Presa que tem filho hiperativo poderá cumprir pena domiciliar
Magistrado considerou contexto familiar e necessidade especial da criança para concessão de medida.
Da Redação
terça-feira, 2 de julho de 2024
Atualizado às 15:43
Presa em regime semiaberto poderá cumprir pena em regime domiciliar após juiz da execução considerar que ela é mãe de dois filhos menores de idade, sendo um deles diagnosticado com déficit de atenção, hiperatividade e transtorno de ansiedade. O juiz de Direito Augusto Rachid Reis Bittencourt Silva, da Unidade Regional do Departamento Estadual de Execução Criminal de Ribeirão Preto/SP, levou em consideração o contexto familiar e as necessidades especiais das crianças.
No caso, o magistrado ressaltou que, embora a LEP - lei de execução penal não preveja expressamente prisão domiciliar para condenados em regime fechado ou semiaberto, uma interpretação teleológica dos arts. 318 e 318-A do CPP pode autorizar, excepcionalmente, a medida para mulheres presas.
Interpretação teleológica
Método de interpretação jurídica que busca entender e aplicar norma com base nos objetivos e finalidades que ela pretende alcançar. Em vez de se concentrar apenas no texto literal da lei, a interpretação teleológica considera o contexto, os propósitos e as razões subjacentes à criação da norma para assegurar que sua aplicação atinja os resultados pretendidos pelo legislador.
O juiz destacou a importância de proteger tanto as mães quanto as crianças, conforme a jurisprudência do STF e as Regras de Bangkok (Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras). Segundo essas regras, penas não privativas de liberdade devem ser priorizadas para mulheres gestantes ou mães de crianças dependentes, sempre que possível e apropriado.
"É verdade que a Lei de Execução Penal não prevê a possibilidade de prisão domiciliar para o condenado em regime fechado e semiaberto, mas o fato é que não há motivo plausível para essa distinção, pelo que é cabível uma interpretação teleológica tanto ao julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus coletivo n.º 143.641, que somente tratava de prisão preventiva de mulheres gestantes ou mães de crianças de até 12 anos, quanto ao art. 318-A do Código de Processo Penal, para autorizar também a concessão de prisão domiciliar às mulheres em execução de pena, definitiva ou provisória", afirmou o magistrado.
Além disso, o juiz mencionou o enunciado 26 da I Jornada de Direito Processual Penal do CNJ, que admite a aplicação da prisão domiciliar humanitária a condenados em regime fechado e semiaberto em situações excepcionais.
Também citou precedentes do STJ que reforçam a possibilidade de prisão domiciliar para mães de crianças menores de 12 anos, mesmo em regime semiaberto, quando a realidade concreta justifica tal medida. A jurisprudência da Corte prevê que a imprescindibilidade da mãe para o cuidado dos filhos é presumida, salvo demonstração de situação excepcional que possa afastar esse direito.
Assim, ao final, concedeu a prisão domiciliar à mulher, destacando a necessidade de garantir os cuidados maternos indispensáveis às crianças. O cumprimento da medida deve ocorrer em tempo integral na residência da condenada, salvo para atendimento médico, devidamente comprovado.
A advogada Jéssica Nozé atua pela mulher presa.
- Processo: 0001832-74.2019.8.26.0496
Veja a decisão.