Crime da Mala: Conheça o 1º caso de grande repercussão no Júri de SP
Homicídio de imigrante italiana por seu marido foi descoberto após assassino despachar mala com o corpo para a França.
Da Redação
terça-feira, 26 de setembro de 2023
Atualizado às 14:10
Um crime de homicídio ocorrido em 1928 foi o primeiro de grande repercussão a ser julgado pelo tribunal do Júri do TJ/SP. O delito consistiu no assassinato de uma mulher por seu marido e foi descoberto após a mala com o corpo da vítima ser despachada em um navio a caminho da França.
Na década de 1920, José Pistone, um comerciante de 31 anos que buscava firmar sociedade com um primo no Brasil, conheceu Maria Féa, de 21 anos, durante uma viagem de navio com destino à Argentina. Os jovens iniciaram um relacionamento e se casaram, estabelecendo residência no Brasil.
Após oito meses de casamento, em 4 de outubro de 1928, devido a uma discussão, José assassinou a esposa no apartamento localizado à rua Conceição, 34, em São Paulo/SP.
O desentendimento, segundo podcast produzido pelo TJ/SP, deu-se porque Maria descobrira que José pretendia aplicar um golpe financeiro no primo, já que não tinha condições para se tornar sócio do negócio de secos e molhados do parente. Então, ela decidiu escrever uma carta à sogra, revelando os planos do marido.
Enfurecido, José estrangulou a esposa. Sem saber o que fazer com o corpo, após um dia, decidiu desmembrá-lo e colocá-lo em uma mala. A ideia inicial era desfazer-se da mala no mar. Mas, José concluiu que seria melhor despachá-la no porto de Santos, no navio Massiliá, com destino à França.
Em razão de um incidente com as bagagens na embarcação, o baú despachado por José se danificou e um cheiro muito forte e um líquido escuro vazaram, tornando a mala suspeita.
Dessa forma, o corpo de Maria, com as pernas cortadas e o pescoço quebrado, foi descoberto. Também foi constatado que ela estava grávida de seis meses.
A investigação
Em um primeiro momento, o delegado Armando Ferreiro da Rosa foi o responsável pela investigação. No baú, uma etiqueta indicava que a bagagem fora despachada em São Paulo, via trem. A polícia conseguiu localizar o motorista de caminhão que levou a bagagem da estação até o porto de Santos/SP.
Também foram inquiridos alguns carregadores do porto. Um deles revelou que indicara uma pensão para que José passasse a noite, já que o suspeito estava acompanhando o envio da mala e o navio só sairia no dia seguinte. Na pensão, José havia se registrado com o nome de José Russo. Esperando que o suspeito retornasse de Santos para São Paulo, a polícia o aguardou na estação, mas José não embarcou.
A partir de então, a investigação foi encaminhada para São Paulo, sob o comando do delegado Francisco de Assis Carvalho Franco. Nesse momento, houve ampla repercussão midiática e um comerciante reconheceu a corda e a mala divulgadas em fotos nos jornais, pois as havia vendido para o suspeito dias antes do crime. O vendedor foi à polícia e indicou o endereço no qual tinha entregado os objetos.
No apartamento do casal, a polícia encontrou vestígios de sangue, mas nenhum sinal do acusado, que havia devolvido as chaves do imóvel para a proprietária. Entretanto, a polícia conseguiu o endereço de um amigo de José. A esposa desse amigo indicou um terceiro endereço no qual o suspeito poderia estar. Foi lá que os agentes públicos encontraram José.
Ele confessou o crime, mas alegou que agira em "legítima defesa da honra", após descoberta de uma traição. Segundo José, ao voltar para casa, encontrara um homem estranho saindo do prédio e Maria Féa seminua na cama.
A tese, no entanto, foi refutada por testemunhas, provando que a vítima não esteve com um homem no dia do crime. A verdadeira razão do assassinato, conforme investigação disponibilizada pelo podcast, foi a denúncia do golpe que José aplicaria no primo.
Denúncia e julgamento
O suspeito foi denunciado pelo promotor Vicente de Azevedo por homicídio (art. 294 do Código Penal da época) e profanação de cadáver (art. 365 do Código Penal da época) em 3 de novembro de 1928, na 1ª vara Criminal da Justiça de São Paulo. O caso foi julgado três vezes, no Palácio de Justiça da cidade.
No primeiro júri, em 15 de julho de 1931, presidido pelo juiz de Direito Herculano Crispim de Carvalho, José foi condenado à pena de 31 anos de reclusão. Após apelação, a cargo do advogado Álvaro Teixeira Pinto, que sustentou a tese de morte natural da vítima, o tribunal anulou o Júri.
Em 29 de fevereiro de 1932 houve o segundo julgamento. Presidido pelo juiz de Direito Paulo Américo Passalacqua, José foi condenado a 26 anos de prisão. Novamente, o Júri foi anulado, desta vez, pela Suprema Corte, em razão da inconstitucionalidade de um dos dispositivos legais aplicados no julgamento.
O último júri ocorreu em 5 e 6 de agosto de 1937, e foi presidido pelo juiz de Direito José Soares de Mello. O réu foi condenado a 31 anos de reclusão, decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça paulista.
Desdobramentos
José ficou preso por 16 anos, na penitenciária do Estado e depois no Presídio Agrícola de Taubaté. Por um benefício de um decreto presidencial, foi solto em 1944. Casou-se novamente em 1949, com uma faxineira que conheceu na prisão. Ele faleceu em junho de 1956, vítima de um infarto.
Maria Féa foi enterrada no Cemitério da Filosofia, no bairro Saboó de Santos/SP e é visitada por muitos populares, que a consideram santa.
Os autos do caso, e de vários outros crimes marcantes, atualmente, estão expostos no Museu do Tribunal de Justiça de São Paulo.