Triplo Talaq: Entenda divórcio de princesa de Dubai no Instagram
Segundo advogado, posts em redes sociais anunciando separação também podem ser relevantes, em certa medida, para modalidades de divórcio aceitas na lei brasileira.
Da Redação
quarta-feira, 24 de julho de 2024
Atualizado às 10:54
"Eu me divorcio de você", repetiu três vezes a princesa de Dubai, Sheikha Mahra Bint Mohammed Bin Rashid Al Maktoum, em um post no Instagram. Esta declaração foi interpretada como a oficialização de seu divórcio com Mana Al Maktoum, seu agora ex-marido.
A prática do "triplo talaq" - ou triplo divórcio - permitia que homens em alguns países islâmicos se divorciassem rapidamente de suas esposas. Na última semana, a princesa adaptou esta tradição para anunciar publicamente o fim de seu casamento.
Na publicação, a filha do primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos explicou que decidiu se separar porque seu marido, com quem se casou em 2023, estava "ocupado com outras companhias".
Para entender melhor como são as regras envolvendo divórcio no Brasil, Migalhas ouviu o advogado de Família Rafael Pinheiro.
Assista:
Em tradução literal, o anúncio da princesa diz:
"Querido marido, como você está ocupado com outras companhias, eu declaro o nosso divórcio. Eu me divorcio de você, eu me divorcio de você, eu me divorcio de você.
Sua ex-mulher."
Até o momento, o ex-marido e autoridades do país não se manifestaram a respeito do post.
Tradição do triplo talaq
O "divórcio instantâneo" está previsto em uma corrente do Direito islâmico conhecida como Hanafi.
Em 2017, a Suprema Corte da Índia proibiu a prática. Segundo os magistrados do país, o triplo talaq viola o Corão (livro sagrado do Islão) e a Sharia (conjunto de leis derivados do Corão e outras fontes), não integrando a prática religiosa e indo contra a moralidade constitucional.
Antes da Índia, mais de 20 países com grandes populações muçulmanas já haviam banido o triplo talaq, de acordo com a BBC.
No Paquistão, a prática permanece, mas com modificações. O escritório Best Lawyer in Pakistan informa que o país admite o talaq por escrito, e, apesar dos esforços do Conselho de Ideologia Islâmica do Paquistão contra a prática, a lei continua em vigor. Tanto homens quanto mulheres podem realizar o talaq, sendo chamado de khula quando realizado pela esposa.
O processo é iniciado com a manifestação escrita enviada a um conselho de arbitragem, que notifica ambas as partes e designa dois membros da família para tentar a reconciliação durante 90 dias. Se a reconciliação falhar, o conselho emite o certificado de Talaq, formalizando o divórcio.
Em Bangladesh, o talaq também é permitido. O escritório FM Associates explica que o poder do marido para pronunciar o talaq é dado pela Shariah e não requer justificativa.
Após a pronúncia, há um período de três meses ou três ciclos menstruais, chamado "período de pureza", durante o qual a separação se consolida, exceto se a esposa engravidar. As mulheres têm menos poder, podendo dissolver o casamento sozinhas apenas se o marido tiver delegado tal poder a elas no contrato de casamento.
Na Nigéria, o talaq é admitido em termos similares aos de Bangladesh, segundo a organização BAOBAB for Women's Human Rights.
Uma pesquisa de 2015 do grupo BMMA - Bharatiya Muslim Mahila Andolan revelou que 59% das 117 mulheres muçulmanas divorciadas entrevistadas na Índia foram unilateralmente divorciadas pelo marido pela mera pronúncia da palavra "talaq" três vezes. A pesquisa também descobriu que os homens frequentemente utilizam tecnologias modernas, como Skype, WhatsApp e Facebook, para pronunciar a separação.
Em janeiro de 2024, o Hindustan Times relatou um caso em que um homem de 23 anos pronunciou o triplo talaq pelo WhatsApp após ser questionado pela esposa sobre uma traição, e agora enfrenta investigação.
