STJ afasta ressarcimento de dona do navio Vicuña por carga incendiada
Segundo colegiado, a responsabilidade pela perda da carga é da entidade portuária recebedora da mercadoria.
Da Redação
terça-feira, 24 de outubro de 2023
Atualizado em 27 de outubro de 2023 15:10
A 3ª turma do STJ afastou condenação da proprietária do navio Vicuña à seguradora por carga incendiada. Segundo o colegiado, é fato incontroverso que no momento da explosão a operação de descarga já tinha sido iniciada, razão pela qual a responsabilidade da transportadora da carga já havia sido cessada.
O colegiado ainda destacou que a responsabilidade pela perda da carga da propriedade da segurada, cuja seguradora recorrida se sub-rogou, é da entidade portuária recebedora da mercadoria, no caso, Cattalini Terminais Marítimos, que sequer apelou da sentença.
No dia 15 de novembro de 2004, o navio chileno Vicuña explodiu no Porto de Paranaguá, município localizado no Estado do Paraná. O desastre provocou um vazamento de 290 mil litros de óleo combustível que atingiu manguezais, restingas e levou a proibição da pesca.
Em 2017, a 2ª seção do STJ concluiu julgamento de repetitivo envolvendo o dano ambiental decorrente da explosão. O colegiado considerou que inexistia nexo de causalidade entre os danos ambientais resultantes da explosão do navio e a conduta das empresas adquirentes da carga transportada.
Na ocasião, foi fixada tese segundo a qual as empresas adquirentes da carga transportada pelo navio Vicunã no momento de sua explosão não respondem pela reparação dos danos alegadamente suportados por pescadores da região atingida.
Neste ano, a 1ª turma do STJ fixou que a multa aplicada pela capitania dos Portos em razão de derramamento de óleo não exclui a possibilidade de aplicação de penalidade pelo Ibama em relação ao mesmo fato.
Ação de ressarcimento
Nesta terça, a 3ª turma analisou recurso da proprietária do navio chileno Vicuña, condenada em ação de regresso solidariamente com operador portuário em Paranaguá/PR a indenizar a quantia paga por seguradora relativa à carga incendiada em explosão num de seus tanques.
Ela alegou que as investigações realizadas pelas autoridades não apontaram a causa do acidente, em 2004, considerado um dos piores desastres ambientais do litoral paranaense.
Afirmou não haver comprovação de conduta, omissão, culpa ou responsabilidade pelo evento de forma subsidiária, e pede, entre outros pontos, sua isenção, visto que no momento do incidente já havia sido iniciada a descarga, efetivando-se a entrega ao terminal marítimo, cessando o risco e a responsabilidade do transportador, tratada em diversos capítulos do CC.
O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, ressaltou em seu voto que há norma específica delimitando o início e o fim da responsabilidade do respectivo transportador (decreto lei 116/67), que dispõe sobre as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d'água nos portos brasileiros, delimitando sua responsabilidade e tratando de faltas e avarias.
Dessa forma, segundo o ministro, verifica-se que a responsabilidade do transportador marítimo começa desde o momento em que é iniciado o procedimento de carga acostado do navio, que vai desde a linha de flutuação até a borda, com a operação dos respectivos aparelhos, e termina no momento em que a mercadoria é entregue à entidade portuária.
"Ocorre que o momento considerado como de efetiva entrega da mercadoria é aquele em que se inicia a lingada do içamento dentro da embarcação, ou seja, início da operação de descarga. Em outras palavras, segundo a legislação de regência, não é preciso esperar o fim da operação da descarga da mercadoria no porto de destino para cessar a responsabilidade do transportador marítimo, bastando um mero início da operação para que seja o término do contrato de transporte e a responsabilidade passa a ser do recebedor da carga."
Na hipótese, o ministro considerou que é fato incontroverso que no momento da explosão do navio a operação de descarga do metanol no terminal já tinha sido iniciada, razão pela qual, nos termos do que estabelece a legislação, a responsabilidade da transportadora da carga já havia sido cessada.
"Também é fato incontroverso que, após mais de um ano de investigação, a Capitania dos Portos de Paranaguá concluiu pela impossibilidade de verificação das causas da explosão. Diante desse cenário, a responsabilidade pela perda da carga da propriedade da segurada, cuja seguradora se sub-rogou, é da entidade portuária recebedora da mercadoria, que sequer apelou da sentença."
Assim, reformou o acórdão para julgar improcedente ação de ressarcimento em desfavor da recorrente.
- Processo: REsp 1.625.990
O advogado Paulo Cremoneze, que atuou no caso, disse que "foi grande satisfação ver que o STJ realmente entende que o segurador sub-rogado na pretensão original do seu segurado contra o causador do dano não pode se submeter aos termos de contrato do qual não foi parte".
"A arbitragem só tem lugar quando livremente desejada. Satisfação ainda maior em garantir o ressarcimento integral em favor da segurador da vítima original do dano. A exclusão do armador não alterou a imputação de responsabilidade do terminal que causou a explosão. Ao reafirmar a primazia da jurisdição brasileira, a Corte Superior manteve a condenação principal que a Justiça paranaense havia consagrada. Atuo no caso desde seu início, cerca de 20 anos atrás, e alegro-me com a conclusão positiva e o respeito à garantia fundamental do acesso à jurisdição e ao princípio da reparação civil integral."