Íntegra do voto do ministro Eros Grau em RE sobre isenção de ICMS em leasing
Da Redação
sexta-feira, 1 de junho de 2007
Atualizado às 08:57
TAM
Íntegra do voto do ministro Eros Grau em RE sobre isenção de ICMS em leasing
Leia a íntegra do voto do ministro Eros Grau no Recurso Extraordinário 461968, julgado na sessão plenária de anteontem. Os ministros entenderam que a TAM Linhas Aéreas S.A. deve ficar isenta do pagamento do ICMS em importação de peças de reposição de aeronaves por meio de arredamento mercantil - leasing.
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RELATOR : MIN. EROS GRAU
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 461.968-7 SÃO PAULO
RECORRENTE(S) : ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADO(A/S) : PGE/SP MANOEL FRANCISCO PINHO
RECORRENTE(S) : TAM - LINHAS AÉREAS S/A
ADVOGADO(A/S) : ROBERTO DE SIQUEIRA CAMPOS E OUTRO(A/S)
RECORRIDO(A/S) : OS MESMOS
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO Eros Grau: O debate que se trava nestes autos diz respeito à constitucionalidade da incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior mediante operação de arrendamento mercantil [leasing].
2. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu incidir, na hipótese, o ICMS.
3. A contribuinte interpôs recursos especial e extraordinário, ambos admitidos pelo Tribunal a quo [fls. 408/410].
4. O recurso especial foi provido pelo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO DE AVIÃO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS. PRECEDENTES."
'A jurisprudência desta eg. Corte é iterativa, no sentido de que a importação de mercadorias mediante contrato de arrendamento mercantil (leasing) não caracteriza fato gerador do ICMS' (AGA n. 343.438/MG, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 30.06.2003). Na vigência do arrendamento, a titularidade do bem arrendado é do arrendante, admitida a sua transferência futura ao arrendatário. Não há, até o término do contrato, transmissão de domínio, razão pela qual se entende que não existiu circulação do bem para fins de cobrança do ICMS. Nesse diapasão, estabelece o artigo 3º, inciso VIII, da Lei Complementar n. 87/96 que o imposto não incide sobre operação de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário.
Recurso especial provido" [fls. 413/421].
5. O Estado de São Paulo opôs embargos de declaração contra esse acórdão, que resultaram rejeitados [fls. 427/434]. Seguiu-se a interposição de recurso extraordinário [fls. 436/446] em que foi alegada violação do disposto nos arts. 5º, XXXV, LIV e LV, 93, IX, 105, III, 155, § 2º, IX, "a", da Constituição do Brasil. Esse extraordinário não foi admitido [fls. 468/469], ensejando-se o seu exame mercê de provimento do agravo de instrumento n. 528.977, apensado a estes autos.
6. Em virtude de os recursos extraordinários da contribuinte e do Estado de São Paulo debaterem matéria idêntica --- constitucionalidade da incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior mediante operação de arrendamento mercantil [leasing] ---, passo a apreciá-los conjuntamente.
É o relatório.
V O T O
O SENHOR MINISTRO Eros Grau (Relator): Devo sublinhar inicialmente determinada circunstância, atinente ao fato de a indústria aeronáutica de grande porte valer-se de modalidade peculiar de arrendamento mercantil para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação aérea, de aeronaves por ela construídas.
2. Por mais estranho que possa parecer, aqui é a normalidade que aparenta ser peculiar. Pois de arrendamento mesmo se trata nesses casos. Vale dizer: ainda que se fale em leasing, as arrendadoras [= indústria aeronáutica direta ou indiretamente] permanecem, ao final do termo do contrato, proprietárias dos bens transferidos temporariamente ao uso das companhias de navegação aérea. Esse é um fato notório. Quando aeronaves e/ou peças ou equipamentos que as componham são importadas em regime de leasing não se prevê a sua posterior transferência ao domínio do arrendatário.
3. Ora, essa circunstância importa em que não se verifique, no caso, circulação de mercadoria, pressuposto da incidência do tributo de que se cuida. O imposto --- diz o artigo 155, II da Constituição do Brasil --- é sobre "operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior".
4. A circulação de que aqui se trata é circulação econômica, envolvendo transferência de domínio. Veja-se, por todos, GERALDO ATALIBA:
"Circular significa, para o direito, mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria muda de titular, ocorre circulação para efeitos jurídicos. [..] Vê-se, portanto, que 'circulação', tal como constitucionalmente estabelecido (art. 155, I, 'b'), há de ser jurídica, vale dizer, aquela na qual ocorre a efetiva transmissão dos direitos de disposição sobre mercadoria, de forma tal que o transmitido passe a ter poderes de disposição sobre a coisa (mercadoria)1."
