Toffoli mantém Júri da Boate Kiss e determina prisão de condenados
Decisão foi tomada após várias reviravoltas no caso, que já dura mais de uma década. Entre os condenados estão os ex-sócios da boate e membros da banda envolvida na tragédia.
Da Redação
segunda-feira, 2 de setembro de 2024
Atualizado em 3 de setembro de 2024 08:42
Nesta segunda-feira, 2, ministro Dias Toffoli validou Júri que condenou quatro responsáveis pelo incêndio ocorrido na Boate Kiss, em 2013, determinando a prisão dos réus.
A decisão do ministro foi tomada após apresentação de recurso pelo MP para anular decisões da Justiça do Rio Grande do Sul e do STJ que suspenderam as condenações.
Agora, voltam a valer as condenações dos ex-sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, além do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e do produtor musical Luciano Bonilha.
- Veja a decisão.
Reviravoltas
O julgamento do caso, que já dura mais de uma década, passou por diversas instâncias.
No TJ/RS, a 1ª câmara Criminal declarou a nulidade do júri anterior, acatando argumentos da defesa de que irregularidades processuais comprometiam a imparcialidade do julgamento.
Entre os pontos controversos estavam o sorteio de um número excessivo de jurados, a realização de reunião reservada entre o juiz presidente e o conselho de sentença sem a presença das partes, e a formulação dos quesitos apresentados aos jurados.
Essas nulidades foram confirmadas pela 6ª turma do STJ, que determinou a anulação do julgamento e a realização de um novo júri.
Soberania do Júri
Ao analisar o recurso do MP, ministro Dias Toffoli entendeu que as nulidades reconhecidas pelas instâncias inferiores violaram preceitos constitucionais, como a soberania dos veredictos e a plenitude de defesa. Ademais, entendeu que questões suscitadas pela defesa estariam preclusas.
Sorteio de jurados
O TJ/RS havia anulado o julgamento com base na alegação de que o sorteio de 305 jurados, muito superior ao previsto na legislação, e a ausência de tempo adequado para que as defesas investigassem os jurados, prejudicaram o direito à defesa.
Toffoli entendeu que, apesar da irregularidade, nenhum dos jurados sorteados na última seleção fez parte do Conselho de Sentença, não havendo, portanto, prejuízo concreto à defesa.
"Tenho que o reconhecimento de mencionada nulidade vai de encontro ao que estabelece o art. 5º, inciso XXXVIII, alíneas 'a' (plenitude de defesa) e 'c' (soberania dos veredictos). Isso porque não houve cerceamento à plenitude de defesa perante o Tribunal do Júri, diante do fato de que a apontada irregularidade deu-se no último sorteio realizado em 24/11/2021, sendo certo que dentre o 7 (sete) jurados que compuseram o Conselho de Sentença nenhum deles foi oriundo desse último sorteio."
O ministro também ressaltou que a referida nulidade estaria preclusa pois apenas o réu Elissandro se insurgiu contra o ponto, se limitando a afirmar que "se reservava ao 'direito de apenas se manifestar em Plenário'".
Assim, o ministro entendeu que nenhum dos réus apontou "específica e concretamente nada relacionado ao sorteio dos jurados nos termos em reconhecida a nulidade no julgamento da apelação criminal".
Reunião reservada
Quanto à reunião reservada entre o juiz presidente e os jurados, realizada sem a presença do MP e das defesas, o ministro entendeu que, embora a reunião tenha sido um erro processual, a anulação do julgamento baseou-se em uma interpretação equivocada da necessidade de demonstração de prejuízo efetivo à defesa.
O ministro considerou, neste ponto, que houve a preclusão da alegação, seguindo entendimento da PGR, de que nulidades deveriam ser apresentadas "imediatamente, na própria sessão de julgamento, conforme estabelecido no art. 571, VIII do CPP".
A suposta nulidade decorrente da quesitação também foi afastada pelo minsitro com base na preclusão.
