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Sessão

STJ decide que Robinho deve cumprir pena no Brasil

Por maioria, ministros decidiram pelo cumprimento imediato da pena em regime fechado.

Da Redação

quarta-feira, 20 de março de 2024

Atualizado em 21 de março de 2024 08:23

Nesta quarta-feira, 20, a Corte Especial do STJ decidiu pela homologação da sentença italiana que condenou Robinho a nove anos de prisão por estupro naquele país. Por 9 a 2, o colegiado decidiu que o ex-jogador deve cumprir a pena no Brasil.

O relator, ministro Francisco Falcão, votou pela homologação da sentença estrangeira com a transferência da execução da pena imposta pela Justiça italiana a Robinho, para o cumprimento de nove anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de estupro.

Já o ministro Raul Araújo divergiu do relator pela não homologação da sentença estrangeira. Para ele, a transferência da execução da pena apenas é possível nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, ou seja, quando não envolver a figura de um brasileiro nato.

Considerando que eventuais recursos contra a decisão não possuem efeito suspensivo, a Corte Especial, também por maioria de votos, determinou que a Justiça Federal de Santos/SP - cidade onde mora o jogador - dê início imediato ao cumprimento da sentença homologada, nos termos do artigo 965 do Código de Processo Civil. 

Em resumo, o voto do relator, seguido por maioria do colegiado, considerou que:

  • Judiciário brasileiro não revisa a decisão da Itália;
  • a homologação da transferência da pena não enfrenta obstáculos constitucionais ou legais;
  • Robinho foi devidamente representado e regularmente citado no processo italiano, garantindo a validade da sentença;
  • os crimes correspondem a infrações penais no Brasil, e a pena de nove anos está dentro dos limites legais brasileiros;
  • a transferência da pena para o Brasil é permitida por tratados internacionais;
  • a transferência é essencial para evitar impunidade e reforça o compromisso internacional do Brasil;
  • não cabe revisar o mérito do caso, mas a gravidade do crime contra a vítima é enfatizada;
  • não homologar a transferência significaria impunidade e violação dos direitos da vítima;
  • o Brasil tem sido criticado pela CIDH pela ineficácia do seu sistema judicial, especialmente no que diz respeito aos direitos das vítimas;
  • a não homologação da sentença poderá agravar a violação dos direitos da mulher ofendida.

Sustentações orais

O julgamento se iniciou com as sustentações orais dos amici curiae. 

Carlos Nicodemos Oliveira Silva, advogado representante da União Brasileira de Mulheres, sustentou na tribuna destacando que dar vasão a apropriação indevida do racismo para justificar a não homologação é uma violação a vários precedentes. O advogado também destacou que mulheres negras são as maiores vítimas de estupro no Brasil.

Advogado de Robinho, José Eduardo Rangel de Alckmin, disse que é um caso com distinção notável, pois cria impacto nos dias e hoje e que ninguém discorda da necessidade de se amparar o direito das mulheres. No entanto, destacou que o tema tratado na ocasião é de natureza eminentemente constitucional e sobre o princípio do devido processo legal.

Alckmin ressaltou o tratado de cooperação entre Brasil e Itália, que diz que "a cooperação não compreenderá a execução de medidas restritivas da liberdade pessoal nem a execução de condenações", e citou ainda o tratado bilateral de extradição entre Brasil e Itália, que dispõe que "quando a pessoa reclamada, no momento do recebimento do pedido, for nacional do Estado requerido, este não será obrigado a entregá-la".

Segundo Alckmin, na leitura da decisão italiana da a ver que no início havia uma imputação de "induzione" - indução de que o grupo teria induzido a vítima a beber para se aproveitar dela -, e na condenação o que se fala é que ouve "constrizione" - constrangimento para se aproveitar de pessoa que está sem capacidade de reagir.

Para o advogado, há mudança no fato. "Em um há o convencimento da vítima, em outro é o constrangimento, em que se aproveita se uma pessoa sem condições", ressaltou.

Pela Anacrim - Associação Nacional da Advocacia Criminal, o advogado Márcio Guedes ressaltou que a entidade é sensível com a defesa do direito das mulheres, e é uma das pautas da associação, porém entende que "não se combate crime vilipendiando e flexibilizando direitos e garantias fundamentais".

