Justiça da Bahia nega aborto de feto sem chance de vida extrauterina
Após pareceres do MP/BA e do núcleo do apoio técnico do Judiciário, juíza negou pedido e mulher segue com a gestação.
Da Redação
quinta-feira, 22 de agosto de 2024
Atualizado em 23 de agosto de 2024 12:56
Uma juíza da Bahia negou aborto a uma mulher que gesta um feto com má-formação, que não tem chances de sobreviver fora do útero. Na decisão, a magistrada afirma que não há indícios de risco de vida à gestante e contestou laudo médico apresentado pela paciente.
O caso corre em segredo de Justiça, mas foi revelado pela Folha de S.Paulo e confirmado pela Defensoria Pública da Bahia.
A mulher teria apresentado um ultrassom segundo o qual o feto está com os pulmões, rins e coração comprometidos, além da ausência de líquido amniótico. "Segundo a literatura vigente, este diagnóstico é incompatível com a vida extrauterina", diz o laudo apresentado, assinado por duas médicas.
A paciente buscou, em julho deste ano, o Nudem - Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública da Bahia. O órgão acionou a Justiça para solicitar a interrupção de gravidez.
O caso chegou à Justiça quando a mulher estava na 22ª semana de gestação. Ela, que mora no interior do Estado, foi até a capital para a realização dos exames que constataram a situação.
Pareceres
Ao analisar o caso, a juíza solicitou parecer do Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário e do MP/BA. O primeiro afirmou que a intervenção "deve ser considerada com cautela" e que não seria possível "definir com segurança o diagnóstico etiológico fetal"; portanto, entendeu que não há elementos técnicos que justifiquem a realização do aborto. O MP/BA, por sua vez, foi contra o procedimento por "divergência entre as conclusões técnicas trazidas aos autos".
A juíza, então, solicitou à paciente um novo relatório médico.
Após novo exame de ultrassom, o parecer da médica da gestante reforçou o diagnóstico do feto como "incompatível com a vida extrauterina e não há necessidade de diagnóstico genético, pois o exame ultrassonográfico é definitivo, chegando à mortalidade neonatal de 90-95%".
A Defensoria também pediu o parecer de um outro médico, especialista em medicina fetal, e a resposta foi que o feto sofre de insuficiência renal crônica irreversível. O documento afirma ainda que o feto possui "hipoplasia pulmonar devido a ausência do líquido amniótico".
"Nesse período, a ausência de líquido amniótico impossibilita o desenvolvimento alveolar adequado e, consequentemente, as trocas gasosas após o nascimento."
O especialista segue dizendo que "o conjunto dos achados ultrassonográficos e da história natural da doença obstrutiva baixa nos levam à conclusão de impossibilidade de tratamento eficaz definitivo após o nascimento da criança, com poucas chances de sobrevivência e implicando numa condição paliativa em relação à sua sobrevida".
A Defensoria reforçou que a paciente vem sentindo desconforto abdominal e preocupação com a demora no acesso ao procedimento.
Em nova manifestação, o MP/BA afirmou que embora o relatório do especialista aponte inexistência de tratamento após o nascimento, "não afirma a inviabilidade completa de sobrevivência extrauterina". Por isso, o órgão se manifestou, mais uma vez, contra a realização do aborto legal.
Pedido negado
A juíza acatou o argumento do Ministério Público e negou o pedido. Na justificativa, ela diz que não há "identificação de risco concreto à vida da gestante, se levada a gestação a termo" e que faltam "laudos definitivos atestando a inviabilidade de vida após o período normal de gestação". Além disso, a juíza argumenta que os médicos não mencionam indicação médica para a realização do aborto nos laudos apresentados.
Questão sensível
Em nota, a Defensoria Pública da Bahia destacou o sofrimento psíquico vivenciado pela gestante, obrigada a levar até o fim uma gestação comprometida desde os primeiros meses.
Veja a íntegra da nota:
Nota Pública
Sobre a negativa de autorização de aborto pela justiça baiana a uma mulher que gesta feto com má-formação e sem chances de vida extrauterina, em processo movido pela Defensoria Pública da Bahia, informamos:
1) O processo corre em segredo de justiça, de modo que não podemos dar mais detalhes;
2) A judicialização aconteceu quando a mulher estava com 22 semanas de gestação;
3) Há laudos médicos que confirmam a condição comprometida dos pulmões, rins e coração do feto, além de baixa presença de líquido amniótico;
4) Pelo menos quatro profissionais médicos diferentes, via exames de imagem, atestaram que o feto não tem chance de sobrevivência à vida extrauterina;
5) A mulher apresenta desconfortos abdominais, sem falar no sofrimento psíquico vivenciado por ser obrigada a levar até o fim uma gestação comprometida desde os primeiros momentos da gestação;
6) Por fim, acreditamos que o sistema de justiça e toda sociedade civil precisam demonstrar mais sensibilidade e eficiência no atendimento aos casos de aborto legal, avaliando os episódios no conjunto de suas dimensões, inclusive atuando para proteger e acolher mulheres que se encontram nessas condições.
Defensoria Pública da Bahia