrace Energia, entidade que atua em defesa dos grandes consumidores industriais e consumidores livres de energia, defendeu a legalidade e importância da lei que prevê a devolução de valores de PIS/Cofins, pagos indevidamente pelas distribuidoras de energia, aos consumidores finais.
Ressaltou que a modicidade tarifária, ou seja, a busca por tarifas acessíveis, é crucial para garantir que o serviço público de fornecimento de energia seja acessível à população. Ela destacou que o Brasil ocupa uma das piores posições mundiais em termos de tarifas de energia, o que torna a discussão em torno de qualquer tema que impacte essas tarifas de extrema relevância para o país.
Segundo a advogada, a legislação apenas consolidou o que já vinha sendo implementado pela Aneel, que previa que qualquer alteração nos tributos deveria ser objeto de revisão tarifária. Argumentou que a lei trata de política tarifária, não de uma questão tributária e que o reconhecimento do direito à devolução dos valores pagos indevidamente pelas distribuidoras ocorreu antes, em uma discussão com o fisco.
Também explicou que as distribuidoras de energia são neutras nesse processo, repassando os custos dos serviços aos consumidores, inclusive os tributos. Por essa razão, defendeu que a Aneel tem competência para regulamentar como esses valores devem ser devolvidos aos consumidores, uma vez que foram eles que efetivamente arcaram com os tributos.
Sobre a alegada inconstitucionalidade material, a advogada afirmou que não existe discriminação no tratamento dado ao setor de energia, pois outros reguladores também têm a possibilidade de estabelecer regras para a devolução de valores, conforme o art. 9º, § 3º, da lei de concessões. Segundo ela, a lei apenas busca conferir maior segurança jurídica aos consumidores e garantir que o regulador utilize sua competência para definir o retorno dos valores.
A advogada ainda enfatizou que a Aneel realizou consultas públicas e tomou subsídios para garantir que os valores retornem aos consumidores da forma mais adequada, evitando o enriquecimento indevido das distribuidoras, que já haviam repassado esses custos aos consumidores nas tarifas de energia.
Voto do relator
Ministro Alexandre de Moraes destacou que a devolução ocorre em contexto de uma política tarifária, ou seja, a Aneel tem a função de regular as tarifas de energia para que reflitam adequadamente os custos do serviço prestado, o que inclui compensar os consumidores quando há a devolução de tributos.
Assim, para o relator, a agência tem o dever de garantir que os consumidores sejam ressarcidos pelos valores pagos indevidamente, já que esses montantes foram embutidos nas tarifas de energia elétrica.
Apontou que as tarifas são calculadas com base nos custos suportados pelas distribuidoras, que incluem os tributos. Quando eles são considerados indevidos e são devolvidos às empresas, o valor correspondente deve ser repassado aos consumidores, já que eles arcaram com esses custos originalmente.
Afirmou que o equilíbrio é necessário para que as empresas continuem prestando o serviço de forma sustentável, sem que os consumidores paguem a mais por tributos que não deveriam ter sido cobrados.
Moraes afastou a alegação de que a matéria deveria ser regulada por lei complementar, pois, entende que não trata de relação tributária, mas sim sobre a política tarifária. Ou seja, como a devolução dos valores pagos a mais pelas distribuidoras deve impactar as tarifas de energia.
Com base nesses fundamentos, votou pela improcedência do pedido da ABRADEE, considerando que a lei 14.385/22 é constitucional e que a Aneel pode regular o repasse dos valores aos consumidores sem violar a Constituição.
Na sessão desta quarta-feira, 4, o ministro pontuou que não se opõe a modulação de efeitos de 10 anos, conforme previsto no art. 205 do CC.
Ademais, como a lei prevê o "repasse integral", e não contempla custos suportados pelas concessionárias, o ministro entendeu que o conceito deve ser interpretado como repasse líquido, não bruto.
Nesse sentido, a Aneel deve estabelecer o procedimento a concessionária para que eventuais custos, efetivamente e diretamente, relacionados à hipótese do ICMS sejam abatidos.
- Veja o voto de Moraes.
Moraes foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin e Nunes Marques.
Prazo quinquenal
Em seu voto, ministro Luiz Fux seguiu o relator, destacanado que a Aneel tem plena legitimidade para definir políticas tarifárias. Explicou que a decisão referente ao tema 69 envolve a repetição do indébito, e a atual ação, a possibilidade de restituição. Assim, são assuntos diversos, não havendo ofensa à coisa julgada.
O ministro também ressaltou a importância da segurança jurídica, tanto para os contribuintes, que buscam a restituição de valores, quanto para as concessionárias, que esperaram ver a exclusão do PIS/Cofins da base de cálculo refletida nas tarifas.
Quanto à modulação, Fux observou que, caso a repetição de indébito fosse proposta pelos contribuintes, o prazo seria de cinco anos, e que, por analogia, a devolução também deveria seguir o mesmo período.
Sublinhou que, assim como os contribuintes têm a expectativa de pagar uma tarifa menor pela exclusão do PIS/Cofins, as concessionárias também tinham uma expectativa legítima de se beneficiar da vitória judicial. No entanto, para alcançar esse resultado, elas arcaram com custos diretos e indiretos.
Dessa forma, Fux concluiu que a expressão "restituição integral" deve ser interpretada considerando-se os cortes de despesas dessas concessionárias, garantindo uma compensação justa.
Fux foi acompanhado pelo ministro André Mendonça.
Sem prazo prescricional
Em seu voto, ministro Flávio Dino também acompanhou o relator, mas trouxe novo ponto de vista quanto a custos e prescrição.
Dino defendeu que os abatimentos devem ser realizados conforme as determinações da Aneel, reforçando o papel regulador da agência.
Quanto à prescrição, o ministro ressaltou que não se pode reconhecer a sua ocorrência, aplicando a regra geral do art. 189 do Código Civil, segundo a qual o direito à pretensão surge a partir da violação do direito.
Essa violação, segundo Dino, acontece no momento em que as concessionárias recebem a devolução de valores ou realizam a compensação tributária, sem que isso seja refletido nas tarifas cobradas dos consumidores, desequilibrando a relação econômico-financeira do contrato. Para S. Exa., essa é a circunstância que caracteriza a violação de direito, afastando, portanto, a prescrição.
- Processo: ADIn 7.324