Ao sustentar pelo MPF, o subprocurador Hindemburgo Chateaubriand frisou que "não se pode permitir a impunidade do brasileiro que cometeu crime no exterior simplesmente porque o Brasil não o extradita". O membro do parquet ainda destacou que as normas do país estrangeiro não têm que ser as mesmas do país em que se executa a decisão, "é uma regra elementar".

Homologação da sentença italiana, sim

Relator, o ministro Francisco Falcão pontuou no voto que a Corte Especial já decidiu, por unanimidade de votos, que não há obrigatoriedade na apresentação da integralidade do processo que originou a decisão homologada e que não cabe ao Poder Judiciário brasileiro atuar como revisor das decisões proferidas pelo Judiciário italiano.

Para ele, não há óbice constitucional ou legal para a homologação da transferência da execução da pena solicitada pela República da Itália, pois a sentença penal condenatória foi confirmada pelo tribunal ordinária de Milão e houve trânsito em julgado.

O ministro ainda acentuou que Robinho não foi julgado à revelia na Itália, pelo contrário, estava representado por advogado devidamente constituído e foi regularmente citado.

"A sentença proferida é eficaz no país em que foi proferida. O pedido foi enviado por via diplomática e encontra-se instruído com cópia da sentença homologada e da respectiva tradução", explicou.

Segundo o relator, os fatos que originaram a condenação constituem infração penal perante a lei brasileira. "A penalidade de nove anos de reclusão não destoa dos limites legais previstos na legislação penal brasileira", incluiu.

"Como não é possível extraditar cidadão brasileiro nato, o próprio governo brasileiro admitiu o processamento do pedido de transferência da pena formulado pelo governo da Itália, pois por meio de tratados internacionais, a rede de proteção de cidadãos brasileiros foi feita com a possibilidade do cumprimento da pena no seu próprio país. Com isso, além da transferência da execução da pena, também se possibilita a própria transferência do preso que cumpre pena fora do território nacional."

Falcão narrou que, quando não for cabível a extradição, impõe-se a incidência da transferência da execução da pena, justamente para que não haja impunidade decorrente da nacionalidade do indivíduo.

"Em síntese, não há inconstitucionalidade na transferência da execução da pena, porque não há violação do núcleo fundamental contido no art. 5º da Constituição. Pelo contrário, há um reforço do compromisso internacional do Brasil em adotar instrumentos de cooperação eficientes para assegurar a jurisdição criminal."

De acordo com o relator, descabe análise do mérito do processo criminal. De outro lado, observou que a conduta criminosa recai sobre uma mulher albanesa que estava na Itália e foi vítima de estupro coletivo. "Não há como negar que ela, sim, teve sua dignidade ultrajada pela prática de ato tão adjeto", disse.

Francisco Falcão considerou que, caso não se homologue a transferência de execução da pena, a vítima terá sua dignidade ultrajada, pois o criminoso ficará completamente impune, ante a impossibilidade de deflagração de nova ação penal no Brasil para apurar o mesmo fato, conforme jurisprudência da Suprema Corte.

O ministro ainda lembrou que o Brasil vem sendo sistematicamente condenado pela CIDH pela inefetividade do sistema de jurisdição. Em especial, do direito das vítimas, da obtenção da verdade real e da punição dos criminosos. 

"A não homologação da sentença poderá agravar a violação dos direitos da mulher ofendida ao se deixar impune um criminoso que teve imposta pena de nove anos de reclusão."

Diante dos fundamentos, votou pela homologação da sentença estrangeira com a transferência da execução da pena imposta pela Justiça italiana a Robinho, para o cumprimento de nove anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de estupro.

Homologação da sentença italiana, não

Em divergência ao voto do relator, o ministro Raul Araújo salientou que a doutrina favorável à aplicação do instituto a brasileiro nato, ao enfrentar a redação expressa da lei, busca explicação no argumento de que a transferência de execução da pena só tem lugar nos casos em que se cogita de extradição executória, isto é, quando se impõe pena no exterior a uma pessoa que se encontra no Brasil.

