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Sessão plenária

STF: Fachin propõe mudanças em tese sobre responsabilidade de imprensa

Após proposta do relator, ministro Flávio Dino pediu vista dos autos.

Da Redação

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Atualizado às 19:04

Na sessão plenária desta quarta-feira, 7, após voto do ministro Edson Fachin e pedido de vista do ministro Flávio Dino, STF suspendeu análise de dois embargos de declaração contra decisão que admitiu a condenação de veículos de imprensa pela publicação de entrevistas, sem checagem adequada, que reproduzam mentiras.

Os recursos foram apresentados pelo Diário de Pernambuco, parte no processo, e pela Abraji - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, admitida como terceira interessada. A alegação é que a redação atual é subjetiva e pode levar a interpretações errôneas e inconstitucionais, prejudicando a liberdade de imprensa.

Em março deste ano, a Corte publicou o acórdão, de relatoria do ministro Edson Fachin, no qual definiu que empresas jornalísticas só podem ser responsabilizadas se provado que, na época da divulgação da informação, havia indícios concretos da falsidade da acusação. Outro requisito estabelecido é o da demonstração do descumprimento do dever de verificar a veracidade dos fatos e de divulgar tais indícios. 

Nesta tarde, o relator, ministro Edson Fachin, chegou a propor reformulações para a tese, retirando termos dúbios e prevendo a hipótese de entrevistas ao vivo, mas o julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Flávio Dino.

Tese original

Ao fixar tese de repercussão geral (que deve ser observada por todos os tribunais do país), o Supremo reforçou que a plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é "consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade", vedada qualquer espécie de censura prévia.

Pela decisão, em regra, o próprio entrevistado deve ser responsabilizado pela falsidade de suas afirmações, e a indenização só será devida pela empresa jornalística em casos excepcionais, em que haja evidente má-fé da empresa.

Para isso, deve ser comprovado que, na época da divulgação da entrevista, já se sabia, por indícios concretos, que a acusação era falsa e a empresa não cumpriu o dever de cuidado de verificar a veracidade dos fatos e de divulgar que a acusação era controvertida.

Veja a tese:

"1. A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém, admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.

2. Na hipótese de publicação de entrevista, em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se à época da divulgação havia indícios concretos da falsidade da imputação, e o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios."

Proposta de nova tese

Nesta quarta-feira, 7, o ministro relator Edson Fachin admitiu os embargos apresentados pelo Diário de Pernambuco, enquanto negou os da Abraji, pois a associação atua como amicus curiae. 

Quanto à pretensão de negativa de indenização, Fachin rejeitou o pedido, mantendo a decisão anterior. O ministro enfatizou que os embargos foram admitidos visando acrescentar e aprimorar a tese jurídica.

O relator considerou o resultado do julgamento conjunto das ADIns 7.055 e 6.792, nas quais, o STF, por maioria, formulou a tese de que a responsabilidade civil de jornalistas ou órgãos de imprensa só se configura em casos inequívocos de dolo, ou culpa grave, evidenciando negligência profissional na apuração dos fatos.

Fachin destacou a necessidade de dialogar com o pronunciamento do colegiado e reconhecer o direito das partes e da sociedade de zelar pela integridade jurisprudencial, evitando contradições sobre os mesmos fatos sociais. S. Exa. propôs a retirada dos termos "dever de cuidado" e "indícios concretos", reforçando que a liberdade de imprensa prevalece, sendo necessárias condições excepcionais para seu afastamento quando em conflito com outros princípios constitucionais.

O ministro também ressaltou que, além do dolo ou culpa grave, é necessário que circunstâncias fáticas indiquem uma necessidade incomum de salvaguarda de direitos da personalidade. A responsabilidade de veículos de comunicação se dá quando, sem aplicar protocolos de busca pela verdade objetiva e sem oferecer direito de resposta ao ofendido, reproduzem unilateralmente entrevistas que imputam fatos inverídicos a terceiros.

Fachin afirmou que não há como responsabilizar veículos de comunicação pela divulgação de informações provenientes de entrevistas ao vivo, pois não há controle possível a ser exercido pelo entrevistado ou pelo órgão de imprensa.

Nesse ponto, reconheceu a necessidade de, havendo omissão específica na tese, incluir expressamente outros pontos relevantes, como a exigência de direito de resposta do ofendido e as circunstâncias das entrevistas ao vivo, que foram parte dos debates, mas não foram registradas na versão aprovada da tese.

