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Caso Marielle

STF torna réus irmãos Brazão e Rivaldo Barbosa pela morte de Marielle

Investigações apontam ligação de Brazão com milicianos, controle territorial em áreas ilegais e grilagem de terras no Rio. Mandantes do crime de Marielle teriam infiltrado agente político no PSOL para facilitar ação criminosa.

Da Redação

terça-feira, 18 de junho de 2024

Atualizado às 19:35

Nesta terça-feira, 18, de forma unânime, a 1ª turma do STF tornou réus por encomendarem a morte de Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, o deputado Federal Chiquinho Brazão, seu irmão, Domingos Brazão, conselheiro no Tribunal de Contas do RJ, e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa.

Os três foram presos em março, preventivamente, com autorização do ministro Alexandre de Moraes na Operação Murder, Inc., deflagrada pela PGR, pelo MP/RJ e pela PF. 

O voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, pelo recebimento da denúncia foi seguido pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cristiano Zanin e ministra Cármen Lúcia.

Quem são os réus?

Os irmãos Brazão são figuras políticas de longa data no Rio de Janeiro. Chiquinho Brazão foi vereador por quatro mandatos e serviu ao lado de Marielle Franco até sua morte em 2018. Ele foi eleito deputado Federal em 2022, mas se licenciou para ser secretário municipal de ação comunitária, cargo que ocupou brevemente até fevereiro. Sua citação levou o caso para a Suprema Corte.

Domingos Brazão entrou no Tribunal de Contas do Estado em 2015, após ser deputado estadual desde 1999.

Rivaldo Barbosa, delegado, tornou-se chefe da Polícia Civil do Rio em março de 2018, indicado pelo interventor federal Walter Braga Netto. Liderou a investigação da morte de Marielle e prometeu resolver o caso à família. Deixou o cargo em janeiro de 2019 após a posse de Wilson Witzel. Em delação, Ronnie Lessa indicou que os mandantes da execução fazem parte de um grupo político poderoso no Rio.

 (Imagem: Mario Agra/Câmara dos Deputados/Reprodução/TV Globo/Fernando Frazão/Agência Brasil)

Chiquinho Brazão, Domingos Brazão e Rivaldo Barbosa foram denunciados pela morte de Marielle Franco.(Imagem: Mario Agra/Câmara dos Deputados/Reprodução/TV Globo/Fernando Frazão/Agência Brasil)

Denúncia

O procurador-geral da República, Luis Augusto Santos Lima, afirmou que Major Ronald, então oficial da PM, uniu-se a Laerte Silva de Lima e Marcos Vinicius Reis dos Santos (Fininho) para formar uma milícia local, revelada pela Operação Intocáveis, que apoiou as campanhas dos irmãos Brazão em 2010, 2012 e 2014, garantindo-lhes votos e eliminando concorrentes.  Os irmãos Brazão beneficiaram milicianos com nomeações para cargos públicos, e controlavam loteamentos ilícitos em Jacarepaguá com a ajuda de Robson Calixto Fonseca, o Peixe.

Documentos da Polícia Federal confirmam os negócios ilícitos de Robson, que acessava dados restritos da prefeitura para regularizar terras invadidas. A denúncia também detalha transações imobiliárias fraudulentas e a aliança com Edmilson da Silva Oliveira, o Macalé, em Osvaldo Cruz.

Durante seu mandato, Chiquinho Brazão propôs leis para facilitar a regularização de áreas de milícia, enfrentando resistência de Marielle Franco e do PSOL, que defendiam a regularização para segmentos de menor renda. Para superar essa oposição, os irmãos Brazão teriam infiltrado Laerte no PSOL e planejado o assassinato de Marielle, com a colaboração de milicianos e do delegado Rivaldo Barbosa, e a execução realizada por Ronnie Lessa. A Procuradoria afirma que há justa causa para a denúncia, baseada na estrutura hierárquica da organização criminosa e nos indícios apresentados.

Para mais detalhes da denúncia, clique aqui.

Defesa de Rivaldo

O advogado do ex-delegado Rivaldo Júnior, Marcelo Ferreira de Souza, argumentou que Rivaldo não foi alçado à chefia de polícia para proteger a milícia. Ele foi nomeado durante o governo Michel Temer, no contexto da intervenção Federal no Rio de Janeiro, sem interferência de políticos locais ou autoridades estaduais. Além disso, afirmou o causídico, o chefe de polícia não conduz investigações diretamente.

Marcelo Souza sustentou que a alegação de recebimentos mensais é falsa e que a denúncia se baseia unicamente no depoimento de um delator. Ademais, que uma "devassa" foi feita nas contas de Rivaldo e de sua família, e não há provas de recebimento de valores ilícitos. Ele afirmou que não há qualquer conduta ilícita por parte de Rivaldo, e que aceitar a denúncia seria colocar toda a polícia do Rio de Janeiro no banco dos réus.

O advogado também afirmou que houve uma falha grave nas investigações quando investigadores Federais aceitaram como verdadeiro um dossiê comprado pelo ex-vereador do RJ, Marcelo Siciliano. Siciliano teria contratado dois policiais civis expulsos da corporação para incriminar os irmãos Brazão. Esses policiais incluíam Marinho e Aluísio Russo, que tinham parentes na polícia. Em depoimento, Marinho declarou que teve colaboração direta de três pessoas na elaboração do dossiê: um delegado Federal, um jornalista e um policial civil.

Como ninguém dava crédito ao dossiê, trouxeram o delegado Fabrizio José Romano para dar credibilidade ao documento. Ademais, afirmou que Ronnie Lessa conduziu a polícia Federal como boiadeiro conduz a boiada, dizendo o que ela queria ouvir, já que ele sabia do dossiê.

