Como ficam os direitos autorais com as novas tecnologias? Veja análise
Advogadas abordam os direitos autorais frente às novas tecnologias, analisando como a digitalização e a internet impactam na proteção das obras intelectuais.
Da Redação
terça-feira, 23 de abril de 2024
Atualizado às 07:24
A era digital trouxe transformações em todos os aspectos da sociedade, e o mundo literário não é exceção. Com o advento de novas tecnologias, como a inteligência artificial, surge um novo paradigma para os direitos autorais.
As tecnologias não apenas alteram a forma como as obras literárias são criadas, distribuídas e consumidas, mas também desafiam as leis tradicionais de proteção autoral estabelecidas. Neste contexto, a discussão sobre a adequação da legislação atual diante dos avanços tecnológicos se torna crucial.
Livia Barboza Maia, advogada do escritório Denis Borges Barbosa Advogados, abordou como as inovações tecnológicas estão redefinindo os limites e possibilidades para autores e editores no setor literário.
Embora as novas tecnologias não tenham alterado diretamente a legislação de proteção de direitos autorais no Brasil, a advogada aponta que elas facilitaram significativamente o acesso às obras. "Para o leitor, há uma oferta mais rápida e mais barata devido aos acessos digitais", explica Livia.
Um ponto crítico na interseção de tecnologia e direitos autorais é o papel da IA na criação de obras literárias. Entretanto, segundo Livia, como a legislação atual define autor como pessoa física, não seria possível a inteligência artificial ser autora. "A titularidade (direitos patrimonais) poderá ser exercida pelas pessoas físicas. Mas, sem autor não há titular, então também não há direitos patrimoniais para a inteligência artificial."
Mídias sociais
Para Livia, as mídias sociais têm um papel duplo na distribuição de obras literárias. Ao mesmo tempo que ajudam a propagar e levar obras para um número maior de pessoas, ao tornar as barreiras geográficas mais fáceis de serem alcançadas, o investimento financeiro também pode ser menor.
As mídias sociais têm um papel duplo na distribuição de obras literárias. Elas permitem uma ampla disseminação e podem até facilitar a viralização de obras com mínimo investimento financeiro. "Se antes a publicização requeria mais tempo e dinheiro, agora é possível que haja até uma 'viralização' nas redes com pouco investimento," observa Livia.
A advogada explica, ainda, que assim que a obra "nasce" o direito autoral já se aplica, mas, de outro lado a reprodução é mais fácil de ser feita. Com efeito, a solução, para Livia, é buscar as respostas também nas novas tecnologias.
"Por exemplo, o Blockchain é uma dessas novas tecnologias voltadas a registros. Reitero, que registro de direito autoral não é obrigatório (hoje é feito na Biblioteca Nacional), mas as novas tecnologias podem ajudar a dar publicidade daquela autoria. Também, podemos pensar em tecnologias que ajudem a pôr marcas (visíveis ou não) que poderão ser checadas (em uma espécie de rastreio digital). Há sites, Migalhas é um excelente exemplo, que ao copiarmos um trecho ele automaticamente cola a referência do texto."
Futuro do direito autoral
Olhando para o futuro, Maia compara as preocupações atuais com as que surgiram com a invenção das copiadoras, sugerindo que, assim como no passado, a sociedade e a lei encontrarão maneiras de adaptar-se e proteger os direitos autorais na era digital. Ela ainda compara a geração das fitas cassetes e CDs com os streamings como Spotify e Netflix.
"A tecnologia também deve ser usada a favor dos autores e titulares para que seus direitos possam ser resguardados," ela adiciona, destacando o potencial de tecnologias como o blockchain para registrar e verificar a autoria de maneira segura e transparente.
"As novas tecnologias nos fornecem softwares cada vez mais rápidos e inteligentes que ajudam a rastrear usos indevidos. As universidades cada dia utilizam melhores ferramentas para a checagem de plágio."
Desclassificação em prêmio
Em 2023, o Prêmio Jabuti desclassificou um livro ilustrado com inteligência artificial. A ilustração do clássico de Mary Shelley foi publicada em 2022. À época do lançamento, a editora ressaltou a iniciativa inédita.
"Pela primeira vez - não só no Brasil, mas no mundo - um clássico foi inteiramente ilustrado por inteligência artificial: a nossa edição de Frankenstein", dizia a publicação no Instagram do Clube de Literatura Clássica.
As artes criadas por IA não estavam previstas no Regulamento do Prêmio Jabuti, e foi essa a justificativa da Câmara Brasileira do Livro para a desclassificação. "As regras da premiação estabelecem que casos não previstos no regulamento sejam deliberados pela curadoria, e a avaliação de obras que utilizam IA em sua produção não estava contemplada nessas regras."
Os responsáveis pelo livro desclassificado alegam que o uso de IA para fins artísticos deve ser aceito, pois não implica somente em criações "randômicas e puramente maquinais", já que é um recurso colocado à disposição do artista.
Já os responsáveis pela desclassificação do livro defendem necessária cautela acerca do tema, devendo ser consideradas as questões de direitos autorais, sobretudo com relação ao aproveitamento de obras já existentes para produção de uma nova via ferramentas de IA.
A advogada responsável por estudo sobre o tema, Gabriela Lima, Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual, destaca que os sistemas de IA podem violar direitos autorais, tanto pelo uso de material protegido para fins de treinamento do sistema (input) quanto em relação ao seu produto (output), que pode conter características essenciais de obra anterior protegida.
Por fim, diz que a Câmara Brasileira do Livro se comprometeu a discutir sobre o uso de IA nas próximas edições do Prêmio Jabuti para estabelecer regras claras.