Lava Jato: CNJ mantém afastamento de desembargadores e revoga de juízes
Maioria votou para revogar o afastamento da juíza Federal Gabriela Hardt e do juiz Federal Danilo Pereira e manter o afastamento dos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores e Loraci Flores de Lima.
Da Redação
terça-feira, 16 de abril de 2024
Atualizado às 21:33
O CNJ decidiu nesta terça-feira, 16, revogar o afastamento da juíza Federal Gabriela Hardt e do juiz Federal Danilo Pereira e manter o afastamento dos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores e Loraci Flores de Lima pela atuação na Lava Jato.
Quanto à abertura do PAD, o ministro Luís Roberto Barroso pediu vista e levará o voto na próxima sessão.
O caso do ex-juiz e senador Sergio Moro, por não ter cautelar de afastamento, foi desmembrado e retirado de pauta.
O julgamento ficou assim:
Confira resumo das manifestações:
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"Vejo com muita preocupação, pois impõe um temor injustificado e que não queremos para a magistratura brasileira" - Subprocurador-Geral José Adonis Callou sobre afastamento de Gabriela Hardt.
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"Estamos fazendo sustentação sem conhecimento das provas" - Advogado Nefi Cordeiro, defensor da juíza Gabriela Hardt.
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"Juízes devem poder exercer seu mister sem receio de serem afastados por alguém que compreenda diferente" - Advogado Nefi Cordeiro, representando a Apajufe - Associação Paranaense dos Juízes Federais pelos magistrados Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima.
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"O juiz convocado não tinha ciência da decisão do STF e muito menos poderia descumprir uma decisão que sequer sabia que existia, e mais, se ele participou uma única vez, ele não reiterou essa conduta" - Advogado Sergio Antônio Ferreira Victor, defensor do juiz convocado Danilo Pereira Júnior.
- "É evidente que, ocupando posição no Tribunal, os desembargadores podem operar para que as provas necessárias ao deslinde dos feitos possam ser utilizadas para conturbar o processo" - Corregedor Luis Felipe Salomão, ao determinar afastamento e abertura de PAD dos magistrados.
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"A ideia de combate a corrupção foi transformada em uma espécie de "cash back" para interesses privados" - Ministro Luis Felipe Salomão ao analisar afastamento de Gabriela Hardt.
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"Ilegítima, arbitrária e desnecessária. Se chancelarmos isso, estaremos cometendo uma injustiça, quando, não, uma perversidade" - Barroso de decisão monocrática que afastou os magistrados.
- "Não havia nenhuma razão para suspeitar de alguma coisa errada. Como regra geral, os atos do MPF têm presunção de legitimidade, como os atos do Poder Público em geral. Ninguém supõe que o MPF esteja participando de alguma coisa errada para olhar para um acordo como se fosse algo suspeito" - Barroso de homogação do acordo pela juíza Gabriela Hardt.
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"Se sempre que um juiz vier a ser reconhecido como incompetente, for punido, toda exceção de incompetência temos que punir o juiz. Além disso, [há alegação] de que o acordo era inconstitucional. Se todo ato jurisdicional que o Supremo venha a considerar inconstitucional gerar punição, vamos ter que multiplicar as dependências do STF" - Barroso ao revogar o afastamento de Gabriela Hardt.
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"Para se instaurar o PAD é preciso que tenhamos tido um acesso pessoal mínimo à documentação e às provas, que nem o Super Homem poderia ter. Eu não voto no bolo, eu voto conscientemente, lendo e me preparando. Se, ao devolver a vista, eu me convencer que teve algum fato errado e ilícito, eu votarei pela abertura do PAD, mas eu não tive tempo de estudar, como ninguém aqui teve" - Barroso ao pedir vista do caso quanto à abertura do PAD.
Sustentações orais
Pelo Ministério Público, o subprocurador-Geral José Adonis Callou defendeu que o CNJ instaurasse o processo administrativo disciplinar par apurar os fatos, mas não vê motivação suficiente pelo afastamento cautelar da juíza Federal Gabriela Hardt.
Quanto aos desembargadores do TRF-4, o membro do parquet manteve a posição. Para ele, uma única decisão que afrontaria o STF não seria suficiente para justificar um afastamento cautelar de magistrados "com vida longa no Judiciário". "Vejo com muita preocupação, pois impõe um temor injustificado e que não queremos para a magistratura brasileira", ressaltou. Diante disso, disse que respeita eventual processo administrativo disciplinar, mas se manifestou pelo não afastamento cautelar dos magistrados por ausência de justificativa suficiente.
O advogado Nefi Cordeiro, ministro aposentado do STJ, sustentou oralmente na tribuna pela defesa da juíza Gabriela Hardt. O defensor disse que estava fazendo sustentação sem conhecimento das provas, pois não teve acesso ao relatório. "O corregedor liberou o relatório final hoje de manhã, que ainda estamos analisando, mas não tivemos acesso às provas citadas", incluiu. Nefi ainda ressaltou que a juíza saiu da vara da Lava Jato, de modo que não tem contato com os processos ou servidores, e não poderia influenciar a investigação.
