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Caso Marielle

Entenda denúncia que levou irmãos Brazão e Rivaldo ao banco dos réus

Subprocurador-geral da República detalhou alianças dos acusados com milícias para explorar ilegalmente o mercado imobiliário.

Da Redação

terça-feira, 18 de junho de 2024

Atualizado às 21:53

Nesta terça-feira, 18, a 1ª turma do STF aceitou a denúncia do MPF contra Chiquinho Brazão, Domingos Brazão e Rivaldo Barbosa, tornando-os réus pela morte da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.

Durante sustentação oral de 30 minutos, o subprocurador-geral da República, Luis Augusto Santos Lima, detalhou as alianças dos acusados com milícias para explorar ilegalmente o mercado imobiliário no Rio de Janeiro, focando em áreas como Jacarepaguá, Rio das Pedras e Osvaldo Cruz. Ele também destacou a resistência política enfrentada por Marielle Franco e pelo PSOL contra os projetos de lei dos irmãos Brazão, que visavam regularizar áreas dominadas por milícias.

O subprocurador concluiu pedindo que a denúncia fosse aceita, afirmando que, para eliminar a oposição, os irmãos Brazão planejaram o assassinato de Marielle, envolvendo milicianos e contando com a colaboração do delegado Rivaldo Barbosa.

Confira os destaques da denúncia apresentada:

Milícias

O subprocurador afirmou que Domingos e Chiquinho Brazão formaram alianças com milícias no Rio de Janeiro desde 2000, em Jacarepaguá, Rio das Pedras e Osvaldo Cruz, para promover a exploração irregular do mercado imobiliário por meio de grilagem. A atuação das milícias envolve ocupação territorial permanente com violência, sob o pretexto de prestação de serviços básicos à população local, favorecendo, assim, o modelo de negócios dos irmãos Brazão e permitindo a construção de redutos eleitorais nas áreas controladas.

Segundo o MP, Domingos e Chiquinho mantêm relação dinâmica com as milícias, permitindo que apenas candidatos apoiados por esses grupos possam realizar atos de campanha. Em troca, os eleitos devem defender os interesses dos milicianos perante o Estado.

O subprocurador afirmou que major Ronald, então oficial da PM, uniu-se a Laerte Silva de Lima e Marcos Vinicius Reis dos Santos (Fininho) para constituir uma milícia local, revelada pela Operação Intocáveis. Os três foram denunciados, processados e condenados.

Garantias eleitorais

Laerte e Ronald apoiaram as campanhas dos irmãos Brazão em 2010, 2012 e 2014, garantindo-lhes os votos da região com o apoio da milícia. Outros candidatos não recebiam o mesmo tratamento, e alguns, como o vereador Nandinho, de Rio das Pedras, foram assassinados.

Ainda, na sustentação oral, o representante do MPF informou que os irmãos Brazão beneficiaram milicianos de várias formas. Fininho recebeu cotas de nomeação para cargos públicos controlados formal e informalmente por Domingos, incluindo a mãe de seu filho em cargos de comissão na ALERJ. Relatórios de investigação comprovam a relação entre os irmãos e os milicianos, com extratos de ligação telefônica mostrando contatos frequentes entre Domingos e Fininho.

O subprocurador afirmou que além de Rio das Pedras, os irmãos Brazão controlavam loteamentos ilícitos principalmente em Jacarepaguá, com auxílio de Robson Calixto Fonseca, o Peixe. Robson, assessor de Domingos na ALERJ e no TCE, atuava como interlocutor frequente dos irmãos e milicianos de Rio das Pedras, especialmente com Fininho.

Desde 2018, Robson participava ativamente de atividades de milícia na Taquara, região de Jacarepaguá. Inicialmente, a investigação contava apenas com denúncias anônimas de extorsões, mas isso foi confirmado por documentos da CPI das Milícias.

Negócios ilícitos e grilagem

Documentos apreendidos pela PF comprovam que Robson mantinha negócios ilícitos na região e acessava servidores da prefeitura do Rio de Janeiro para tentar regularizar terras invadidas, utilizando dados restritos da prefeitura. Robson geria pessoalmente negócios imobiliários irregulares no interesse da milícia e sob orientação dos irmãos Brazão.

Ele direcionava pagamentos a construtores e loteadores, usando intermediários para ocultar a origem real dos recursos (laranjas). Informações da polícia judiciária confirmam os fortes vínculos dos irmãos Brazão com Robson, Fininho, major Ronald e Laerte.

As grilagens promovidas pelos denunciados envolviam a invasão e ocupação de terras por pessoas de baixa renda, seguida pela reivindicação de posse e propriedade para conferir uma função social aparente à posse.