O ministro explicou que a transferência de execução não se aplica, é claro, a pedido de extradição instrutória, quando a ação penal ainda tem curso no exterior. "Todavia, o argumento cede diante da leitura do próprio art. 100, quando prescreve que a transferência da execução da pena será possível quando a sentença tiver transitado em julgado", disse.

"Ora, se um dos requisitos legais para transferência da execução da pena é o trânsito em julgado da sentença condenatória, o instituto em nada dialoga com a extradição instrutória, não é disso que trata, portanto, pois esta tem por escopo permitir que o extraditado participe do processo penal ainda em curso, não é o caso aqui."

Para Raul, a transferência da execução da pena apenas é possível nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, ou seja, quando não envolver a figura de um brasileiro nato.

O ministro ainda analisou a retroação da lei de migração, enfatizando que não é possível que seja aplicada a casos anteriores. "No caso dos autos, é sabido que o crime ocorreu em 22 de janeiro de 2013, enquanto a lei de migração, alicerce jurídico do pedido, data de 24 de maio de 2017, quatro anos depois."

Ministro Raul Araújo destacou em seu voto que o entendimento dele não significa impunidade.

"Isso porque o Código Penal brasileiro, em seu art. 7º, estabelece as hipóteses nas quais o brasileiro nato, que pratique crime no exterior, estará sujeito a processo e julgamento no Brasil. E, no caso concreto, todas as condições do art. 7º estão presentes", considerou. 

"Sem a pretensão de esgotar o debate, pretende-se apenas demonstrar que se trata de tema disputado, sujeito a legítimas e distintas interpretações, a afastar qualquer afirmação no sentido de que a rejeição da homologação da sentença estrangeira equivaleria a aquecer com odiosa impunidade."

Por fim, o ministro votou por rejeitar o pedido de homologação da sentença penal estrangeira.

Votos

O julgamento da Corte Especial teve votações distintas em relação à homologação da sentença estrangeira; à fixação, pelo STJ, do regime de cumprimento da pena, e à necessidade de aguardar o trânsito em julgado da homologação para início da execução da condenação. Veja como ficaram os votos em cada uma das votações realizadas durante o julgamento:

- Votação sobre o pedido de homologação da sentença:

Votaram pela homologação: ministros Francisco Falcão (relator), Humberto Martins, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sebastião Reis Júnior;

Votaram pela não homologação: ministros Raul Araújo e Benedito Gonçalves.

- Votação sobre a possibilidade de o STJ fixar o regime de cumprimento da pena e pela necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da decisão de homologação para execução da pena:

Votaram pela desnecessidade de trânsito em julgado e pela possibilidade de fixação imediata de regime: ministros Francisco Falcão, Humberto Martins, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves e Ricardo Villas Bôas Cueva;

Votaram pela possibilidade de fixação de regime e necessidade de trânsito em julgado da homologação: ministros Mauro Campbell Marques, Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira;

Votou pela impossibilidade de fixação de regime e pela necessidade de trânsito em julgado da homologação: ministro Sebastião Reis Junior;

Votou pela vedação ao STJ de analisar qualquer tema que não seja a homologação ou não da sentença estrangeira: ministro Raul Araújo. 

O caso

O jogador de futebol Robinho foi condenado no dia 19 de janeiro na última instância da Justiça italiana, pelo crime de violência sexual de grupo (ou estupro coletivo), cometido há nove anos em Milão, quando jogava pelo Milan.

O julgamento se deu na 3ª seção penal do Supremo Tribunal de Cassação. A pena é de nove anos de prisão, com multa de 60 mil euros (R$ 374 mil). A condenação e a pena também foram confirmadas para o amigo do jogador Ricardo Falco. 

Em fevereiro, a Justiça italiana solicitou o cumprimento de pena do jogador no Brasil. O pedido foi registrado pela Procuradoria de Milão, e representou o primeiro passo para o pedido de extradição e a apresentação de um mandado de prisão internacional contra o jogador.

Antes de apresentar defesa contra o pedido de homologação, os advogados de Robinho solicitaram ao Tribunal que o governo italiano fosse intimado a apresentar cópia integral do processo, com a respectiva tradução, mas o requerimento foi rejeitado em agosto do ano passado pela Corte Especial.