Nefi Cordeiro, representando a Apajufe - Associação Paranaense dos Juízes Federais, também sustentou pelos magistrados Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima. Segundo defendeu, os desembargadores têm larga experiência, com imaculada fixa funcional e exemplo de julgadores. Ele apontou ainda que o julgamento apontado como afronta ao STF não fora de ações que estavam suspensas. "Juízes devem poder exercer seu mister sem receio de serem afastados por alguém que compreenda diferente", finalizou.
Em nome de Danilo Pereira Júnior, o advogado Sergio Antônio Ferreira Victor, juiz convocado para compor a 8ª turma, salientou que a atuação do magistrado foi completamente diferente, pois ele não tinha dever funcional de acompanhar as decisões que poderiam afetar as decisões da Lava Jato, pois não tinha competência judicante na operação. "Danilo não tinha ciência da decisão do STF e muito menos poderia descumprir uma decisão que sequer sabia que existia. E mais, se ele participou uma única vez, ele não reiterou essa conduta."
Relator - Mantendo o afastamento
- Desembargadores
Corregedor, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou em seu voto pelo afastamento dos desembargadores que eles tinham consciência de que a legalidade da prova utilizada para embasar o julgamento da exceção de suspeição era, no mínimo, controversa e que a questão estava sob análise do Supremo Tribunal Federal.
O ministro ressaltou que os desembargadores disseram que "grande parte das investigações relacionadas às delações realizadas pelos executivos daquela empresa estão sob análise perante o STF, que inclusive já suspendeu ações penais". "Falam isso e continuam com a análise?", completou Salomão.
Para o corregedor, é inadmissível, num Estado Democrático de Direito, o desrespeito obstinado às decisões legítimas de Cortes Superiores. Ainda segundo S. Exa., é evidente que, ocupando posição no Tribunal, os magistrados podem operar para que as provas necessárias ao deslinde dos feitos, possam ser utilizadas para conturbar o processo.
"As condutas praticadas de caráter grave podem ser consideradas não só aquelas que possuem por consequências repercussões imediatas à atividade contemporaneamente realizada pelo magistrado, mas também, e sobretudo, aquelas que, já realizadas, possuem o condão de gerar mácula na imagem do Poder Judiciário e na confiança do jurisdicionado face a tal poder. Por isso que, em situação que certamente seria profundamente majorada, ante a constatação, por esses mesmos jurisdicionados, de que o investigado permanece incólume até o julgamento final do PAD."
Por fim, para o corregedor, a verificação acerca de efetivo prejuízo e/ou interferência nas investigações em curso caso o magistrado permaneça no exercício das funções, também autoriza a realização do poder de cautela.
Diante disso, concluiu pela possibilidade de determinação do afastamento dos magistrados, antes ou durante a apuração, além de abertura de PAD.
- Gabriela Hardt
Quanto à conduta de Gabriela Hardt, o corregedor afirmou não ter dúvidas de que houve participação dela na operação para a criação da fundação privado, com o "desvio do dinheiro público para uma iniciativa privada". "Como se sabe, a consumação é apenas o desvio, e não a apreensão dos valores, basta o desvio", completou.
Segundo Salomão, a correição descobriu que a homologação do acordo cível ocorreu após a juíza discutir e analisar, previamente e fora dos autos, por meio de conversas por aplicativo de mensagens, e admitido ela magistrada na correição, os termos de "acordo de assunção de compromisso" que estava sendo articulado entre o MPF e a Petrobras, estabelecendo condições para sua homologação, quando apresentado ao juízo, e antecipando decisão favorável.
"Sem o feito estar devidamente instruído, com diversas ilegalidades patentes, a magistrada homologou o acordo em questão, que destinava grande montante de dinheiro público à criação de uma fundação de direito privado de interesse pessoal dos próprios procuradores da Lava-Jato que formularam o pedido, além do pagamento de indenizações a determinados acionistas minoritários da Petrobras de acordo com critério temporal e sem respaldo legal ou explicação razoável, neste último caso atendendo interesses de um advogado específico."
Para Salomão, todas as condutas detalhadas, ao serem analisadas em conjunto, podem ser reunidas em uma reiterada conduta de desrespeito à coisa pública e de incorreta prevalência do interesse privado sobre o interesse público, evidenciando a violação - pela juíza Federal - dos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade e, sobretudo, do princípio republicano.
Considerando "a gravidade dos fatos", votou para manter o afastamento da magistrada.
Por fim, o ministro submeteu à homologação do plenário o relatório da correição.
Divergência - Revogando o afastamento
Ministro Barroso iniciou seu voto criticando o afastamento por decisão monocrática. Para ele, foi uma decisão "ilegítima, arbitrária e desnecessária", e nada urgente que não poderia esperar 24 horas.
Prosseguindo, Barroso explicou que STF julgou uma exceção de suspeição, mas ela não estava suspensa pela Corte. "Portanto, julgou um processo que não estava suspenso", ressaltou.