Assim, ao final Toffoli determinou a cassação das decisões do TJ/RS e do STJ, restabelecendo a validade do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, que havia condenado os réus pelo incêndio.
O incêndio
Em 27/1/13, a Boate Kiss em Santa Maria/RS, sediava uma festa universitária denominada "Agromerados". Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no local, acendeu um objeto pirotécnico dentro da boate.
A espuma do teto foi atingida por fagulhas e começou a queimar. A fumaça tóxica fazia as pessoas desmaiarem em segundos.
O local estava superlotado, não tinha equipamentos para combater o fogo, nem saídas de emergência suficientes. Morreram pessoas que não conseguiram sair e outras que tinham saído, mas voltaram para ajudar.
A tragédia deixou 242 pessoas mortas e 636 feridos.
Cronologia
Veja linha do tempo com os fatos jurídicos mais importantes do processo.
27 de janeiro de 2013
Incêndio atinge a boate Kiss.
28 de janeiro de 2013
Um dia depois, a Justiça decreta a prisão temporária de Elissandro Callegaro Spohr, ex-sócio da boate; Mauro Londero Hoffmann, também ex-sócio; Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, e Luciano Bonilha Leão, produtor musical.
1º de março de 2013
Justiça revoga as prisões temporárias e decreta a prisão preventiva dos quatro acusados.
2 de abril de 2013
MP acusa Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão por homicídio doloso qualificado e tentativas de homicídio.
3 de abril de 2013
Acusados viram réus após o juiz Ulysses Louzada, da 1ª vara Criminal de Santa Maria, aceitar a denúncia.
29 de maio de 2013
Os quatro réus são soltos após a Justiça conceder liberdade provisória e passam a responder ao processo em liberdade.
27 de julho de 2016
Justiça determina que os quatro réus do processo criminal sejam julgados em Júri popular.
23 de março de 2017
TJ/RS rejeita recursos dos acusados contra a realização do Júri, mas retira as qualificadoras do crime, de motivo torpe e meio cruel.
1º de dezembro de 2017
Com o crime doloso desconsiderado, decidiu-se que os réus não seriam julgados por Júri popular.
18 de junho de 2019
Caso vai ao STJ e 6ª turma determina que os réus sejam levados ao Júri.
5 de abril de 2021
Júri é marcado para o dia 1º de dezembro do mesmo ano, em Porto Alegre.
1º de dezembro de 2021 a 10 de dezembro de 2021
Acontece o julgamento mais longo da história do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Réus são condenados às seguintes penas:
- Elissandro Callegaro Spohr: 22 anos e 6 meses
- Mauro Londero Hoffmann: 19 anos e 6 meses
- Marcelo de Jesus dos Santos: 18 anos
- Luciano Bonilha Leão: 18 anos
Os condenados não saíram presos em razão de um habeas corpus preventivo concedido por desembargador da 1ª câmara Criminal do TJ/RS.
14 de dezembro de 2021
Ministro Luiz Fux, então presidente do STF, suspende a liminar e determina a prisão imediata dos quatro réus.
16 de dezembro de 2021
Dois dias depois, por 2 votos a 1, a 1ª câmara Criminal do TJ/RS ratifica o HC preventivo e concede em definitivo a liberdade para os réus. Em razão de nova ordem do presidente do STF, sustando os efeitos de uma eventual concessão do HC, não foram expedidos alvarás de soltura e os réus permaneceram presos.
3 de agosto de 2022
A 1ª câmara Criminal do TJ/RS reconhece nulidades processuais e anula as condenações dos quatro acusados, que foram colocados em liberdade.
5 de setembro de 2023
A 6ª turma do STJ decidiu manter a anulação do Júri da Boate Kiss.
20 de março de 2024
O vice-presidente do STJ, ministro Og Fernandes, admitiu recurso extraordinário do MPF contra acórdão da 6ª turma.
- Processo: RE 1.486.671