5. Isso me parece inquestionável. Em recente decisão, o Ministro Sepúlveda Pertence, ao negar provimento ao AI n. 605.950, DJ de 9.10.06, reafirmou entendimento do Plenário desta Corte que, no julgamento do RE n. 158.834, DJ de 23.10.02, Relator o Ministro Marco Aurélio, considerou indevida a exigência de pagamento de ICMS em operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Relembre-se ter naquela ocasião sustentado, o Ministro Marco Aurélio, que "[a] saída apenas física de um certo bem não é de molde a motivar a cobrança do imposto de circulação de mercadorias. Requer-se, como consta do próprio texto constitucional, a existência de uma operação que faça circular algo passível de ser definido como mercadoria, pressupondo, portanto, como aliás ressaltado por Aliomar Baleeiro em 'Direito Tributário Brasileiro', a transferência de domínio".
6. Daí devermos dizer, de pronto, que na hipótese de que ora cogitamos --- arrendamento mercantil contratado pela indústria aeronáutica de grande porte para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação aérea, de aeronaves por ela construídas --- não há operação relativa à circulação de mercadoria sujeita à incidência do ICMS.
7. Essa verificação informará a correta compreensão do preceito veiculado pelo inciso XI, alínea a, do § 2º do artigo 155 da Constituição do Brasil.
8. No mínimo duas leituras poderiam ser feitas desse texto, a primeira delas conduzindo à equivocada suposição de que:
qualquer entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade sofrerá a incidência do ICMS.
9. Da segunda leitura, adequada à compreensão do todo normativo que o artigo 155 e seus parágrafos integram --- vale dizer, mais do que mera leitura, interpretação do seu texto --- extrair-se-á a seguinte norma:
qualquer entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior --- desde que atinente a operação relativa à circulação desse mesmo bem ou mercadoria --- por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade sofrerá a incidência do ICMS
10. O imposto não é sobre a entrada de bem ou mercadoria importada, senão sobre essas entradas desde que elas sejam atinentes a operações relativas à circulação desses mesmos bens ou mercadorias.
11. Digo-o em outros termos: o inciso XI, alínea a, do § 2º do artigo 155 da Constituição do Brasil não instituiu um imposto sobre a entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior por pessoa física ou jurídica.
12. O que faz é simplesmente estabelecer que, desde que atinente a operação relativa a sua circulação, a entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior por pessoa física ou jurídica sofrerá a incidência do ICMS.
13. Daí porque o tributo não incide sobre a importação de aeronaves, equipamentos e peças mediante contrato de arrendamento mercantil (leasing) a que respeita o recurso extraordinário.
14. E nem se alegue que se aplica ao caso o precedente do RE 206.069, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, no bojo do qual se verificava a circulação mercantil, pressuposto da incidência do ICMS. Nesse caso, aliás, acompanhei a relatora. Mas o precedente disse com a importação de equipamento destinado ao ativo fixo de empresa, situação na qual a opção do arrendatário pela compra do bem ao arrendador era mesmo necessária, como salientou a eminente relatora.
15. Tanto o precedente supõe essa compra que a eminente relatora a certo ponto do seu voto afirma: "[e]is por que, em contraponto ao sistema da incidência genérica sobre a circulação econômica, o imposto será recolhido pelo comprador do bem que seja contribuinte do ICMS". Daí também porque não se o pode aplicar às prestadoras de serviços de transporte aéreo, em relação às quais não incide o ICMS, como foi decidido por esta Corte na ADI 1.600.
16. Observo, por fim, que as importações de que se trata nos autos são anteriores às alterações introduzidas no inciso XI, alínea a, do § 2º do artigo 155 da Constituição do Brasil pela Emenda Constitucional n. 33/2001, não se destinando, os equipamentos importados, ao consumo ou ao ativo fixo da recorrente TAM - Linhas Aéreas S.A.
Dou provimento ao recurso extraordinário da TAM - Linhas Aéreas S.A. e nego provimento ao recurso extraordinário do Estado de São Paulo, para julgar indevida a incidência do ICMS sobre a importação de equipamentos em virtude de arrendamento mercantil contratado pela indústria aeronáutica de grande porte para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação aérea nacionais, de aeronaves por ela construídas.
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