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Caso Gustavo Pereira

Advogado de jovem preso injustamente por 1 ano lamenta: "sistema erodiu"

Caso ganhou novos contornos após o pedido de indenização por danos morais e materiais feito pelo jovem ser negado pela Justiça do Rio.

Da Redação

domingo, 10 de dezembro de 2023

Atualizado em 11 de dezembro de 2023 09:02

Era dia 2 de setembro de 2020, quando o jovem carioca Gustavo Nobre, conhecido como Gugu, foi detido acusado de participar de um assalto na zona sul da capital fluminense.

A família do produtor, sem saber os aspectos da prisão, procurou a advogada criminalista Clarissa Oliveira, que indicou o advogado criminalista José Carlos Abissamra Filho, no qual passou a integrar a equipe de defesa do jovem.

O advogado tomou conhecimento de que, à época da prisão, Gustavo se recuperava de uma cirurgia invasiva nos pulmões, realizada após ser diagnosticado com pneumotórax espontâneo, o que impossibilitaria de estar na cena do assalto. O que chamou ainda mais a atenção de Abissamra foi o fato de a prisão ter sido motivada somente pelo reconhecimento da vítima do assalto, baseado em uma foto no Facebook.

Segundo José Carlos, durante a investigação, a autoridade policial deveria ter analisado o caso, não se limitando à informação da vítima. Ele ressaltou que o STJ estabeleceu que a não observância do art. 226 do CPP invalida o reconhecimento da pessoa na polícia, sendo inadmissível como fundamento para condenação, mesmo que confirmado na fase judicial.

"O inquérito policial é um instrumento jurídico destinado a verificar a existência ou não de um fato criminoso e quem é o seu autor. Naquele caso do Gustavo, eu não sei quais foram as razões que motivaram a vítima a apontar aquela pessoa. Pode ser um racismo estrutural, pode ser o racismo estrutural acumulado com estigma e erro [...], mas o inquérito deveria ter funcionado. Quando uma boa investigação é conduzida, você mitiga as causas do erro judiciário."

De acordo com o advogado, condenações injustas, semelhantes ao caso de Gustavo, não representam apenas um equívoco do Judiciário, mas sim de todos os envolvidos no processo.

"O Innocence Project, um instituto norte-americano que lida apenas com o erro judiciário, identificou algumas causas de erros judiciários, e eles não são apenas do Poder Judiciário. O reconhecimento errado é uma delas, perícia errada e confissões falsas também. Para demonstrar que aquele erro está levando a uma condenação errada é uma dificuldade enorme, por isso prefiro chamar de condenação errada e não de erro judiciário."

Compensação e correção

Apesar do reconhecimento do erro, Gustavo teve o pedido de indenização por danos morais e materiais rejeitado pela juíza de Direito, Maria Paula Gouveia Galhardo, da 4ª vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro/RJ.

Para José Carlos, a decisão é errônea, uma vez que diante da execução de uma condenação errada, o Judiciário tem a obrigação de reparar o erro por meio da indenização, mesmo que ainda não seja o mais ideal.

"Aqui não é uma questão de 'ah, mas o sistema agiu de acordo com aquilo que figurava na época.' Não é essa questão. Uma pessoa inocente foi presa. Isso é terrível. Quando uma pessoa inocente é presa, o sistema erode, ele não funciona, perde a legitimidade e [isso] é muito sério."

Segundo o advogado, é fundamental que a Justiça brasileira assuma os erros e os repare, sem se ater à culpabilização deles ou à extensão do equívoco, uma vez que o dano causado à vida do outro é irrefutável.

"O erro judiciário cria uma marca indelével na pessoa, e o erro nunca é evidente. Não é um erro evidente, porque se fosse, a pessoa não seria presa. Se há um erro e a pessoa foi presa, é porque uma dúvida havia. A questão é que a prova é tão difícil de produzir nesse cenário que isso fica uma marca."

Para José Carlos, é preciso enfrentar a disfuncionalidade do sistema, pois, caso o setor não funcione adequadamente, ele perde sua confiabilidade e gera insegurança jurídica.

"Os erros acontecem toda hora, e a questão é que o erro não pode acontecer. No mundo dos humanos, que é predominantemente da imperfeição, nós temos que evitar que o erro aconteça. E se ele acontecer, temos que repará-lo imediatamente. Digo isso porque é preciso aprimorar os instrumentos constantemente."

Segundo o advogado, a Justiça tem se esforçado mais para mitigar esses equívocos, mas os esforços ainda são pequenos e longe das necessidades do setor.

"Precisamos ter a consciência de que o sistema jurídico criminal é uma política pública como outra qualquer. Ela tem que trazer benefícios sociais, não é uma mera incidência, não pode ser simplesmente uma ação política. Tem que ser uma ação de política pública. Uma incidência penal errada leva a uma condenação errada, mas ela também leva a uma disfuncionalidade do sistema, e um sistema disfuncional não é um sistema legítimo. E quando você erode a legitimidade do direito, ficamos sem Estado e sem benefício nenhum."