O BMMA destaca que o maior problema do triplo talaq é que muitas mulheres divorciadas vêm de famílias pobres e são deixadas sem recursos financeiros ou direitos pós-separação devido ao divórcio rápido pronunciado pelos maridos.
Talaq no Brasil
Em 2001, a novela de Gloria Perez, "O Clone", trouxe o triplo talaq ao público brasileiro quando o personagem Said, enfurecido com sua esposa Jade, pronunciou "talaq" três vezes, efetivamente divorciando-se dela.
A prática também foi tema no Judiciário nacional. Em 1978, o STF homologou uma sentença de divórcio concedida por legislação muçulmana no caso SE 2416 PQ.
Envolvia um paquistanês residente em Washington/EUA, que desejava se casar com uma cidadã brasileira residente no Paquistão, e solicitou ao Brasil a homologação de seu divórcio baseado no triplo talaq.
O ministro Carlos Thompson Flores, relator do caso, concedeu o pedido, amparado por parecer favorável do então PGR Haroldo Valadão em um caso anterior semelhante (sentença estrangeira 45 do Líbano).
"Se o direito brasileiro admite o reconhecimento de um divórcio decretado, sem fraude, em um Estado segundo suas leis, por seus tribunais, para seus nacionais, é um princípio, indiferente apurar se o divórcio ali é litigioso e por que causas, se por mútuo consentimento e em que forma e condições, ou se, na qual espécie, pela simples vontade de um dos cônjuges", afirmou o relator.
Em um caso anterior, em 1977, o STF negou por unanimidade a homologação de outro divórcio envolvendo triplo talaq (SE 2.373 do Egito). A Corte considerou que a manifestação unilateral do marido violava a ordem pública.
Em artigo de 2023 publicado na Revista dos Estudantes da UNB, as pesquisadoras Laura Boccardi da Silva, Manuela Thomé da Cruz Bunn e Carla Lerin explicam que, na decisão de 1978, o STF utilizou o conceito de ordem pública processual, analisando possíveis violações aos direitos fundamentais durante o processo legal.
Já na decisão de 1977, os ministros consideraram a ordem pública material, avaliando o mérito da decisão para verificar se a sentença infringiria os direitos fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.
Divórcio no Brasil
O advogado especialista em Direito de Família Rafael Pinheiro explicou que, no Brasil, publicações/posts não têm o "poder" de declarar um divórcio, mas que "fotos, vídeos e declarações podem ser levadas em consideração pela Justiça, especialmente quando há divergências de versões sobre quando ocorreu o rompimento".
Ele explica que a principal diferença entre separação e divórcio é que uma pessoa separada judicialmente não pode se casar novamente, enquanto uma pessoa divorciada pode.
A separação pode ser judicial ou de fato. Antigamente, o casal precisava se separar judicialmente antes de solicitar o divórcio, mas atualmente essa exigência não existe mais.
No entanto, a separação de fato ainda é relevante no direito brasileiro. Esta ocorre quando o casal se separa sem um processo formal, e a data da separação de fato é crucial, pois extingue os deveres matrimoniais e os efeitos do regime de bens escolhido pelo casal.
"Provar a data da separação de fato é muito importante", enfatizou o advogado. "Posts em redes sociais e declarações públicas afirmando que houve o término do casal são úteis como provas para comprovar a separação de fato."
Divórcio extrajudicial e judicial
Segundo o causídico, o divórcio pode ser formalizado de duas formas.
O procedimento extrajudicial pode ser utilizado por casais que concordam com o término do casamento em todos os termos, desde que não tenham filhos menores de idade ou incapazes. Ele é realizado no tabelião de notas por meio de escritura pública.
"Podemos considerar que o casal está efetivamente divorciado a partir da assinatura da escritura pública de divórcio, lá no cartório de notas", explicou o advogado.
Já o divórcio judicial é destinado a casais que não concordam com a separação ou que possuem filhos menores de idade ou incapazes. Nesse caso, o divórcio só é considerado efetivo quando há uma sentença com trânsito em julgado declarando o casal divorciado.
O advogado também destacou que a dissolução de uma união estável segue a mesma lógica do divórcio, podendo ser extrajudicial ou judicial.