Inicialmente, as ocupações permaneciam ocultas, mas após a regularização, a posse ou propriedade era adquirida por meio de intermediários, ou laranjas. A denúncia detalha transações imobiliárias com esse modus operandi.

Projetos de lei

Em Osvaldo Cruz, os irmãos Brazão tinham alianças com Edmilson da Silva Oliveira, conhecido como Macalé. A relação entre eles é antiga, conforme o relatório final da CPI das Milícias de 2018, que evidenciava um reduto eleitoral na localidade.

Durante seu mandato parlamentar, Chiquinho Brazão propôs e impulsionou projetos de lei para facilitar a regularização e o uso do solo, especialmente em áreas de milícia e loteamentos clandestinos, no interesse da organização criminosa.

Em 2015, como vereador, articulou a aprovação das LC municipais 60 e 161, que visavam flexibilizar requisitos para regularização de parcelamentos irregulares do solo, beneficiando grileiros em Vargem Grande, Jacarepaguá e Taquara, redutos eleitorais dos Brazão tomados por milicianos.

Dificuldades e novas propostas

Apesar das leis, a regularização não ocorreu conforme esperado. Segundo o MP/RJ, em 2018, 186 projetos de regularização foram apresentados com base na legislação, mas nenhum foi deferido, mesmo após mais de dois anos de vigência das leis.

Para contornar as dificuldades, Chiquinho propôs a LC 174, que visava flexibilizar ainda mais as exigências ambientais e urbanísticas para o uso e ocupação do solo e a legalização de edificações.

Em relação à legislação existente, essa nova lei expandia consideravelmente a área de construções ilegais passíveis de regularização, permitindo a regularização de parcelamentos sem edificações, medida incompatível com a proposta de regularização fundiária voltada para políticas sociais de habitação.

Contudo, a proposta encontrou resistência política, especialmente do PSOL e de Marielle Franco. A vereadora defendia que as propostas de regularização deveriam atender aos segmentos sociais de menor renda. 

Planejamento e execução do assassinato de Marielle 

A denúncia aponta que, para superar a resistência, os irmãos Brazão infiltraram Laerte Silva de Lima no PSOL, em 2017, para coletar informações a respeito das atividades políticas do partido e de seus integrantes.

Marielle, cuja bandeira política incluía a regularização do uso do solo voltada para habitação social, passou a defender abertamente que os projetos de lei dos Brazão visavam explorar economicamente áreas dominadas por milícias.

Entre a apresentação do projeto de lei em 2016 e sua aprovação em 2017, as deliberações parlamentares foram adiadas nove vezes, evidenciando a resistência e as dificuldades enfrentadas para a aprovação. Apesar da vitória legislativa, Laerte monitorou as atividades partidárias de Marielle e informou Domingos que ela convocou reuniões comunitárias em Jacarepaguá, interferindo nos negócios dos irmãos.

Eliminar Marielle significava remover um obstáculo e dissuadir outros de continuar a oposição, afirmou o subprocurador. No segundo semestre de 2017, os irmãos Brazão determinaram a Edmilson Oliveira (Macalé) que preparasse a execução de Marielle, oferecendo-lhe recompensas em loteamentos e áreas de milícia.

Para garantir a impunidade, os mandantes informaram previamente o delegado de polícia Rivaldo Barbosa sobre o plano, ajustando medidas para inviabilizar futuras investigações. Rivaldo recebia pagamentos mensais de milicianos e contraventores para frustrar investigações de homicídios e orientou que não executassem Marielle quando ela estivesse indo ou voltando da Câmara. 

Rivaldo ocupava a função de diretor da divisão de homicídios da PC do RJ e, no dia anterior ao crime, foi empossado chefe da Polícia Civil do Estado, garantindo a impunidade essencial para os mandantes.

O subprocurador afirmou que, para a execução, os irmãos determinaram que Macalé contratasse Ronnie Lessa, o qual não possuía antecedentes criminais antes da morte de Marielle.

Então, Macalé apresentou o plano e propôs sociedade na área de milícia, a qual foi aceita por Ronnie. Além disso, major Ronald aceitou a incumbência de vigiar a rotina de Marielle e coletar informações úteis para a execução do crime.

Em 6 de março, uma semana antes do delito, Ronald acompanhou um deslocamento da vítima em agenda na Universidade Candido Mendes. Monitorando redes sociais, constatou que no dia 14 de março Marielle compareceria à Casa das Pretas para um evento. Essa circunstância foi a janela de oportunidade para a execução do homicídio.

Assim, a procuradoria defendeu a existência da justa causa para o recebimento da denúncia, devido a indícios de atuação de uma organização criminosa hierarquicamente estruturada, com clara divisão de tarefas, na qual os irmãos Brazão ocupam os escalões superiores.