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Trabalhista

Desembargadora suspende limite de processos de advogado do Correios com burnout

Magistrada concedeu liminar ao considerar que a decisão que limitou a quantidade de processos do advogado pode impactar em toda a organização do trabalho do setor jurídico da empresa, com possibilidade de atingir os demais empregados, de forma irreversível.

Da Redação

sábado, 13 de julho de 2024

Atualizado em 15 de julho de 2024 09:43

A desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockmann, da 5ª câmara do TRT da 15ª região, concedeu liminar aos Correios, suspendendo a limitação de processos atribuídos a advogado com burnout imposta por sentença de primeiro grau. Magistrada considerou que a decisão limitando os casos pode impactar em toda a organização do trabalho do setor jurídico da empresa, com possibilidade de atingir os demais empregados, de forma irreversível.

O caso teve origem na 6ª vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP, na qual foi reconhecida a existência de doença ocupacional de um advogado  diagnosticado com síndrome de burnout. A sentença determinou que a empresa não deveria atribuir mais de 500 processos ao advogado, sob pena de multa diária de R$ 3 mil.

A empresa recorreu, argumentando que a sentença comprometeria o poder de direção e gestão do empregador, afetando a organização do trabalho no setor jurídico da empresa e impactando outros empregados. O Correios solicitou a concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto contra a sentença.

A desembargadora, ao conceder a liminar, ressaltou que a tutela de urgência deve ser concedida quando há elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, conforme o artigo 300 do CPC.

Ela considerou que a limitação imposta comprometeria de forma irreversível a organização do trabalho no setor jurídico da empresa, justificando a suspensão da medida até o julgamento final do recurso.

A decisão destacou que a medida liminar é de caráter instrumental e visa assegurar a utilidade e eficácia da futura prestação jurisdicional, sem satisfazer o direito substantivo de imediato. A relatora reconheceu a plausibilidade do direito substancial invocado e o risco de dano ao resultado útil do processo.

Com a concessão da liminar, foi atribuído efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto pelo Correios, sobrestando-se a ordem de limitação da quantidade de processos atribuídos ao advogado até o julgamento final do recurso. 

Acesse a decisão.

 (Imagem: Freepik)

Advogado teve limite de 500 processos deferido em 1º grau; magistrada derrubou em liminar.(Imagem: Freepik)

Relembre

No caso, o advogado contou que foi admitido em junho de 2012 como analista de Correios Júnior - Advogado e, em meado de maio de 2021, após adoecimento, procurou tratamento psiquiátrico, tendo sido diagnosticado com síndrome de burnout e indicado afastamento do trabalho por 90 dias.

Segundo o trabalhador, quando retornou ao trabalhou foi submetido a um volume superior ao do período anterior ao afastamento e sofreu assédio moral. O advogado destacou que as tentativas de equacionar a quantidade de processos de modo a preservar sua saúde e capacidade mental não foram atendidas, pelo contrário, foi tratado com agressividade e cobranças extras de forma desmedida e exposto a todos os colegas de trabalho.

Por fim, o trabalhador argumentou que, em 2022, passou a cuidar de 800 processos durante duas semanas, quando em 2013 tocava 350 processos. Após conseguir liminarmente limitar a 500 processos, os restantes foram distribuídos a outros advogados, sobrecarregando a equipe e gerando mal estar.

Ao analisar o caso, o magistrado de primeiro grau constatou perícia que concluiu que o trabalho contribuiu de forma alta e intensa para o agravamento do transtorno psíquico apresentado e das condições de saúde.

O magistrado ainda citou a audiência do trabalhador: "(...) desabafo do autor, em seu depoimento pessoal, carregado de fortes emoções que ainda são lembradas por este juiz, meses após a audiência trabalhista em que referido depoimento foi coletado".

Para o juiz, além de não resolver o problema crônico dos seus advogados trabalhistas, a empresa aumentou o sofrimento deles, pois passaram a ter que cuidar também de processos de natureza cível.

"Se o ideal é no máximo 500 processos e a empresa, inclusive pela redistribuição de trabalho, repassa a alguns advogados 800 - ou mais - processos, isso implica num aumento descomunal de 60% na carga de trabalho dos advogados. Simples assim!"

Burnout

Na análise da prova dos autos, o magistrado ressaltou que já se poderia perceber que o trabalhador se encontra esgotado e exausto pela quantidade de trabalho e pela forma como foi se avolumando, e que a causa de seu esgotamento está diretamente relacionada a tudo isso.

O magistrado observou que o perito concluiu que "é possível que o autor volte a apresentar incapacidade, caso seja novamente responsável pelo quantitativo de processos anterior".

Segundo o juiz, para se identificar as causas da síndrome de burnout é mesmo necessário realizar não somente a anamnese do trabalhador, mas principalmente a "anamnese" do seu ambiente laboral, como um todo, incluindo o quantitativo de serviços, as metas, as cobranças pelo seu atingimento, as relações interpessoais no ambiente laboral e, até mesmo, a jornada de trabalho.

"Se não houver causas extralaborativas importantes a contribuir para o surgimento da doença psíquica do trabalhador - excluídos, aí, fatores genéticos, algo muito abstrato -, e se houver a prova robusta de que fatores do ambiente de trabalho são decisivos para o esgotamento psíquico do trabalhador, não pode haver outra conclusão que não seja a de que esse trabalhador é, realmente, portador de síndrome de burnout."

Diante disso, o juiz determinou que a empresa proceda à distribuição de processos entre os advogados que não ultrapasse o quantitativo de 500 processos, que pague indenização por dano moral em R$ 200 mil e pensão mensal temporária, no valor correspondente à remuneração da época, devida no período de afastamento previdenciário.