Tatá Werneck não indenizará juiz do caso Mari Ferrer por post no X
Magistrado entendeu que postagem da atriz contra estupro culposo apenas reafirmou o óbvio.
Da Redação
sexta-feira, 29 de março de 2024
Atualizado em 31 de março de 2024 17:58
A atriz e humorista Tatá Werneck não indenizará o juiz de Direito Rudson Marcos, da 3ª vara Criminal de Florianópolis/SC. Trata-se de decisão proferida pelo juiz de Direito Luiz Claudio Broering, do 1º JEC de Florianópolis/SC, em uma das mais de 200 ações movidas por Rudson contra posts em redes sociais afirmando que ele absolvera investigado do caso Mari Ferrer sob o fundamento de "estupro culposo".
Tatá compartilhou em sua conta no X (antigo Twitter) uma imagem contendo a expressão "estupro culposo", com a palavra "culposo" riscada e a seguinte legenda: "ESTUPRO CULPOSO? Jura? As pessoas vão permitir que uma mulher seja atacada como foi , estuprada e ainda inventem um termo que nem existe pra defender o estuprador?".
Contra a postagem, Rudson ajuizou ação por danos morais pedindo R$ 15 mil de indenização. Segundo o magistrado, a atriz teria atribuído a ele o emprego da mencionada fundamentação na sentença.
Em sua defesa, Tatá Werneck afirmou que a postagem na rede social não mencionou o nome do magistrado, seu cargo ou lotação, nem fez menção a uma suposta absolvição pelo fundamento de "estupro culposo", mas expressou, tão somente, revolta sobre a possibilidade da existência da tese.
Atestou o óbvio
Ao analisar a demanda, o magistrado entendeu que a postagem de Tatá Werneck não teve contribuição aos ataques sofridos por Rudson.
"Isso porque, ainda que haja menção a 'estupro culposo' na imagem e na legenda do post, não houve utilização do nome ou da imagem do requerente; não foi feita menção à 3ª Vara Criminal da Comarca da Capital ou ao número dos autos do processo criminal, e não houve nem sequer crítica indireta à atuação do demandante", constatou.
O julgador destacou que a atriz se limitou a dizer que estupro culposo não existe, o que encontra respaldo no ordenamento jurídico. Assim, segundo o magistrado, "o fato de a publicação da ré, atriz e humorista famosa no país, ter sido considerada, por veículos de comunicação, como revolta em relação ao caso da influenciadora digital Mari Ferrer, deriva justamente da interpretação da mídia sobre os desdobramentos da absolvição, e não da conduta da demandada, que se limitou a atestar o óbvio: inexiste estupro culposo".
Inúmeras ações
No início de 2024, o juiz de Direito Rudson Marcos ajuizou mais de 200 processos por danos morais contra pessoas e veículos de comunicação que utilizaram a hashtag #estuproculposo, ou que citaram a expressão em referência ao caso Mariana Ferrer, que foi conduzido por ele em 1ª instância.
A seleção de publicações que teriam ofendido a honra do juiz foi feita por ele próprio, assim como a definição dos valores pleiteados.
Origem da confusão
O termo "estupro culposo" não foi dito pelo magistrado. Pelo que se nota, foi uma licença jornalística para criticar a decisão.
Aliás, no exato dia que surgiu a reportagem da audiência, feita pelo The Intercept, em novembro de 2020, Migalhas explicou que havia uma confusão com o uso do termo.
E de onde saiu essa ideia de "estupro culposo"?, pergunta a leitora.
Curiosamente, a resposta pode estar na própria decisão do magistrado.
Com efeito, na sentença criminal absolutória, ele cita uma doutrina que explica que "não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável" (MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado, vol. 3: parte especial, arts. 213 ao 359-H. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2017, p. 72-73).
A menção se deu para o magistrado entabular o raciocínio segundo o qual, para a configuração do tipo penal do estupro de vulnerável (art. 217-A, §1º, CP) "é necessário que a vítima, por qualquer motivo, não tenha condições físicas ou psicológicas de oferecer resistência à investida do agente criminoso, bem como haja dolo na conduta do agressor e ciência da vulnerabilidade que acomete a vítima".
Assim, para o juiz, o acusado só poderia "ser condenado pela prática do crime em análise se restasse comprovado que naquela ocasião Mariana Borges Ferreira não tinha o necessário discernimento para a prática do ato sexual, em razão da vulnerabilidade decorrente da ingestão de substância ilícita/desconhecida ou mesmo de embriaguez".
E, segundo o julgador, "a ausência de consentimento por parte da vítima, decorrente da impossibilidade de oferecer resistência (pela ingestão de substância ou embriaguez), não ficou demonstrada".
Melhor explicando, não há, pela decisão, dúvida quanto a ter havido a relação sexual. O imbróglio se dá quanto ao consentimento. A vítima diz que não foi uma relação consentida, porque ela não estava em condições de consentir (vulnerabilidade). Mas, para o magistrado, a vulnerabilidade não foi provada.
É um caso dificílimo, mas a dificuldade não livra o magistrado de ser criticado. E as críticas, em situações assim, nem sempre são técnicas ou precisas, pois isso é coisa para operadores do Direito. Os leigos reclamam apenas porque o deslinde da história não é como imaginavam, confundindo os termos aqui e ali.
Audiência do terror
A discussão toda em torno de uma bobagem quanto ao uso do termo "estupro culposo" não pode obnubilar o principal do caso, que foi a audiência presidida - a propósito, mal presidida - pelo magistrado.
O advogado do acusado confrontou a vítima sob olhar pusilânime de juiz e promotor. Este que depois iria pedir absolvição do réu, e aquele que iria absolvê-lo.
- Processo: 5017159-40.2023.8.24.0091
Veja a sentença.