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Supremo | Sessão

STF define 40g de maconha como limite que separa uso de tráfico

Corte definiu tese a respeito da descriminalização do porte para uso próprio.

Da Redação

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Atualizado às 20:05

Ministros do STF decidiram nesta quarta-feira, 26, que 40g de cannabis ou seis plantas-fêmeas distinguirão o porte de maconha para uso do porte para tráfico, até que nova legislação seja estabelecida.

A Corte chegou a um consenso de que essa quantidade seria ideal, baseando-se na legislação do Uruguai, que utiliza 40g como parâmetro.

Além disso, a maioria da Corte considerou que o uso de maconha é um ilícito administrativo, não penal, tratando-se de uma questão de saúde pública. Dessa forma, na prática, não haverá consequências criminais, apenas administrativas.

No início da sessão, ministro Luís Roberto Barroso explicou que cabe ao STF julgar a descriminalização e definir critérios que separem uso do tráfico porque é no Supremo que chegam HCs questionando a manutenção de prisões por envolvimento com drogas.

Decisão 

Quanto ao dispositivo, por maioria, a Corte deu provimento ao RE na parte referente à absolvição do acusado. Vencidos os ministros Luiz Fux, André Mendonça, Nunes Marques e Dias Toffoli.

Ademais, votaram por conferir interpretação conforme à CF ao art. 28 da lei 11.343/06 (lei de drogas), de modo a afastar do referido dispositivo, todo e qualquer efeito de natureza penal, mantidas no que couber, até o advento de legislação específica, as medidas ali previstas.

Votaram nesse sentido, ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e ministras Rosa Weber (atualmente aposentada) e Cármen Lúcia. Ficaram vencidos ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, André Mendonça, Dias Toffoli e Luiz Fux. 

Tese

A seguinte tese foi enunciada no plenário:

"1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação das sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I da lei 11.343/06) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III, da lei 11.343/06). 

2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta. 

3. Em se tratando de posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em juízo, sendo vedada a lavratura de auto de prisão em flagrante ou de termo circunstanciado. 

4. Nos termos do §2º do art. 28 da lei 11.343/06 será presumido usuário quem, para uso próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40g de cannabis sativa, ou 6 plantas-fêmeas, até que o Congresso legisle a respeito.

5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido quando presentes elementos indicativos do intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes.

6. Nestes casos, caberá ao delegado de polícia, consignar no auto de prisão em flagrante, justificativas minudentes para o afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos e arbitrários.

7. Na hipótese de prisão por critérios superiores ao item 4, deverá o juiz na audiência de custódia avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio.

8. A apreensão de quantidade superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir pela atipicidade da conduta, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.

O Supremo deliberou ainda nos termos do voto do relator determinar ao CNJ em articulação com o ministério da Saúde, ANVISA, ministério da Jusdtiça e Segurança Pública, tribunais e CNMP a adoção de medidas para permitir o cumprimento da presente decisão pelos juízes, com aplicação das sanções previstas no art. 28, I e III, em procedimento não penal.

Criação de protocolo próprio para audiências de usuários e dependentes com encaminhamento do indivíduo vulnerável aos órgãos da rede pública de saúde capacitados a avaliar a gravidade da situação e oferecer tratamento especializado, como centros de atenção psicossocial de álcool e drogas

Até que seja fixado pelo CNJ esse novo rito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da lei de drogas será excepcionalmente dos juizados especiais criminais, conforme a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença.

Fazer apelo aos Poderes Executivo e Legislativo para adotarem medidas administrativas e legislativas para aprimorar as políticas públicas de tratamento ao dependente, deslocando o enfoque da atuação estatal do regime puramente repressivo para um modelo multidisciplinar que reconheça a interdependência das atividades de prevenção ao uso de drogas, atenção especializada e reinserção social de dependentes e repressão da produção não autorizada e do tráfico de drogas. 

Conclamar os Poderes a avançarem no tema, estabelecendo uma política focada:

  • Na não estigmatização, mas no engajamento dos usuários, especialmente os dependentes, em um processo de autocuidado contínuo que lhes possibilite compreender os graves danos causados pelo uso de drogas.
  • Na agenda de prevenção educativa, implementando programas de dissuasão ao consumo de drogas.
  • Na criação de órgãos técnicos na estrutura do Executivo compostos por especialistas em saúde pública com atribuição de aplicar aos usuários e dependentes as medidas previstas em lei.

Para viabilizar a concretização dessa política pública, especialmente a implementação de programas de dissuasão contra o consumo de drogas e a criação de órgãos especializados no atendimento aos usuários, caberá aos Poderes Executivo e Legislativo assegurar dotações orçamentárias suficientes para essa finalidade. Para isso a União deverá liberar o saldo acumulado do fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), instituído pela lei 7.560/86 e gerido pelo ministério da Justiça e Segurança Pública e se abster de contingenciar recursos que deverão ser utilizados, inclusive, para programas de esclarecimento sobre os malefícios do uso de drogas e os futuros aportes no fundo.

O CNJ realizará mutirões carcerários para apurar e corrigir prisões decretadas em desacordo com os parâmetros fixados neste voto, com a participação das Defensorias Públicas.

 (Imagem: Allison Sales/FotoRua/Folhapress)

STF define 40g ou seis plantas fêmeas como quantidade de maconha que diferencia uso de tráfico.(Imagem: Allison Sales/FotoRua/Folhapress)

O caso

O Supremo analisou a constitucionalidade do art. 28 da lei de drogas (lei 11.343/06), que estabeleceu a figura do usuário, diferenciando-o do traficante, sujeito a penalidades mais severas. A fim de distinguir usuários e traficantes, a legislação prevê penas alternativas para aqueles que adquirirem, transportarem ou portarem drogas para consumo próprio, como prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e participação obrigatória em curso educativo.

Embora a lei tenha abolido a pena de prisão para usuários, a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal foi mantida. Consequentemente, usuários continuam sujeitos a inquéritos policiais e processos judiciais que visam o cumprimento das penas alternativas.

No processo específico que originou o julgamento, a defesa de réu condenado por porte de drogas solicitava que o porte de maconha para uso próprio deixasse de ser considerado crime. O acusado foi preso portando três gramas de maconha.