Mais de 400 condenados pobres conseguem isenção de pena de multa
Tese apresentada por defensor público protege pessoas em situação de vulnerabilidade social e permitiu reconhecimento de isenção.
Da Redação
quinta-feira, 2 de maio de 2024
Atualizado às 15:01
Centenas de pessoas em situação de vulnerabilidade social tiveram reconhecida a isenção do pagamento da pena de multa estabelecida pela Justiça com a ajuda da Defensoria Pública do Estado do Paraná, em Cascavel, em 2023.
A conquista foi possível em razão de uma tese construída pelo defensor público André Ferreira, coordenador da sede da instituição naquele município. O trabalho auxiliou mais de 400 pessoas.
Parte delas já cumpriam a pena de privação de liberdade e já havia execução da multa fixada pelo juízo. Outro grupo tinha processos em andamento e foram beneficiados quando tiveram suas multas fixadas e suspensas na sentença. Entre os beneficiados estão pessoas em situação de rua, desempregados ou com doenças debilitantes, entre outras situações de vulnerabilidade.
A execução dessas multas acaba por gerar o bloqueio de contas e impede a baixa do processo, mesmo que a pena de prisão já tenha sido cumprida.
Ao Migalhas, o defensor André Ferreira explicou a penalidade e a importância de sua isenção a presos pobres:
A aplicação da multa é parte da condenação de um crime ou de um delito, prevista nos artigos 49, 50, 51 e 52 do CP.
Antes, pessoas em situação de vulnerabilidade econômica poderiam solicitar o parcelamento da multa ao magistrado, mas não sua isenção. Com base na tese de Ferreira, aprovada e apresentada no VII Encontro Anual de Teses e Concurso de Práticas Institucionais Exitosas da DPE/PR, a equipe da instituição em Cascavel obteve decisões favoráveis a usuários e usuárias da Defensoria que não podem arcar com o seu custo.
"Essa é uma tese que impede a cobrança da multa, considerando que a pessoa não tem dinheiro para pagar esse valor. Portanto, ainda que elas sejam sentenciadas com a pena de multa, o melhor é que isso não gere o bloqueio de suas contas. E o juízo de Cascavel tem acolhido essa sustentação. Além disso, temos obtido sucesso com a tese também em casos de pessoas cujas contas estavam próximas de serem bloqueadas. Nessas situações, conseguimos também a suspensão de qualquer cobrança."
Ao todo, o defensor atuou em 283 processos em que as multas já estavam sendo executadas e causando consequências, como bloqueio de contas, aos usuários. Essa parcela de pessoas atendidas consistia principalmente em pessoas ainda privadas de liberdade, em situação de rua, desempregadas e com doenças debilitantes, entre outros grupos vulnerabilizados. Já os casos em que a DPE/PR conseguiu impedir o começo da execução somam 120 pessoas contempladas.
Mudanças no STF
Em julgamento recente, o plenário do STF decidiu que o juiz responsável pela execução penal tem a prerrogativa de anular a penalidade se, com base nas evidências presentes no processo, concluir que o condenado não possui meios financeiros para efetuar o pagamento da multa.
Estes casos, no entanto, são exceção. O colegiado reafirmou que o descumprimento da pena de multa impede a extinção da punibilidade do condenado, exceto se for comprovada a impossibilidade do pagamento - ainda que de forma parcelada.
Decisão se deu em ação ajuizada pelo partido Solidariedade, visando ao reconhecimento da possibilidade de extinção da pena privativa de liberdade já cumprida, mesmo em caso de inadimplência da multa.
O relator era o ministro Flávio Dino, que admitiu a exceção.
Acompanhando o relator, o ministro Zanin afirmou o seguinte: "O pagamento da pena de multa não pode ser exigido de pessoas em estado de pobreza sob pena de criar uma injustificável desigualdade em relação aos apenados com condições de adimplemento."
O trecho acabou incorporado ao voto do relator.
Consequências da multa
Segundo o defensor, uma das consequências graves da multa não quitada é que o processo criminal não se encerra mesmo depois do cumprimento da privação de liberdade, por exemplo. A pessoa é impedida de emitir a certidão de baixa do processo, o título de eleitor e de votar, além do prejuízo financeiro, interferindo em seu próprio sustento.
Ferreira conta que a tese central usada mostra que muitos dos usuários beneficiados pela decisão estavam em situação de rua ou a fonte de renda consistia apenas em auxílios do governo ou pensões pequenas. Portanto, não conseguiriam pagar valores que chegavam até R$ 20 mil em multas.
De acordo com Ferreira, a multa é mais aplicada em casos de crimes patrimoniais, ou seja, que geram prejuízo financeiro para as vítimas, como furto, roubo, apropriação indébita, entre outros. Mas, segundo ele, pode ser aplicada também em caso de condenação por tráfico de drogas, por exemplo.
Ferreira explicou que a pessoa condenada é comunicada sobre a pena de multa após trânsito em julgado do caso, ou seja, quando não há mais possibilidades de recursos. Por lei, ele tem um prazo de dez dias para pagar o valor. Se a multa não for liquidada, a Justiça pode bloquear o valor direto na conta corrente do apenado.
Qual o valor da multa?
A pena de multa é destinada ao Funpen - Fundo Penitenciário Nacional, que financia e apoia as atividades e programas do sistema penitenciário. O valor será fixado na sentença e calculado pelo juízo em dias-multa de, no mínimo, dez e, no máximo, 360 dias.
A quantia não deve ser inferior a um trigésimo do salário-mínimo na época da sentença, e nem superior a cinco vezes esse mesmo salário. Multa atrasada pode ter o valor corrigido. Como exemplos, para crimes patrimoniais mais comuns do código penal, a multa parte do valor mínimo de quase R$ 500. Para os casos de tráfico de drogas, pode variar entre o mínimo de R$ 6 mil para réus primários e R$ 20 mil para reincidentes.