STF decide que chefes do Executivo e do Legislativo podem ser parentes
Ação movida pelo PSB visava evitar concentração familiar nos cargos de liderança do Executivo e Legislativo.
Da Redação
quarta-feira, 5 de junho de 2024
Atualizado às 18:18
Em sessão plenária na tarde desta quarta-feira, 5, STF decidiu, por maioria, que parentes até segundo grau podem ocupar, simultaneamente, cargos de chefia dos Poderes Legislativo e Executivo da mesma unidade federativa.
Foi vitoriosa corrente trazida pela relatora, ministra Cármen Lúcia, pela possibilidade da ocupação dos cargos por parentes. S. Exa. foi seguida pelos ministros Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Ficaram vencidos ministros Flávio Dino, André Mendonça, Edson Fachin e Dias Toffoli.
Veja o placar:
Caso
A ação foi movida pelo PSB visando impedir que parentes próximos tenham, ao mesmo tempo, a chefia do Executivo e do Legislativo em uma mesma esfera governamental.
A ação visava prevenir casos como o de um presidente de Câmara Municipal ser filho do prefeito, ou de um presidente de Assembleia Legislativa ser filho ou cônjuge do governador, além de situações em que a liderança da Câmara dos Deputados ou do Senado possa ser exercida por um familiar direto do presidente da República.
Segundo o PSB, essa prática de concentração familiar nos cargos de liderança contraria o espírito da CF, que busca combater a oligarquização do poder político, conforme estabelecido no §7º do art. 14, referente à "inelegibilidade por parentesco".
O partido sustentou que tal concentração familiar nos poderes compromete princípios essenciais da administração pública, como a moralidade e a impessoalidade, além de enfraquecer a fiscalização das ações e contas do Executivo.
Voto da relatora
Ainda em plenário virtual, ministra Cármen Lúcia argumentou pela improcedência da ação.
No plenário físico, a ministra reiterou seu posicionamento, destacando que a interpretação proposta ampliaria o dispositivo constitucional para restringir direitos fundamentais, o que impediria a plena proteção garantida pela Constituição aos direitos políticos.
S. Exa. pontuou que o art. 14, § 7º da CF deve ser interpretado de forma restritiva, sendo uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Assim, concluiu que, embora a Constituição estabeleça outras hipóteses de impedimento, a restrição pretendida na ação não existe, e o Judiciário não pode promovê-la, sob pena de usurpar a competência do Legislativo.
- Leia o voto.
A ministra foi acompanhada pelos ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
Veja manifestação da ministra:
Divergência
Ao inaugurar divergência, ministro Flávio Dino afirmou que, no Brasil, a corrupção tem raízes históricas, e o nepotismo é uma forma de corrupção, reduzindo o profissionalismo e a legalidade.
Ressaltou que a separação de poderes visa evitar a concentração de poder nas mãos de uma pessoa e, da mesma forma, deve afastar a configuração de poderes familiares e oligárquicos. Portanto, entende que o poder familiar é inconstitucional e que o art. 14, §7º da CF visa evitar a cristalização do poder nas mãos de famílias.
O ministro destacou que as inelegibilidades não se limitam à literalidade da CF, mas também à sua principiologia. Citou decisões do STF, como a súmula 13, que impede o nepotismo, o fim do prefeito itinerante e a restrição ao presidente da câmara de assumir a presidência da república (ADPF 402), nas quais a Corte ampliou a interpretação de dispositivos constitucionais.
Prefeito itinerante
Refere-se a prefeitos que se elegiam em diferentes municípios consecutivos para contornar a limitação de mandatos consecutivos em um único município. Essa prática era usada por políticos que, ao fim de seu mandato em uma cidade, candidatavam-se a prefeito em outra cidade, frequentemente adjacente, mantendo-se no poder de forma contínua.
Flávio Dino pontuou que, embora Legislativo e Executivo sejam poderes distintos, eles interagem e podem estabelecer uma relação de dominância. Concluiu que permitir a chefia simultânea de parentes no Executivo e Legislativo vulnera o princípio da independência, uma cláusula pétrea prevista no art. 60, §4º da CF.
Ao final propôs a seguinte tese:
"O cônjuge, ou companheiro, e os parentes consanguíneos ou afins até o 2º grau ou por adoção, do chefe do Poder Executivo, ficam impedidos de ocupar o cargo do chefe de Poder Legislativo, do mesmo ente federativo, em respeito ao princípio da separação de poderes."
Dino foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Edson Fachin e Dias Toffoli.
Veja trecho do voto divergente:
Casuística
Ministro Cristiano Zanin acompanhou a relatora. Mas, ao votar, considerou a possibilidade de comprometimento concreto dos princípios republicano e democrático.
Mencionou que, em certos casos, pode haver o afastamento, pelo Judiciário, dos cargos. Apesar de não existir uma regra geral de inelegibilidade na CF, é possível analisar eventuais impedimentos para o exercício dos cargos, especialmente se for demonstrado o efetivo embaraço à autonomia constitucional dos Poderes, às atividades fiscalizatórias e ao exercício adequado das demais competências dos órgãos.
O ministro ressaltou que a vulneração do princípio republicano deve ser analisada caso a caso. O Judiciário pode ser acionado para restabelecer a convivência harmônica entre os Poderes e os princípios democráticos, mas essa possibilidade excepcional não deve se tornar uma regra geral sem previsão expressa na Constituição ou em Lei Complementar.
Carreira política
Seguindo o voto da relatora, ministro Alexandre de Moraes afirmou que a CF estabelece que o chefe do Executivo não pode patrocinar o início de carreiras políticas de seus parentes, mas também não deve obstruir aquelas iniciadas antes.
A exceção prevista no art. 14, §7º, que prevê inelegibilidade reflexa, permite que o parente não seja candidato no território do Executivo, salvo se for para reeleição. O ministro questionou as razões pelas quais o legislador teria ressaltado o impedimento para o Executivo, não para o Legislativo.
Assim, afirmou, a própria CF permite a candidatura para continuidade de mandato, evitando abuso e garantindo a continuidade da carreira política de parentes já eleitos.
Inelegibilidade reflexa
Trata-se de restrição prevista na CF que impede a candidatura de cônjuges e parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau, do titular do Executivo (presidente, governadores e prefeitos) no território de jurisdição deste, durante o mandato.
Sugestão
Ministro Barroso, ao votar seguindo a relatora, sugeriu a seguinte tese:
"A inelegibilidade por parentesco prevista no art. 14, §7º da CF não impede que cônjuge, companheiro ou familiares ocupem concomitantemente e na mesma unidade da Federação os cargos de chefe do Poder Executivo e de Presidente da casa Legislativa."
Até o encerramento da sessão, o presidente da Corte não mencionou qual será a tese final adotada no caso.
- Processo: ADPF 1.089