Para STJ, Anvisa extrapolou competência ao restringir propaganda de remédio
Colegiado ressaltou a necessidade de diálogo institucional para atualizar as normas de publicidade de medicamentos, considerando as novas tecnologias e a automedicação.
Da Redação
segunda-feira, 26 de agosto de 2024
Atualizado às 14:14
1ª turma do STJ decidiu que a Anvisa não possui autonomia para restringir as práticas publicitárias de empresas farmacêuticas, especialmente quando suas regulamentações divergem das normas estabelecidas pela lei 9.294/96 e outras legislações pertinentes.
A Corte compreendeu que, apesar de a agência reguladora deter autorização genérica para emitir normas em sua área de atuação, no que se refere à publicidade de produtos sujeitos à vigilância sanitária, sua competência é delimitada pelo art. 7º, inciso XXVI, da lei 9.782/99.
A decisão foi proferida em um caso no qual uma empresa do ramo farmacêutico acionou judicialmente a Anvisa com o objetivo de evitar a aplicação de sanções relacionadas ao descumprimento da RDC 96/08. A resolução estabelece diretrizes para propaganda, publicidade, informação e outras práticas relacionadas à promoção comercial de medicamentos.
A empresa argumentou que a Anvisa excedeu sua competência ao impor restrições não previstas em lei, solicitando a suspensão da aplicação de penalidades.
O juízo de primeira instância acolheu parcialmente o pedido da empresa, suspendendo os efeitos da RDC 96/08 sob o entendimento de que a agência reguladora infringiu o princípio da legalidade ao editar o ato.
A decisão foi posteriormente confirmada pelo TRF da 1ª região, que ressaltou a competência exclusiva da lei federal para regular a promoção comercial de medicamentos, conforme disposto na CF/88.
A Anvisa, por sua vez, interpôs recurso especial junto ao STJ, argumentando que sua atuação normativa é legítima e crucial para a saúde pública. A agência sustentou que possui o dever de estabelecer normas, propor, acompanhar e executar políticas, diretrizes e ações em sua área de atuação, além de controlar e fiscalizar a propaganda de produtos sob sua alçada.
A ministra Regina Helena Costa, relatora do caso, destacou que o art. 220 da Constituição Federal proíbe qualquer forma de censura, mas autoriza a legislação Federal a estabelecer restrições à propaganda comercial de produtos como tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, com o intuito de proteger a saúde pública e o meio ambiente.
A ministra ressaltou que as limitações à propaganda de medicamentos estão definidas na lei 9.294/96, complementada pelo Decreto 2.018/96, e possuem aplicação imediata, devendo ser observadas por todos, incluindo a administração pública.
Segundo a relatora, a lei 9.782/99 estabelece que a atuação da Anvisa em relação aos medicamentos deve estar em consonância com a legislação em vigor. A ministra reconheceu a importância do papel regulatório da agência, mas frisou que a ela não cabe legislar, e sim detalhar as regras já estabelecidas em lei para garantir sua efetiva aplicação.
No entanto, a ministra observou que a RDC 96/08 contém dispositivos que extrapolam os limites estabelecidos pela Lei 9.294/1996, como a proibição de propaganda indireta em cenários de espetáculos e filmes, a vedação de publicidade que retrate pessoas utilizando medicamentos, especialmente se sugerirem características positivas como sabor, a exigência de advertências sobre efeitos de sedação ou sonolência, e a restrição ao uso de certas expressões na publicidade de medicamentos isentos de prescrição médica.
Diante disso, a ministra concluiu que, ao editar a resolução, a Anvisa excedeu sua função regulatória ao criar obrigações para os particulares, extrapolando sua atribuição de fiscalizar, acompanhar e controlar o exercício das práticas publicitárias.
"São ilegais as disposições da RDC 96/08 que, contrariando regramentos plasmados em lei federal, especialmente a Lei 9.294/1996, impõem obrigações e condicionantes às peças publicitárias de medicamentos."
A 1ª turma, em uma decisão inédita, reconheceu a necessidade de estabelecer um diálogo institucional, comunicando o resultado do julgamento ao Ministério da Saúde e ao Congresso Nacional.
A relatora considerou louvável a iniciativa da agência, uma vez que a legislação sobre propaganda de medicamentos necessita ser atualizada para se adequar às novas tecnologias, especialmente em virtude da intensificação das interações sociais pela internet e dos altos índices de automedicação observados no Brasil.
No entanto, a ministra ponderou que as restrições impostas pela Anvisa não podem ser implementadas sem a devida alteração legislativa.
Assim, após constatar a aparente concordância entre os Poderes Executivo e Legislativo quanto à necessidade de aprimorar as normas que regulamentam a propaganda de medicamentos, a ministra Regina Helena Costa sugeriu que o Poder Judiciário, em um gesto de diálogo institucional, comunicasse a decisão aos órgãos competentes para que avaliassem a pertinência de promover alterações na legislação sobre publicidade de medicamentos ou nas normas que outorgam poderes à Anvisa.
- Processo: REsp 2.035.645
Confira aqui o acórdão.