TST reconhece vínculo de emprego entre entregador ciclista e Uber Eats
Colegiado considerou que a empresa, "de forma discricionária, decidia pela manutenção ou não do entregador na plataforma, o que evidencia o seu poder diretivo".
Da Redação
terça-feira, 10 de outubro de 2023
Atualizado em 11 de outubro de 2023 06:31
A 2ª turma do TST reconheceu o vínculo de emprego entre um ciclista entregador de alimentos da Uber Eats e a Uber. Com a decisão, o processo retornará ao 1º grau para julgar os pedidos do trabalhador.
O caso
Na ação, o entregador disse que prestou serviços para a Uber entre maio e julho de 2021, sem registro na carteira de trabalho, até ser descredenciado. Para requerer o vínculo de emprego, apresentou prints dos registros diários de corridas, trajetos, horários e valores recebidos, obtidos a partir da plataforma digital da própria empresa.
O vínculo foi negado pelo juízo de 1º grau e pelo TRT da 9ª região, que consideraram que a relação era de parceria, e não de subordinação. Entre outros aspectos, o TRT considerou que, de acordo com uma testemunha, o entregador tinha liberdade para estabelecer o número de viagens e o horário de trabalho e podia aceitar ou não as entregas, sem nenhuma penalidade.
Ao recorrer ao TST, o entregador argumentou que, quando desativava o aplicativo, era penalizado pela Uber, que diminuía a demanda de serviços. Segundo ele, é a plataforma que detém o poder sobre as entregas, pois dá ordens ao entregador e exige que o serviço seja realizado com perfeição, sob pena de descredenciamento, como ocorreu com ele.
Para a relatora do recurso de revista, desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa, em relação às plataformas digitais, as atividades econômicas desenvolvidas por trás dessa interface "consomem trabalho, auferem lucros, exercem poderes diretivos e que, portanto, devem ser vinculadas também a responsabilidades trabalhistas".
S. Exa. avalia que as empresas-plataformas dirigem e controlam a prestação de serviços por meio de algoritmos e inteligência artificial. Para ela, a gestão algorítmica visa induzir comportamentos dos prestadores de serviços, pois há pontuações durante todo o trabalho, e sensores de geolocalização geram informações sobre cada ato praticado.
Esse modelo de gestão do trabalho, de acordo com a magistrada, se orienta pelo processo de "gamificação", que estimula ou desestimula os trabalhadores pela possibilidade de melhorar seus ganhos ou de receber punições indiretas. Trata-se, a seu ver, de um exercício "repaginado" de subordinação jurídica, por meio do algoritmo.
Poder diretivo
Entre outros aspectos, ela lembrou a prerrogativa de descadastramento do trabalhador caso desatenda as condições exigidas, a remuneração determinada pela empresa (e não negociada entre o entregador e o cliente) e a inserção do trabalho na dinâmica da atividade econômica desenvolvida pela empresa.
Por outro lado, o entregador tinha de ficar conectado à plataforma, era avaliado e sofria bloqueios conforme as avaliações. A empresa, "de forma discricionária, decidia pela manutenção ou não do entregador na plataforma, o que evidencia o seu poder diretivo".
Por fim, a desembargadora ressaltou, em seu voto, que cabe ao Poder Judiciário a constante releitura das normas trabalhistas diante dos novos arranjos produtivos, "mas sempre em compasso com o horizonte constitucional da dignidade humana e do trabalho protegido por um sistema público de proteção social".
A decisão foi unânime.
Nota
Acerca da decisão, a Uber posicionou-se emitindo a seguinte nota:
"A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 2ª turma do TST, que representa entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal. A empresa considera que o acórdão não avaliou adequadamente o conjunto de provas produzido no processo e se baseou, sobretudo, em posições doutrinárias de fundo ideológico que já foram superadas, inclusive pelo STF. Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os parceiros independentes que utilizam sua plataforma, apontando a ausência dos quatro requisitos legais e concomitantes para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 6.100 decisões de Tribunais Regionais e varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma. O TST já determinou em diversos julgamentos unânimes que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em um dos mais recentes, a 5ª Turma considerou a 'ampla flexibilidade" do profissional para 'determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais em que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia' e que 'tal autodeterminação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo'. Também o STJ, desde 2019, vem decidindo que os profissionais "não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício". Neste ano, o Supremo Tribunal Federal preferiu quatro decisões negando a existência de vínculo e revogando acórdãos regionais por desrespeito ao 'entendimento do STF, firmado em diversos precedentes, que permite outros tipos de contratos distintos da estrutura tradicional da relação de emprego regida pela CLT'."
- Processo: 536-45.2021.5.09.0892
Leia o acórdão.
Informações: TST.