STJ: Prisão por dívida alimentícia deve ter fundamentação específica
Colegiado considerou que a prisão civil, como qualquer medida coercitiva, é necessário haver uma justificativa adequada para sua imposição, especialmente porque envolve direitos fundamentais da pessoa executada.
Da Redação
terça-feira, 30 de abril de 2024
Atualizado às 14:29
Para a 4ª turma do STJ, é obrigação do juízo fundamentar - de maneira individualizada, razoável e proporcional - o tempo de prisão civil decorrente do não pagamento da dívida alimentícia. O colegiado concluiu que a fundamentação, necessária em qualquer medida que envolva coerção à pessoa, evita que o período de restrição da liberdade seja fixado de maneira indiscriminada pelo juízo.
Com esse entendimento, a turma julgadora fixou no mínimo legal de um mês o tempo de prisão de um devedor de alimentos. No decreto original de prisão, o juízo havia se limitado a indicar o prazo de três meses, sem, contudo, apresentar justificativa específica para esse período.
"Não se pode admitir que uma decisão superficial e imotivada, com a mera escolha discricionária do magistrado, venha a definir o tempo de restrição de liberdade de qualquer pessoa, sob pena de se incorrer em abuso do direito e arbítrio do magistrado, impedindo a ampla defesa e o contraditório pelo devedor, além de inviabilizar o controle das instâncias superiores pelas vias recursais adequadas", afirmou o relator do recurso em habeas corpus, ministro Raul Araújo.
O decreto prisional foi mantido em segundo grau, sob o entendimento de que não há ilegalidade se a decisão respeita o prazo máximo de três meses previsto no art. 528, parágrafo 3º, do CPC.
Garantia constitucional
O ministro Raul Araújo lembrou que, conforme previsto no art. 93, IX, da CF/88, a motivação das decisões judiciais é elemento fundamental de proteção e garantia da liberdade, além de servir como ferramenta de limitação do próprio poder do Estado.
"Visando dar concretude aos ditames constitucionais é que o Código de Processo Civil de 2015 dispôs, de forma expressa, sobre o dever de fundamentação analítica e adequada de todas as decisões judiciais (artigo 489, parágrafo 1º), em substituição ao livre convencimento e em repulsa às interpretações arbitrárias e solipsistas", completou o ministro.
Apesar dessas premissas, Raul Araújo apontou que tem havido divergência nos tribunais brasileiros a respeito da necessidade de motivação do decreto de prisão civil no tocante ao tempo de encarceramento, ou seja, se é necessário haver uma espécie de "dosimetria" ou se o período está inserido na discricionariedade do juízo.
Escolha do tempo de prisão
O relator comentou que a prisão civil é um instrumento legal para coagir o devedor de alimentos a cumprir sua obrigação de forma mais rápida. Como qualquer medida coercitiva, apontou o ministro, é necessário haver uma justificativa adequada para sua imposição, especialmente porque envolve direitos fundamentais da pessoa executada.
"Nessa perspectiva, deve prevalecer o dever de fundamentação analítica e adequada de toda decisão determinante de prisão civil do devedor de alimentos, seja quanto ao preenchimento dos requisitos - requerimento do credor; existência de débito alimentar que compreenda até três prestações anteriores ao ajuizamento da execução; não pagamento do débito em três dias; ausência de justificação ou de impossibilidade de fazê-lo (CPC, art. 528) -, seja quanto à definição do tempo de constrição de liberdade entre o mínimo e o máximo (um a três meses) estabelecidos pela legislação", detalhou.
Entre os elementos que podem auxiliar o juízo na determinação do tempo de prisão, o ministro apontou a capacidade econômica do devedor e o valor da dívida; o comportamento do devedor (se age de boa-fé ou se é reincidente); as características pessoais (se está desempregado, se tem outros filhos ou é doente); e as consequências do não pagamento para o alimentando (abandono de escola ou danos à saúde, por exemplo).
O processo tramita sob sigilo.
Informações: STJ.