Aborto legal: Lei que obrigava mulheres a verem imagem de feto é suspensa
Lei de Maceió também submetia gestante a ver vídeos de cirurgias.
Da Redação
sexta-feira, 19 de janeiro de 2024
Atualizado em 26 de janeiro de 2024 14:55
Está suspensa a lei municipal 7.492/23, de Maceió, que dificulta o aborto legal, submetendo a gestante a uma série de procedimentos, entre eles a visualização de cirurgias de interrupção de gestação, e o acompanhamento de crescimento do feto. Decisão é do desembargador Fábio Costa de Almeida Ferrario, do TJ/AL, ao deferir liminar nesta quinta-feira, 18.
O desembargador viu na norma vício de inconstitucionalidade formal e material, e afirmou que, em um estado de fragilidade, que é o da mulher que busca o aborto pelas causas previstas em lei (estupro, anencefalia ou risco de vida), caberia ao Estado ampará-la - e não impor obrigações.
Em 33 páginas, Ferrario registrou a necessidade de que sejam assegurados os direitos das mulheres, o direito à saúde, bem como que a análise do tema seja feita sob perspectiva de gênero - como preconiza o CNJ.
Nos casos daquelas que sofreram violência sexual, exemplificou o desembargador, "o município termina por atuar como agente de revitimização", praticando "segunda e verdadeira violência institucional".
"Sob o equivocado pretexto de esclarecer e orientar, a lei municipal comete e reforça violências contra a mulher. Ao invés de serem acolhidas, por imperativo do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde, por melhor que tenha sido a intenção legislativa, termina que, em verdade, ressuscita uma culpabilização perpetrada contra essas mulheres que optaram por interromper a vida intrauterina, em decorrência de uma dolorosa e inesperada circunstância."
O magistrado destacou que "a mulher deve ser tratada como autêntico sujeito de direitos, e não como objeto de interesses políticos ou ideológicos".
A ação
A ação direta de inconstitucionalidade estadual foi ajuizada pela Defensoria Pública de Alagoas contra a lei, e relatou, em suma, que o texto legal obriga mulheres que buscam o aborto legal na rede municipal de saúde a verem, de forma detalhada, com imagens, o desenvolvimento do feto semana a semana, além de assistirem a vídeos da cirurgia de execução do procedimento.
A Defensoria alegou que o município não tem competência para legislar sobre a temática, como também viola a Constituição Estadual ao desrespeitar dispositivo que assegura a dignidade da pessoa humana mediante a preservação de direitos invioláveis, como o direito à saúde.
Condicionantes inconstitucionais
Ao decidir, o magistrado destacou que o diploma normativo questionado, além de criar despesa aos estabelecimentos municipais de saúde, estabelece diversas condicionantes para que a mulher realize um aborto legal - "que, como se sabe, é juridicamente permitido nas hipóteses de gravidez com risco à vida da gestante (art. 128, inciso I, CP), gravidez resultante de estupro (art. 128, inciso II, CP) e anencefalia fetal (ADPF 54)".
Para ele, é evidente a ausência de interesse local na matéria, tampouco existe situação fática específica, motivo pelo qual a legislação representa burla ao sistema de repartição de competências.
Mas não é só: para ele a lei também incorre em vício material. Ele destacou que a garantia fundamental à saúde está prevista como direito de todos e dever do Estado.
Perspectiva de gênero
O magistrado assinalou que a validade da norma deve ser apreciada sob a perspectiva de gênero, como preconiza o CNJ, e que a lei municipal "desconsidera completamente a situação de fragilidade e vulnerabilidade em que se encontra uma mulher que está prestes a realizar um aborto."
"A mulher não escolhe ser estuprada, não escolhe correr risco de vida em sua gravidez e não escolhe ter um feto com anencefalia. Todas essas situações são extremas, e bastante dolorosas, sendo obrigatório, por isso mesmo, ao Estado em sentido lato, a criação e implantação de políticas públicas destinadas a suavizar e protegê-las desse sofrimento e suas inegáveis sequelas."
Para o desembargador, a partir do momento em que o Estado obriga que essas mulheres, sobretudo menores de idade, assistam a vídeos do procedimento e sejam avisadas sobre absolutamente todos os possíveis riscos, aumenta-se o sofrimento psicológico e emocional, violando seu direito fundamental à saúde.
Compreendeu, portanto, que resta evidente a inconstitucionalidade da lei, e observou que constam nos autos pareceres da procuradoria da Câmara Municipal e da procuradoria-Geral do município opinando pela inconstitucionalidade.
Deferiu, portanto, a liminar, para determinar a imediata suspensão dos efeitos da lei.
O magistrado determinou a intimação da OAB e do Conselho Regional de Psicologia para que, querendo, atuem como amicus curiae no feito.
Urgência
Em razão da urgência do tema, o magistrado determinou que o feito seja levado para a próxima pauta do Pleno, em mesa, para apreciação pelo órgão colegiado.
- Processo: 0800234-78.2024.8.02.0000
Leia a decisão.