Justiça condena empregado que trabalhava "24 h por dia, sem intervalo"
Da Redação
sexta-feira, 18 de maio de 2007
Atualizado às 09:11
Má-fé
Justiça condena empregado que trabalhava "24 h por dia, sem intervalo"
Um ex-empregado da Wide Productions Ltda. entrou com ação trabalhista reclamando o pagamento de R$ 283 mil em horas extras, sob a alegação de que, entre 2001 e 2005, trabalhara das 0:00h às 24:00h, sem intervalo de refeição e sem qualquer folga.
Durante a audiência na 89ª Vara do Trabalho de São Paulo, ele reafirmou a alegação, cedendo, após ponderação do juiz Marcos Neves Fava, apenas, para dizer que entre 12 e 13 horas, dormia um cochilo de 60 minutos.
Apesar de comunicada da existência do processo pela vara, a Wide Productions não compareceu à audiência, nem se defendeu da acusação, tornando-se revel.
"Em que pese a revelia da reclamada, pondero que a sentença judicial tem caráter e função públicos, não se prestando a ratificar absurdos. Mentirosa a alegação da inicial e mentir em Juízo é deslealdade processual", considerou o juiz Marcos Fava.
Para o juiz, "ainda que laborasse, por exemplo, 20 horas por dia - carga já elevadíssima - mister que se alimentasse, no mínimo, uma vez por dia. Negar sono - uma hora por dia, nos mais de 4 anos da avença - e negar parada para qualquer intervalo - nunca gozou de folgas - é mentir, deslavadamente, em Juízo".
Ele julgou improcedente a reclamação e condenou o ex-empregado a pagar R$ 2.830,00 por litigância de má-fé. O empregado ainda pode recorrer da decisão.
Processo nº 04454200608902008
Leia a íntegra da sentença:
1. S E N T E N Ç A
"Porque é que, na maior parte das vezes, os homens na vida quotidiana dizem a verdade? Certamente, não porque um deus proibiu mentir. Mas sim, em primeiro lugar, porque é mais cômodo, pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória. Por isso Swift diz: «Quem conta uma mentira raramente se apercebe do pesado fardo que toma sobre si; é que, para manter uma mentira, tem de inventar outras vinte». Em seguida, porque, em circunstâncias simples, é vantajoso dizer diretamente: quero isto, fiz aquilo, e outras coisas parecidas; portanto, porque a via da obrigação e da autoridade é mais segura que a do ardil. Se uma criança, porém, tiver sido educada em circunstâncias domésticas complicadas, então maneja a mentira com a mesma naturalidade e diz, involuntariamente, sempre aquilo que corresponde ao seu interesse; um sentido da verdade, uma repugnância ante a mentira em si, são-lhe completamente estranhos e inacessíveis, e, portanto, ela mente com toda a inocência". (Friedrich Nietzsche, in 'Humano, Demasiado Humano' )
A. Relatório
José Neto da Silva, qualificado na inicial, alegando ter sido empregado da ré, sustenta que não viu corretamente quitados e pretende receber, lançando mão de seu direito constitucional de ação, os valores que decorrem de horas extras e reflexos.
À causa atribuiu o valor de R$ 283000,00.
Citada, a ré não compareceu a Juízo, tornando-se revel.
Foi ouvido o reclamante.
Encerrada a instrução processual, dadas por infrutíferas as tentativas de conciliação.
Assim relato, para decidir.
B. Fundamentos
I
Justiça gratuita.
Concedo ao postulante os benefícios da justiça gratuita, nos termos do artigo 790, parágrafo terceiro, da C.L.T. (f. 14).
II
Horas extraordinárias.
Alega o reclamante que laborava das 0:00 às 24:00 horas, sem intervalo de refeição e sem qualquer folga, entre 2001 e 2005.
Alertado por mim, em instrução, de que, à vista da experiência deste Juiz de mais de 11 anos de magistratura na área do trabalho, era pouco plausível, para dizer o mínimo, o trabalho continuado, sem dormir, nem comer, por mais de quatro anos, insistiu em reafirmar a jornada. Cedeu, apenas, para dizer que entre 12 e 13 horas, dormia um cochilo de 60 minutos.
Em que pese a revelia da reclamada, pondero que a sentença judicial tem caráter e função públicos, não se prestando a ratificar absurdos.
Mentirosa a alegação da inicial.
Com efeito, ainda que laborasse, por exemplo, 20 horas por dia - carga já elevadíssima - mister que se alimentasse, no mínimo, uma vez por dia.
Negar sono - uma hora por dia, nos mais de 4 anos da avença - e negar parada para qualquer intervalo - nunca gozou de folgas - é mentir, deslavadamente, em Juízo.
E quem mente acintosamente, não tem limites para continuar inventado.
A revelia não confirmaria que o reclamante trabalhava voando por sobre o telhado da empresa, como também não confirmaria que ele recepcionava extraterrestres, quando das visitas regulares dos marcianos à Terra.
Não obstante a confissão da reclamada, por sua revelia, não vejo possibilidade de concessão dos títulos postulados.
O processo não é um jogo de pega-pega, é instrumento de distribuição da justiça e de fixação dos parâmetros da cidadania e isto está acima do interesse privado de defesa do reclamado.
Não pode o Judiciário reconhecer o impossível, sob pena de desrespeito à sociedade.
Por estas razões, julgo improcedente a pretensão exordial.
Mentir em Juízo é deslealdade processual, razão pela qual, com fundamento no artigo 18 do Código de Processo Civil, fixo pena de 1% do valor da causa, em favor da parte oposta.
III
C. Dispositivo
Do exposto, julgo improcedente a pretensão de José Neto da Silva contra Wide productions ltda, para absolver da instância o réu e condenar o reclamante por litigante de má-fé, na forma da fundamentação que este dispositivo integra sob todos os aspectos de direito, observando-se ainda:
Custas.
Serão suportadas , no importe de R$ 5.560,00 calculadas sobre o valor de R$ 283.000,00, de cujo recolhimento fica dispensada, na forma da lei..
Providências finais.
Junte-se aos autos.
Registre-se.
Cumpra-se.
Ciente, o autor, na forma da súmula 197 do Tribunal Superior do Trabalho. Intime-se o réu.
Nada mais.
Marcos Neves Fava
JUIZ DO TRABALHO
TITULAR DA 89ª VARA DE SÃO PAULO
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