Defesa de Chiquinho Brazão

O advogado de defesa de Chiquinho Brazão, Cléber Lopes de Oliveira, comparou o caso ao famoso erro judiciário dos irmãos Naves em Araguari, ajustando para a situação atual, ressaltando que não há um "Benedito" aparecendo após tudo o que ocorreu.

Ele afirmou que não havia qualquer animosidade entre Marielle Franco e Chiquinho Brazão, refutando a alegação de que Marielle tinha como bandeira política o tema imobiliário. Segundo Cléber, Marielle apresentou apenas um projeto em 2017, que reproduzia uma política pública Federal, sem se opor aos projetos anteriores.

O advogado destacou que os projetos de lei 160 e 161 foram apresentados em 2015, antes de Marielle ser vereadora, e que eram de iniciativa do Executivo municipal. O PL 174, que apenas prorrogava o prazo para adesão das famílias a um programa anterior, foi apresentado em 2016, também antes de Marielle assumir seu mandato. 

Sobre a acusação de que Chiquinho Brazão teria infiltrado um agente no PSOL após as eleições de 2016, o advogado argumentou que seria impossível, já que não havia como prever o comportamento de Marielle. Ele também afirmou que essa informação não foi confirmada pela Polícia Federal.

Defesa de major Ronald

O advogado Igor Luiz Batista de Carvalho, atuante na defesa do major Ronald, afirmou que no processo se defendem espectros e fantasmas. Ele destacou que os dados de geolocalização de Ronald provam que ele não estava monitorando Marielle Franco. Além disso, ressaltou a ausência de indiciamento tanto pela Polícia Civil quanto pelo MP/RJ.

Defesa de Domingos Brazão

O advogado de Domingos Brazão, Roberto Brzezinski Neto, argumentou que haveria incompetência da Corte para julgar o caso. Ele destacou que o homicídio ocorreu em março de 2018, enquanto Chiquinho Brazão assumiu o mandato parlamentar em 2019, não havendo liame entre os eventos. O causídico também solicitou que o caso fosse desmembrado em relação àqueles que não possuem foro por prerrogativa de função.

Ele alegou que a defesa não teve acesso a todos os elementos da delação de Élcio Queiroz, pedido que foi indeferido, e pediu a conversão do feito em diligência para que a defesa possa ter acesso à delação de um corréu.

O advogado afirmou que não há provas dos encontros narrados por Ronnie Lessa, nem da entrega e devolução da arma. Ele questionou a credibilidade do relato, sugerindo que um sicário profissional não pediria a arma para o mandante e aceitaria a devolução, correndo o risco de ser descoberto.

Sobre os loteamentos, Roberto Brzezinski Neto mencionou que a Polícia Federal não encontrou evidências concretas de projeto ou planejamento de ação de ocupação.

Ao final, afirmou que a defesa enfrenta dificuldades para acessar a penitenciária de segurança máxima em Porto Velho. Pediu que a Corte reconhecesse a prerrogativa funcional de Domingos, como integrante do TCE, de ser recolhido em cela especial ou sala de Estado Maior, em conformidade com o art. 33, III, da lei da Magistratura.

Voto do relator

Em seu voto, que foi seguido por todos os pares, ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, afirmou que a alegação de incompetência do STF para julgar a ação não procede, com base no art. 53, §1º, e no art. 102, I, b da CF.

S. Exa. explicou que a análise deve ser feita a partir da imputação da procuradoria, que envolve organização criminosa, a qual não terminou antes da diplomação de um dos denunciados.

A natureza permanente do crime justifica que a competência se mantenha no STF, além da conexão com a obstrução de investigação envolvendo a organização criminosa. Ambas as questões estão relacionadas ao mandato de deputado, pois a obstrução requer poder de influência. Além disso, esse tema já foi tratado e referendado por unanimidade pela turma no momento da prisão.

A alegação de que crimes dolosos contra a vida não poderiam ser julgados no STF, devido à competência do tribunal do Júri, também foi rejeitada. O ministro afirmou que está pacificado que autoridades com prerrogativa de foro mantêm esse direito inclusive para esses crimes.

Moraes também afastou o desmembramento do processo, conforme a súmula 704 do STF, e rejeitou o impedimento e suspeição do ministro Flávio Dino, argumentando que o fato de Dino exercer o cargo de ministro da Justiça na época do reinício das investigações pela PF não configura hipótese de impedimento prevista no CPP

Além disso, afastou a alegação de cerceamento de defesa, afirmando que possui todas as certidões de todos os acessos das defesas às provas. Ademais, afirmou que estão previstos todos os requisitos do art. 41 do CPP, não havendo inépcia da inicial.

Quanto à denúncia, o ministro destacou que ela foi fundamentada pela colaboração premiada e outros elementos probatórios. "Há a presença de justa causa para o recebimento da denúncia porque a delação foi corroborada por outros elementos," afirmou. Para o ministro, a justa causa está presente a partir da tipicidade, punibilidade e viabilidade da ação penal, indicando a legitimidade da imputação do MP.

Moraes enfatizou que, além da detalhada narrativa feita pelo colaborador Ronnie Lessa, há outros indícios e provas trazidos pela Polícia Federal, como referências à organização criminosa, a relação entre os irmãos Brazão e Macalé, e imputações feitas pelo delator que coincidem com a produção probatória exposta na conclusão da CPI das Milícias da ALERJ, provada em denúncias e sentenças de milicianos condenados.

Em relação à organização criminosa, o Ministro elencou, em seu voto, dez documentos com indícios necessários para corroborar elementos da delação, e em relação aos homicídios, há 17 tópicos que sustentam a denúncia do MP.