"O que aconteceu foi que a consequência do julgamento de exceção de suspeição, levou a anulação de decisões que o juiz suspeito havia proferido. Essas decisões se deram em processos, estes sim, que deveriam estar suspensos. Portanto, foi uma consequência indireta de uma decisão num processo sobre o qual não pendia nenhum tipo de decisão do Supremo. Foi uma consequência indireta, que levou à invalidação que havia liberado prisões."
O ministro destacou ainda que a decisão não constava dos autos e, portanto, os desembargadores estão sendo punidos pelo que não sabiam que não deveriam ter feito.
A imputação que se faz a ela, é a homologação de um acordo em janeiro de 2019, há cinco anos. "Evidentemente não se trata um fato minimamente contemporâneo para tornar urgente o afastamento da juíza, que todos dizem ter reputação ilibada, ser seríssima", disse Barroso. "No meio Jurídico, todo mundo sabe quem é quem. Essa moça não tinha nenhuma mácula sobre a carreira dela para ser sumariamente afastada."
Para Barroso, a acusação contra Gabriela Hardt é apenas por ter homologado um acordo. "Ato jurisdicional típico e de jurisdição voluntária administrativa. Não foi ela que fez o acordo. Não havia nenhuma razão para suspeitar de alguma coisa errada. Como regra geral, os atos do MPF têm presunção de legitimidade, como os atos do Poder Público em geral. Ninguém supõe que o MPF esteja participando de alguma coisa errada para olhar para um acordo como se fosse algo suspeito."
Barroso ainda lembrou que, quando o ministro Alexandre de Moraes entendeu que a criação de uma fundação privada para gerir dinheiro de finalidade pública não deveria entrar na conta da fundação, e sim no tesouro nacional, e anulou o acordo. "Ele não fez nenhuma imputação à juíza ou ao MPF de qualquer natureza, ele só disse que era um acordo que estava destinando dinheiro público a uma fundação privada, e entendeu que não era legítimo, invalidando o acordo, ponto."
Por fim, Barroso destacou que há o argumento de que a juiz não tinha competência, pois o acordo tinha natureza civil e ela era juíza criminal.
"Ora, se sempre que um juiz vier a ser reconhecido como incompetente, se for punido, toda exceção de incompetência temos que punir o juiz. Além disso, de que o acordo era inconstitucional. Se todo ato jurisdicional que o Supremo venha considerar inconstitucional gerar punição, vamos ter que multiplicar as dependências do STF."
Trecho de decisão transcrita pelo corregedor informa que o juiz Eduardo Appio também teria atuado em processo que estava supostamente suspenso. Barroso observou que o magistrado celebrou um TAC com a corregedoria para mudar da vara Federal para uma vara Previdenciária. "Os desembargadores forem afastados, a desproporcionalidade, dois pesos e duas medidas, soa evidente nesse caso."
Mais grave, para Barroso, foi o afastamento do juiz Danilo, pois ele atuava em outra turma e foi convocado apenas para compor o quórum. "Esse juiz não integrava, não tinha memória dos julgamentos. Seria uma exigência diabólica imaginar que um juiz convocado tivesse que saber todo o acervo daquela turma."
Assim, Barroso votou para revogar o afastamento de todos os magistrados.
Vista
Quanto à abertura do PAD, o ministro pediu vista, por não ter dado tempo de analisar e estudar o processo "com a seriedade e responsabilidade que ele precisa", pois os dois relatórios e os autos da correição foram liberados no dia anterior da sessão (ontem), às 18h, com 1.160 páginas. Os relatórios foram inseridos no sistema no dia da sessão (hoje) com 146 páginas, assim como os registros audiovisuais de 14 depoimentos, inclusive da juíza Gabriela Hardt com 26 horas e os votos do relator.
"Para se instaurar o PAD, é preciso que tenhamos tido um acesso pessoal mínimo à documentação e às provas, que nem o Super Homem poderia ter. Eu não voto no bolo, eu voto conscientemente, lendo e me preparando. Se, ao devolver a vista, eu me convencer que teve algum fato errado e ilícito, eu votarei pela abertura do PAD, mas eu não tive tempo de estudar, como ninguém aqui teve."
Relembre
Na segunda-feira, 15, Salomão afastou das funções a juíza Federal Gabriela Hardt, que foi substituta de Sergio Moro na 13ª vara Federal de Curitiba, e três integrantes da 8ª turma do TRF-4: desembargadores Thompson Flores, Loraci Flores, e o juiz Federal Danilo Pereira Júnior.
A decisão do corregedor tem como base uma auditoria realizada na 13ª vara de Curitiba, responsável pelos processos da operação em 1º grau, e na 8ª turma do TRF-4, que recebeu os processos em 2ª instância.
Para Salomão, os quatro cometeram irregularidades em suas atuações; ele citou prevaricação; desrespeito às decisões do STF de forma deliberada e reiterada; e atuação com motivação pessoal, e não apenas técnica em suas decisões.
- Processos: 0003537-28.2023.2.00.0000 e 0006135-52.2023.2.00.0000