Ao final, propôs a seguinte reformulação:

"1. A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade posterior de análise e a responsabilização em relação a eventuais danos materiais e morais. Isto porque, os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam uma proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.

2. Na hipótese de publicação de entrevista por quaisquer meios em que o entrevistado imputa falsamente a prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se comprovada sua má-fé caracterizada pelo dolo direto, demonstrado pelo conhecimento prévio da falsidade da declaração, ou ainda por dolo eventual, evidenciado pela negligência na apuração da veracidade de fato duvidoso e na sua divulgação ao público sem resposta do terceiro ofendido, ou ao menos de busca de contraditório pelo veículo. 

3. Na hipótese de entrevistas realizadas e transmitidas ao vivo, fica excluída a responsabilidade do veículo por ato exclusivamente de terceiro, quando este falsamente imputa a outrem a prática de um crime, devendo ser assegurado pelo veículo o exercício do direito de resposta em iguais condições, espaços e destaque sob pena de responsabilidade nos termos dos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal."

Veja trecho do voto do ministro:

Pedido de vista

Após o voto do relator, ministro Flávio Dino pediu vista do caso, destacando que, enquanto a maioria dos veículos tradicionais realiza curadoria rigorosa da informação, a internet permitiu o surgimento de "veículos de ocasião", criados exclusivamente para difamar, muitas vezes por meio de entrevistas encomendadas, especialmente em períodos eleitorais.

S. Exa. entendeu que, no caos, a tese também deveri aborar a possibilidade de remoção de conteúdos online que propaguem falsas informações. 

Quanto ao tema, ministro Alexandre de Moraes também se pronunciou, enfatizando que não adiantaria responsabilizar deixando o produto online, pois a manutenção do conteúdo perpetuaria a ilicitude.

Veja manifestação do ministro Flávio Dino:

O caso 

Na instância de origem, o ex-deputado Federal Ricardo Zarattini Filho ajuizou ação contra o jornal Diário de Pernambuco S.A., em razão de conteúdo de entrevista que teria violado a honra do ex-parlamentar por imputar a ele conduta ilícita.

A 1ª instância julgou o pedido procedente. A decisão foi reformada pelo TJ/PE, que assentou a ausência do dever de indenizar por parte da empresa, ao entender que a publicação tratava de entrevista de terceiro e que o meio de comunicação deixou de se manifestar quanto ao conteúdo. O TJ frisou que a atuação do jornal estava coberta pelo princípio da liberdade de imprensa e que não houve violação à honra.

Já no STJ, a 3ª turma julgou procedente o pedido de indenização, compreendendo que os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais que visam à concretização da dignidade da pessoa humana.

No âmbito do Supremo, a tese vencedora no caso concreto foi a de que há responsabilidade do jornal pela veiculação da reportagem na qual o entrevistado imputou falsamente crime ao ex-deputado Federal.

Recursos

A Abraji defende a inclusão de uma exigência expressa de dolo ou negligência grosseira em vez dos termos "dever de cuidado" e "indícios concretos de falsidade".

Também considera essencial incluir uma ressalva que proteja veículos de comunicação de responsabilização civil por entrevistas e debates transmitidos ao vivo, mesmo que posteriormente gravados e acessíveis.

Além de buscar a melhoria da tese, o Diário de Pernambuco tenta reverter sua condenação a indenizar o ex-deputado Ricardo Zaratini por uma entrevista publicada em maio de 1995, que continha informações falsas sobre ele. A entrevista atribuía a Zaratini a responsabilidade por um atentado a bomba em 1966 no Aeroporto dos Guararapes/PE, que resultou em 14 feridos e duas mortes.

A empresa argumenta que, na época da publicação, existiam três versões sobre o atentado, uma das quais apontava para Zaratini, e que não havia "protocolo razoável de apuração da verdade" que permitisse determinar a veracidade ou falsidade da opinião do entrevistado.

Alega também que só tomou conhecimento da falsidade da acusação dois meses depois, quando o Jornal do Commercio publicou uma reportagem com novos fatos, documentos e depoimentos de ex-militantes. Portanto, defende que não violou os deveres de cuidado estabelecidos pelo STF, pois não havia indícios concretos da falsidade da acusação no momento da publicação.

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